Simulação de Assembleia: Estabelecer o voto obrigatório
Joana Barata Lopes
Vamos para a nona sessão. No Governo está o Grupo Verde, o Grupo Amarelo é a Oposição 1 e o Grupo Encarnado a Oposição 2. Temos na agenda a discussão de uma proposta do Governo para o voto obrigatório. Vou dar a palavra por cinco minutos a senhora Ministra Marisa Rito. Tem a palavra por cinco minutos.
Marisa Rito
Quero começar por cumprimentar a senhora Presidente da Assembleia da República e restante Mesa
O senhor Primeiro-Ministro e restante Governo
As senhoras e senhores Deputados
Nos últimos anos, Portugal tem assistido a um crescente galopar das taxas de abstenção, passando de uma percentagem de 41 para 66%.
66%! A maior abstenção de sempre.
Estes níveis de abstenção fazem com que as pessoas se afastem da política. Aos senhores deputados interessa que as taxas de abstenção continuem nos atuais níveis mas a este Governo interessa que seja a vontade dos portugueses a governar Portugal.
Portanto, o que o nosso Governo vem aqui hoje apresentar e pretende levar a cabo, à semelhança das boas práticas internacionais (em países como a Bélgica, o Brasil e o Luxemburgo), é o estabelecimento do voto obrigatório.
Este Governo pretende estar lado a lado com os portugueses. Só desta forma todos os eleitores poderão participar na escolha dos seus eleitos de forma mais responsável e construtiva. Porque antes de um direito, votar é um dever.
Para que esta medida seja aplicada, propomos uma reforma eleitoral. Por isso, pretende-se estimular o debate nacional envolvendo desde a primeira hora os eleitores.
Obviamente, como complemento ao voto obrigatório, implementaremos um sistema de voto eletrónico para que desta forma seja facilitado o acesso a todos os eleitores.
Sendo que esta reforma não tem como objetivo uma atitude autoritária, estarão previstas exceções a pessoas de mobilidade reduzida ou com doença.
E mesmo no caso das sanções, não optamos por qualquer tipo de multa ou penalização, por forma a reforçar o fim último, que é o princípio e serviço à comunidade.
Em paralelo com estas medidas, tentaremos influenciar as próximas gerações, desde muito cedo, incluindo no seu percurso escolar uma disciplina de cidadania. Para que no futuro, repito, no futuro, esta obrigatoriedade não seja necessária por se tornar um ato natural.
Pretendemos que os portugueses estejam lado a lado para legitimar o Governo e a própria oposição.
Senhores deputados, temos consciência de que a vontade dos portugueses pode não vos interessar. Mas posso garantir que este Governo pretende governar Portugal com os portugueses e para os portugueses.
Tenho dito.
[APLAUSOS]
Joana Barata Lopes
Muito obrigado. A palavra agora para o senhor deputado do Grupo Amarelo, Rodrigo Camacho, para uma interpelação ao Governo. Dispõe de três minutos.
Rodrigo Camacho
Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República
Caros membros do Governo
Caros Deputados e demais presentes
Eu venho aqui falar sobre o documento que me entregaram que, deixe-me classificá-lo como lixo.
Não sei quanto tempo é que demoraram a fazê-lo mas eu nunca vi uma página com tantos erros ortográficos e com tanta falta de coerência.
A dada altura dizem que querem instituir o voto obrigatório porque não se reveem das atuais políticas e nos atuais políticos. Eu penso que a senhora é política.
[RISOS]
De seguida dizem que esta proposta densifica a legitimidade dos governantes. Quer dizer que a legitimidade está dispersa, neste momento? Háum pouco de legitimidade ali e um pouco acolá?Sinceramente, parece-me uma parvoíce.
E continuam dizendo que com esta proposta os cidadãos passam a participar no processo político. Mas isso já eu posso mesmo momento: com a sua medida eu vou ser obrigado a participar.
Os senhores dizem que a abstenção faz com que as pessoas se afastem da política. Ora uma coisa nada tem que ver com a outra: as pessoas abstêm-se devido a intervenções como a sua.
[APLAUSOS]
Mais: a senhora diz que haverá um regime de exceção para pessoas doentes. E o que acontece às pessoas que vivem longe? Àquelas que não podem ir votar? Terão de pagar multas?
E há que frisar outra coisa: os senhores falam da elevada abstenção e da falta de legitimidade dos políticos mas eu digo-lhe que com a vossa medida a legitimidade não vai aumentar. Quando são obrigadas a votar, as pessoas não fazem ideia em quem estão a votar. E acabam por, de certa forma, aldrabar os resultados.
Assim, por vezes quem acaba por ganhar não é o candidato que as pessoas querem mas sim alguém cujas ideias os eleitores desconheciam por completo.
Por fim, há que frisar uma coisa: e em determinadas religiões que defendem que é pecado participar em determinados processos políticos, o que farão a essas pessoas? Vão obrigá-las a votar?
Votar é um direito e como qualquer tipo de direito, eu não sou obrigado a usufruir do mesmo. Isso é chamado uma coerção. Mais: infringe o meu direito de liberdade.
Resumindo, a sua proposta é antes de mais um atentado à língua portuguesa. E não tem qualquer tipo de conteúdo, tal como o seu Governo.
Obrigado.
[APLAUSOS]
Joana Barata Lopes
Tem a palavra, por três minutos, a deputada Sofia Sousa, do Grupo Encarnado.
Sofia Sousa
Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República
Senhores membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
O programa apresentado pela senhora Ministra apresenta várias lacunas, sendo muito vago e ambíguo.
Em primeiro lugar, os indicadores apresentados, não valem por si só como termo de justificação. Em resultados anteriores, a taxa de abstenção não atingiu valores que podem justificar o evento particular.
Em segundo lugar, o voto obrigatório viola princípios fundamentais adquiridos após o 25 de Abril.
Princípios como a liberdade de expressão, princípios relacionados com a autodeterminação de uma pessoa humana, são absolutamente violados aqui.
Em terceiro lugar, a proposta de voto obrigatório, em nossa opinião, força um tipo de conduta que pode na realidade não corresponder à vontade livre que o eleitor tem.
Em quarto lugar, não compreendemos o argumento da disciplina de cidadania. Como sabe, senhora Ministra, nos planos curriculares já existe esta disciplina de formação cívica para esse efeito.
Em quinta, fala em aplicar sanções. Que tipo de sanções? Na vossa proposta não explicam. Serão coimas? Multas? Já agora, existe um diploma legal que irá tratar desta questão? Julgo que na proposta deveria vir mencionado. Estamos perante uma lacuna bastante perigosa.
Em sexto lugar, a única salvaguarda que apresenta para não se levar uma sanção é insuficiente, podendo haver mais de mil razões que moralmente e eticamente são justificáveis para o não exercício do voto.
Em sétimo, fala em intensificar a legitimidade dos eleitores, mas um maior número de votos não quer dizer que os eleitores votaram em consciência. E, com mais ou menos votos, eles foram eleitos. Logo, têm legitimidade de governar.
Em oitavo, e por último, não compreendo o facto de a senhora ministra não ter sido capaz de especificar quais eleições que seriam afetadas. Como tal, depreendo que se refere a eleições europeias também. Senhora ministra, a senhora não tem nem responsabilidade nem poder para alterar o regime de voto das eleições europeias. Como tal, só tenho a dizer que a proposta foi por água abaixo.
Joana Barata Lopes
Para responder, passo a palavra ao senhor Primeiro-Ministro Marco Correia. Dispõe de 3 minutos.
Marco Correia
Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República
Caríssimos membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
Depois da apresentação que a senhora ministra fez, eu estava à espera que tirassem um "coelho da cartola”, sem ofensa para os coelhos.
[RISOS]
Mas fiquei desiludido. Eu queria explicar ao senhor deputado que disse que havia um pouco de legitimidade ali e um pouco acolá.
Não: segundo os portugueses, há muita legitimidade aqui e pouca aí.
É assim que está distribuída a legitimidade.
Vozes
Muito bem
[APLAUSOS]
O Orador
E quando fala em condicionamento da democracia eu respondo "eleições democráticas”. Não há melhor resposta para os seus argumentos. Para além de termos acabado de vencer umas eleições em que apresentámos esta proposta a sufrágio, nós queremos uma concretização um pouco mais complexa do que a proposta que analisaram ou tentaram analisar.
Quando falámos em reforma, não falámos numa disciplina aqui, numas eleições ali. Falámos num conjunto. Em algo transversal.
Dissemos que uma disciplina por si só talvez não resulte, voto obrigatório por si só talvez não resulte, mas umas eleições obrigatórias que não tenham outro tipo de sanção a não ser serviço comunitário. Porque serviço comunitário é uma intervenção pedagógica que este Governo quer fazer.
Serviço comunitário é o serviço que provavelmente alguns dos senhores deviam estar a fazer ao vosso eleitorado. Porque não é isso que estão a fazer aqui!
Vozes
Muito bem
[APLAUSOS]
O Orador
Há aqui alguma confusão, por exemplo, com o voto eletrónico. E eu lembro-me daqueles telemóveis que tinham uma mala muito pesada, e que eram difíceis de transportar. Mas eu acho que o voto eletrónico será algo mais ágil. Provavelmente na internet – que não existe só em Portugal – seja mais fácil de agilizar e não seja um obstáculo assim tão grande.
Após a reforma e após as sanções, gostava de vos falar, essencialmente, naquilo que me transmitiram.
Eu senti medo. Um medo difícil de explicar. Num país democrático, é difícil de explicar que um partido tenha medo de eleições, que dois partidos tenham medo de eleições, porque sabem que passarão de minoria a extinção.
Tenho dito.
[APLAUSOS]
Joana Barata Lopes
Muito Obrigado.
Quem considera que o Governo ganhou o debate levante o braço.
Quem considera que a Oposição 1 ganhou o debate levante o braço.
Quem considera que a Oposição 2 ganhou o debate levante o braço.
Venceu o Governo.
[APLAUSOS]
Vamos à segunda votação. Quem entende que deve haver voto obrigatório?
Quem é contra?
Ganhou, por larga maioria, o voto obrigatório.
Passo agora a palavra ao nosso painel de comentadores.
Dep.Carlos Coelho
Eu concordo com a vossa votação, acho que o Governo ganhou este debate.
Vamos a alguns comentários.
A Sofia usou cartões. Quando não têm púlpito e falam neste registo, o que a Sofia fez é o mais correto. Em vez de ter folhas grandes, ter o sistema de cartões. Permitem a ilusão de estarmos a falar quase de improviso. Portanto a Sofia fez bem.
Já fez mal em começar a falar com a mão no bolso. Depois acabou por corrigir e jogar bem com a mímica das mãos.
Vejam que a mão no bolso não se deve fazer. Fica pior num homem do que numa senhora mas é algo que não se deve fazer.
O Rodrigo foi cruel, mas muito eficaz. Deu cabo do documento. Aquela frase do "densificar” de facto não faz sentido nenhum, assim como o final do texto do grupo Verde, que não é o melhor.
Porém, o Rodrigo, aqui ou ali, exagerou na agressividade ao dizer que o documento é um lixo. É sempre difícil de dizer qual é o limite do que se pode e não pode dizer. Em qualquer circunstância esteve muito bem. Foi fluente, contundente, e sob o ponto de vista da estrutura argumentativa, foi a melhor intervenção do painel.
Não foi a mais eficaz, mas foi a mais bem construída.
O Governo esteve muito bem. A Marisa esteve bem na intervenção inicial, numa estratégia de precaver as críticas; o Marco, que tem muita experiência política, como aliás se viu pela forma como falou, transmitiu convicção. Foi à liça, respondeu aos argumentos, respondeu às críticas mais delicadas, designadamente à ideia que não queriam prender ninguém por não votar e que estavam a estabelecer a sanção apenas como serviço comunitário.
Acho que a intervenção do Marco está diretamente ligada à vitória do Governo neste debate.
[APLAUSOS]
Duarte Marques
Só quero fazer dois comentário: o Marco também tinha a mão no bolso, embora ele diga que não. Não ponham: é uma muleta que por vezes se usa.
Mas o Marco teve a agilidade mental de conseguir dar a volta às críticas que se fizeram. Isto em política é muito importante. A posição mais difícil é sempre para o Governo.
Acho que ele virou o resultado.
Eu não vou falar da Marisa porque ela é de Mação e acho que não me fica muito bem mas gostei muito de a ver. Fiquei muito orgulhoso.
Finalmente, uma nota ao Rodrigo. Tu fazes lembrar duas pessoas da Assembleia da República. Um é o João Galamba e outro sou eu.
Por mais agressividade que se tenha, há muita gente que depois não gosta. E quando se passa um ar de insolente ainda é pior. O Galamba é muito insolente. E eu às vezes também noto que, por mais razão que tenha, quando sou bruto as pessoas não gostam.
E vindo de um miúdo ainda é pior. E eu às vezes sou visto como um miúdo. Tu perdeste porque a malta não gostou de te ver a fazer isso. Estavas cheio de razão nos argumentos, mas a malta não gostou de te ver a fazer isso. Foste achincalhá-los. Com razão, mas resultou mal.