Muito boa tarde. Vamos dar seguimento ao exercício com a sexta sessão da assembleia da Universidade de Verão. No Governo está o Grupo Azul, o Grupo Verde é a Oposição 1 e o Grupo Amarelo a Oposição 2. Temos na agenda a discussão de uma proposta do Governo para a legalização da eutanásia. Vou dar a palavra por cinco minutos à senhora Ministra Jéssica Mendes Ferreira. Tem a palavra por cinco minutos.
Jessica Mendes Ferreira
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhoras e Senhores Deputados
Estar vivo não é o mesmo que viver.
É do conhecimento geral que a eutanásia é um assunto controverso, mas do qual não podemos nem devemos fugir, como todos os que dizem respeito à vida humana.
Eutanásia significa ou a morte ou a morte sem dor, ainda que saibamos que uma morte envolve sempre dor e angústia para a família. Mas sabemos também que existem inúmeras experiências de doença em que o sofrimento é intenso. Em que as pessoas se tornam prisioneiras dos seus próprios corpos. Onde o prazer e o sentido da vida deixam de existir.
E nas quais sabemos que os quadros clínicos são irreversíveis.
Não deverá ser permitido às pessoas que se encontram na fase terminal da vida, e em sofrimento agudo, poderem determinar o fim das suas vidas?
A resposta é "sim”, senhores deputados!
Defender a eutanásia não é defender a morte, é respeitar a autonomia absoluta de cada ser individual. O seu direito à escolha e liberdade de decisão.
Porque viver bem não é viver muito, mas sim com qualidade de vida.
Esta opção é um caminho para evitar a dor e o sofrimento. É morrer de forma digna e deve ser sempre uma escolha consciente e informada.
É por isso, meus senhores e minhas senhoras, para que não pensem que olhamos para este assunto de forma leviana, definimos medidas que têm como principal preocupação não só quem sofre mas também quem assiste a esse sofrimento.
Desta forma, definimos que todo o processo de decisão terá de ser acompanhado por um médico, por um jurista, por um especialista em ética e por um psicólogo. Em todo o seu percurso.
Contemplamos também, para doentes com patologias do foro psiquiátrico, um acompanhamento mais especializado. Para além disso, esta decisão deve ser tomada em situação de total capacidade do indivíduo em exercer os seus plenos direitos; e limitamo-la aos maiores de 18 anos.
Pensemos agora sobre outro ponto de vista. Não serão os profissionais de saúde, de certa forma, responsáveis pela dificuldade da sociedade em aceitar a eutanásia?
Na sequência de um quadro clínico irreversível, a medicina condena o ser humano a uma agonizante espera pela morte numa cama de hospital. Insistindo, quase numa opção insensata, em manter a terapêutica, quando esta está apenas a adiar o inevitável.
Porém, não nos esqueçamos que um dia todos eles se comprometeram a cuidar da vida humana. Como tal, contemplamos nesta proposta a objeção de consciência a todos aqueles que o desejarem fazer.
Agora pergunto: será que devemos, enquanto pessoas saudáveis, ser o entrave que prolonga o sofrimento alheio, por toda a eternidade, numa vida ingrata?
Permitam que termine com uma reflexão referida no "O Clube dos Poetas Mortos” pelo prof. Keating aos seus alunos, tendo o protagonista falecido pouco tempo antes: "Acreditem ou não, todos nós nesta sala, um dia vamos fechar os olhos. Vamos deixar de respirar, vamos ficar frios e morremos”.
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Muito obrigado. A palavra agora para o senhor deputado do Grupo Verde, António José Diogo, para uma interpelação ao Governo. Dispõe de três minutos.
António José Diogo
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhor Primeiro-Ministro e restantes membros do Governo
Senhoras e Senhores Deputados
Depois de ler a vossa proposta, deixem-me que lhes diga que no que depender de mim, a única coisa que vai morrer são as vossas medidas.
[APLAUSOS]
Eu começaria por dizer que têm aqui uma contradição, porque não sabem que para aplicar esta medida têm de fazer uma alteração à Constituição, onde se diz que a vida humana é inviolável.
Portanto, esta é uma tremenda trapalhada.
A realidade, meu senhores, é que esta não é uma medida neste momento prioritária para o país.
Veja-se bem, numa altura em que o Estado gasta mais dinheiro com o aborto do que a aplicar medidas natalistas, os senhores querem realmente que o dinheiro dos contribuintes vá direito para a morte!
[APLAUSOS]
Os senhores batem sempre, sempre, na mesma tecla. Falam dos direitos, falam da pessoa e da dignidade, mas não acham que o direito fundamental da vida deve prevalecer sobre o direito pessoal da morte?
Não pensaram que os portugueses têm uma palavra a dizer sobre isto? Não se trata só de uma questão moral, é também cultural!
Por que não fazem um debate nacional, um referendo? Acham que o tema vai ter um consenso?
Quem são os senhores para quererem aplicar uma definição da palavra "dignidade”?
Senhores deputados, têm consciência de que quando querem permitir aos profissionais da saúde uma objeção de consciência não trazem nada de novo?
Já está implícita no Juramento de Hipócrates! O médico não pode ser juiz da vida ou da morte de alguém!
Aliás, sobre isto a Ordem dos Médicos diz que a legalização da eutanásia seria um sério risco social e um grande retrocesso civilizacional. Levaria a um desinvestimento em áreas prioritárias da saúde, essencialmente cuidados paliativos em pessoas com doenças terminais.
Vocês falam do limite dos 18 anos. Dou-vos este exemplo: dois jovens vão num carro. Um de 20 e outro de 16 anos. Há um acidente e ficam, infelizmente, ambos em estado vegetativo. Os familiares do jovem de 20 anos podem escolher a morte dele mas o de 16 anos têm de esperar dois anos em agonia para que possa morrer dignamente!
Vozes
Muito bem
[APLAUSOS]
O Orador
Eu acho que se torna óbvio, meus senhores, que a menos que queiram assumir uma posição ditatorial, a vossa medida não tem pés nem cabeça para andar para a frente.
Meus senhores e minhas senhoras, mais do que envolver aqui opiniões, discursos, questões culturais ou morais, há uma coisa que é inquestionável. Não há qualquer dignidade na palavra morte.
Obrigado.
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Tem a palavra, por três minutos, a deputada Daniela Sousa Tomás, do Grupo Amarelo.
Daniela Sousa Tomás
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhora Ministra
Caros Ministros e Deputados
Confesso que fiquei um pouco desagradada e triste ao ler o vosso planeamento governamental. Não percebi como queriam ser coerentes ao escrever no mesmo plano com dois acordos ortográficos. Será que o vosso plano e o vosso Governo também é incoerente? Fica a questão.
Primeiro passo, a ética médica, como o meu caro colega mencionou, o Juramento de Hipócrates.
Não percebo em que ponto põem a consciencialização médica. Um médico não pode matar. Tem o direito e o dever de salvar.
Quanto às doenças em estado terminal. É este um problema a eliminar? Ou a solucionar?
Quanto ao código penal, tem como base a defesa do direito fundamental da vida. Da vida de todos nós. Sem ela não estaríamos aqui. Será que é consciente introduzir a eutanásia no Código Penal?
Gostaria de saber a vossa opinião.
[APLAUSOS]
Como é fácil criticar e não dar soluções, nós temos uma solução. Os cuidados paliativos em Portugal estão pouco desenvolvidos. Nós gostaríamos de desenvolver, de espalhar por todo o país, para facilitar os acessos, e para conferir aquilo de que tanto gostam de falar – a dignidade humana. Assim, uma pessoa pode morrer com a dignidade humana de que falaram, com moralidade, ser sociável e com menos dor.
Outro dos pontos para que gostaria de chamar a atenção refere-se à oposição 1. Não percebi: agonia? Durante dois anos? Mas afinal defende a eutanásia?
[RISOS, APLAUSOS]
Quanto à cultura: nós somos um país com cultura, religião... Será que deveremos sobrepor a cultura... ah... Será que deveremos pôr a morte que de forma alguma está de acordo com a religião cristã, e assim não ganham de certeza eleitos.
Para rematar, gostaria de deixar uma citação de Miguel Torga: "eutanásia – uma terminação brutal da vida que se dá a quem está supostamente para morrer, mas ainda quer viver”.
Obrigada.
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Para responder, passo a palavra à senhora Ministro Mariana Barata Lopes. Dispõe de 3 minutos.
Mariana Barata Lopes
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhoras e Senhores Deputados
Deixem-me começar por vos perguntar uma coisa: estamos mesmo a falar da inviolabilidade da vida num país em que o aborto é permitido?
[APLAUSOS]
Tenho algumas dúvidas, devo dizer-vos.
[APLAUSOS]
Outra questão: os senhores deputados sabem realmente o que são cuidados paliativos? Deixem-me que nos explique: cuidados paliativos não é ajudar a morrer: é ajudar a viver. Ou seja, uma pessoa não tem de estar em fase terminal para usufruir de cuidados paliativos.
Estes cuidados servem para controlo de sintomatologia. Ou seja, eu posso ter uma doença, viver a vida toda com ela, não estar a morrer mas precisar de cuidados paliativos.
Doença terminal significa estar acamado e precisar de uma máquina para respirar, dependente de quem o alimente, dependente de tudo para viver, talvez nem conseguindo fazer um piscar de olhos.
Pergunto: isto é viver? Para mim, viver é andar lá fora. Conviver, poder estar com as pessoas de quem se gosta. Não é estar numa cama de hospital, condenada a que tratem de mim porque objetivamente não tenho vida.
Quanto à questão religiosa, para mim Deus é amor. Pergunto-vos: quem ama quer ver sofrer?
Sinceramente, é difícil deixar ir aqueles de quem mais gostamos, porém também é difícil vê-los sofrer.
Queremos mesmo ver um familiar nosso condenado a uma cama de hospital meses, anos, sem sabermos por quanto tempo? Estamos a falar de quadros clínicos irreversíveis. Acho que todos sabem o que quer dizer irreversível.
Quanto aos profissionais de saúde: é verdade que defendemos proteger a vida. Mas reparem, os profissionais de saúde também convivem todos os dias com o sofrimento. O sofrimento daqueles que sofrem e o daqueles que veem sofrer. Portanto, se eu perguntar a alguns, alguns diriam que sim, porque convivem com o sofrimento todos os dias.
E atenção que nós definimos na nossa proposta que todo o processo é acompanhado por um médico, por um jurista, por um psicólogo e por um especialista em ética. Ou seja, não deixamos que esta decisão seja tomada de ânimo leve, porque a morte não é tomada de ânimo leve.
Não se esqueçam que a vida é importante mas a dor, o sofrimento, o esgotamento, o fim do projeto de vida, são situações que levam as pessoas a desistir de viver. Agora pergunto-vos, senhores deputados, estar vivo é o mesmo que viver?
Obrigada.
Vozes
Muito bem
[APLAUSOS]
Nuno Matias
Muito Obrigado.
Terminámos o debate. Vamos agora à votação.
Quem considera que o Governo ganhou o debate levante o braço.
Quem considera que a Oposição 1 ganhou o debate levante o braço.
Quem considera que a Oposição 2 ganhou o debate levante o braço.
Obrigado, o debate foi ganho pelo Governo, 25 votos. A Oposição 1 teve 21 e a Oposição 2 teve sete.
[APLAUSOS]
Vamos à segunda votação. Quem entende que se deve legalizar a eutanásia? 60 votos a favor, 21 contra.
Passo agora a palavra ao nosso painel de comentadores.
Duarte Marques
Eu estava na dúvida sobre quem eu acho que devia ganhar mas concordo com a vossa votação porque o Governo foi homogéneo na qualidade das respostas.
Acho sinceramente que a Jéssica fez uma grande apresentação, muito nobre. Houve uma altura em que correu o risco de dizer "fechar os olhos”, o que destoou de tudo o resto do que disseste. Foi muito arriscado. Mas fizeste uma excelente apresentação: boa postura, boa voz; envolveu todos, desde a família à pessoa que está a morrer.
Não achei nada inteligente, do ponto de vista estratégico, teres culpado os médicos por prolongar o sofrimento das pessoas. Num debate a sério correrias um risco brutal de teres os médicos todos contra ti.
Mas estás de parabéns.
[APLAUSOS]
A Mariana, que eu julgava que com aquela paixão toda era a favor da eutanásia, afinal é contra. E conseguiu fazer uma coisa: respondendo às oposições, explicou-nos a diferença entre os cuidados paliativos e o resto.
Com isso, acho que conseguiste convencer algumas pessoas a irem atrás dessa proposta que é muito diferente. Uma coisa é vivermos a vida toda com cuidados paliativos, outras é pensarmos (com senso comum) que os cuidados paliativos são à beira da morte.
Acho que deste um grande contributo para o debate e estás de parabéns.
Tens uns problemas de dicção, que tens de corrigir, e alguns tiques da irmã, que já se percebeu.
Muitos parabéns também.
Relativamente aos restantes oradores, eu acho que o Tozé foi inteligente ao recorrer ao referendo, foi inteligente da vossa parte. Isso foi estratégico.
O argumento da idade, que eu achei super perspicaz, foi genial, mas mais genial ainda foi a réplica que a Daniela deu ao usar esse argumento contra vocês.
Mas atenção, Daniela, tu não te pode referir ao teu "colega” da oposição. Isso, só o PCP é que faz com "os Verdes”. O outro grupo parlamentar não são os nossos colegas.
Tiveste muito boa postura, com citações pelo meio, o teu à-vontade, espontaneidade, foi muito bom.
Estão todos de parabéns! O Tozé tem muita expressão corporal, muito à-vontade. Só tens de ter cuidado para não exagerares.
Dep.Carlos Coelho
Em primeiro lugar, não sei se repararam qual foi a intervenção que pareceu mais credível? Para mim foi a da Mariana. Porque ela fala do que sabe. Portanto, quando falamos daquilo que sabemos, falamos com outra vida, com outra autenticidade. E a Mariana falou da experiência profissional dela.
Coisas que não correram tão bem: O António fez uma intervenção fantástica mas perdeu no argumento do jovem em agonia. Só pode usar esse argumento se for a favor da eutanásia. O António ficou em contrapé, como a Daniela apontou e bem.
Se o jovem vai ficar dois anos em agonia, a resposta é simples: "então vamos fazer eutanásia nele!”
O António esteve bem no registo, excepto numa vez ou noutra, em que correu o risco de falar alto de mais. Nós não temos mais razão apenas por gritarmos. A representação da emoção tem de ser qb. Tem de ter limites.
Mas acho que na representação do discurso, o António foi o que esteve melhor de todos os oradores.
A Daniela esteve bem. A única coisa de que não gostei foi a referência à religião cristã. Não apenas por meter a questão religiosa no debate mas sobretudo pelo argumento: "assim não ganham eleições”.
É um argumento religioso perfeitamente instrumental. Se eu fosse o Governo teria respondido. A Mariana foi elegante, disse que Deus é amor e quem ama não quer ver sofrer.
Finalmente, concordo com a vossa votação. Apesar de tudo, acho que o Governo ganhou o debate.