ACTAS  
 
06/09/2014
Simulação de Assembleia: Abolição das touradas em Portugal
 
Joana Barata Lopes
Muito boa tarde. Vamos dar seguimento ao exercício com a quinta sessão da assembleia da Universidade de Verão. No Governo está o Grupo Encarnado, o Grupo Rosa é a Oposição 1 e o Grupo Bege a Oposição 2. Temos na agenda a discussão de uma proposta do Governo para a abolição das touradas. Vou dar a palavra por cinco minutos ao senhor Ministro Alexandre Filipe Santos. Tem a palavra por cinco minutos.
 
Alexandre Filipe dos Santos

Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República

Senhor Primeiro-Ministro

Senhoras e Senhores Deputados

 

O assunto que nos traz aqui hoje é um dos tabus da sociedade portuguesa. Venho falar do show das touradas. Mais propriamente sobre a sua abolição.

 

Este é um tema que tem de ser resolvido o meu breve possível. Como tal, apresentamos esta proposta de lei.

 

Este Executivo vem propor a abolição das touradas e de todo o espetáculo tauromáquico em Portugal. Não faz sentido que numa sociedade evoluída e avançada como esta que vivemos ainda seja praticada uma atividade tão violenta e tão cruel como a tourada.

 

Tal como em Itália as lutas entre gladiadores foram abolidas, tal como em Timor-Leste as lutas de galos foram abolidas, os tempos mudaram e tais práticas foram ultrapassadas.

 

Não é natural que em Portugal deixemos para os tempos bárbaros esta atividade desumana. Os tempos mudam e com isso mudam também as mentalidades.

 

Atividades como estas pertencem à história e esta se encarregará de julgar aqueles que defendem atividades e práticas ultrapassadas e desumanas.

 

A violência e a crueldade para com os animais não têm lugar numa sociedade moderna e avançada. É vergonho, vergonhoso, nos dias que correm, existirem estes maus tratos a animais.

 

Uma brutalidade transformada em simples ferramenta de entretenimento. É vergonhoso. A crueldade aos animais não fica apenas contida neles. A prática e a aceitação de violência em animais apenas aumenta a nossa indiferença perante situações de violência contra nós próprios, contra o homem. E isso é algo que vai contra a ordem e a segurança no Estado moderno.

 

As touradas podem também contribuir para que audiências mais jovens, os menores que vão com os pais, possam ficar traumatizadas, magoados e com sequelas irreparáveis para o seu futuro.

 

Tendo sido estes últimos anos financeiramente instáveis, também vale a pena abordar o facto de esta atividade ser financeiramente insuficiente, consumindo um subsídio ao Estado português que ronda os 17 milhões de euros anuais.

 

Eu pergunto, havendo tantas outras áreas em que é necessário investir, fará mesmo sentido investir numa que maltrata animais?

 

A existência de touradas constitui um embaraço e uma humilhação para Portugal perante uma comunidade internacional que repudia tais atos.

 

Esses países olham para nós como pessoas bárbaras e insensíveis.

 

Esse sentimento de vergonha também é sentido em Portugal, onde um estudo de 2007, realizado pela Metris GFK, apurou que 50,5% dos inquiridos eram contra estas práticas retrógradas.

 

Todas as estatísticas demonstram uma tendência clara que a oposição à realização de touradas está a crescer em todos os países europeus em que estas ocorrem.

 

Olhando para estes números, peço-vos, senhores deputados, que tirem as vossas conclusões.

 

Senhoras e senhores deputados, a análise dos dados que aqui apresentei oferece uma clara oportunidade de verificação da nossa posição.

 

Devo também referir que muitas das praças de touros, principalmente em zona economicamente desfavorecidas, se encontram em risco de segurança, apresentando condições abaixo do aceitável, pondo em risco os espectadores e os seus participantes.

 

A abolição das touradas não pode ser considerada uma matéria secundária. Face a todos estes argumentos, é um assunto de extrema importância que não pode ser esquecido nem ignorado.

 

Quero, por fim, falar da Lei 92/95 que, apesar de incompleta, já prevê que não pode haver nem violação nem maus-tratos a animais.

 

As touradas constituem uma clara violação dos direitos dos animais e não podem ficar sem serem responsabilizadas. Não é só o homem que tem direitos.

 

Senhoras e senhores, deputados, por favor não caiam numa posição tão radical. Todos os que nos rodeiam têm direitos.

 

Senhoras e senhores, deputados, pedia que se lembrassem que estamos aqui a defender aqueles que não o podem fazer. Procuramos viver num país justo e civilizado. Queremos mudar Portugal, procuramos a mudança para um futuro melhor e menos cruel. Muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Joana Barata Lopes
Muito obrigada, senhor Ministro. A palavra agora para o senhor deputado do Grupo Rosa, Pedro Cardoso, para uma interpelação ao Governo. Dispõe de três minutos.
 
Pedro Cardoso

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República

Senhor Ministro

Senhoras e Senhores Deputados

 

Permitam-me começar por aquela que é para mim, sem dúvida, a parte mais chocante deste projeto de lei. Enquanto português sinto-me completamente indignado e acho inadmissível que um governo possa considerar os seus cidadãos que gostam e assistem a espetáculos de tauromaquia de bárbaros.

 

Vozes

Muito bem

 

[APLAUSOS]

 

O Orador

Acrescento ainda, e usando a mesma classificação que V. Exas., que em 2013 existiam em Portugal 757 mil bárbaros. Aliás, as touradas não são um tema fraturante do nosso país. Muito pelo contrário. Existe grande tolerância por parte daqueles que discordam deste tipo de espetáculos.

 

Recorde-se a petição pública, submetida por Moita Flores, que teve mais de 100 mil assinaturas.

 

Mais ainda, de acordo com um artigo do jornal Público, 56,5% dos portugueses inquiridos num estudo concordam com a atual legislação sobre as touradas.

 

Ou seja, a maioria da população gosta efetivamente de assistir a espetáculos de tauromaquia, refutando aquilo que o senhor ministro disse.

 

Segundo este mesmo estudo do Público, 55% dos portugueses acreditam que as touradas dão uma boa imagem ao país. O que deita por água abaixo a imagem completamente desfigurada que vossas excelências tentaram transmitir e que nos leva a concluir que – para além de não danificar a imagem do país, as touradas contribuem fortemente para a promoção do turismo e para o interesse turístico em Portugal.

 

Isto aliado à atividade laboral que destes espetáculos advém, como a produção das roupas dos toureiros e dos forcados, a construção e manutenção das arenas, tudo o que envolve a criação de cavalos e touros, desde a alimentação de animais a serviços de veterinária. Isto gera emprego e fluxo monetário para o país.

 

Para além disto, o facto de grande parte das ganadarias se localizar no interior do país, gera nessas regiões riqueza e emprego, dinamizando-as.

 

Vozes

Muito bem

 

[APLAUSOS]

 

O Orador

Mas vamos agora aos animais. No projeto de lei apresentado, o senhor Ministro afirma que, passo a citar, "pretendem salvaguardar os direitos dos animais”. Pois bem: o touro é um animal de cativeiro, existem poucos consumidores que apreciam a carne da espécie.

Se a tauromaquia não existisse, qual seria a finalidade da criação da espécie. Ela deixaria de fazer sentido, o que levaria à sua extinção ou quase extinção.

 

Pergunto-lhe, senhor Ministro, qual a utilidade de defender os direitos de espécies extintas?

 

Isto para não falar da promoção que estes espetáculos conferem ao cavalo lusitano, símbolo de Portugal no mundo.

 

Por último, chegamos ao ponto fulcral. Não podemos esquecer que esta é uma cultura enraizada em Portugal ao longo de séculos e uma tradição que remonta à história e gentes do nosso país.

 

Segundo o Decreto-Lei 306/91, de 17 de Agosto, a tauromaquia é parte integrante do património da cultura popular portuguesa.

 

Senhor Ministro, quem ignora o passado, caminha sem [orador interrompido pela Presidente da Mesa para que termine] para o futuro.

 

Termino dizendo que...

 
Joana Barata Lopes

Vou ter de lhe retirar a palavra, senhor deputado. Muito obrigada.

 

[APLAUSOS]

 

Para a segunda interpelação, tem a palavra, por três minutos, o deputado João Francisco Gonçalves, do Grupo Bege.

 
João Francisco Gonçalves

Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República

Senhores membros do Governo

Senhoras e Senhores Deputados

 

Esta é a proposta de lei n.º 1, repito, n.º 1. Estamos em pleno mês de setembro e esta é a primeira proposta deste partido.

Como é que isto é admissível?!

 

[RISOS E APLAUSOS]

 

Que andaram a fazer no resto no ano?

É o estereótipo da incompetência do seu executivo.

Por favor, não brinque com os portugueses.

 

[APLAUSOS]

 

Contudo, as incoerências não se ficam por aqui.

4 de agosto de 2013: definiu proibir todo o espetáculo tauromáquico. Contudo, a 11 de julho de 2014, já aprovam o contrário. Três meses depois estamos aqui outra vez... [RISOS] são demasiadas incoerências.

 

[APLAUSOS]

 

Contudo, o meu partido não se debate por pequenas coisas. Debatemos os grandes temas.

 

Um dos vossos argumentos é a danificação do país devido a pessoas e práticas bárbaras. Pergunto: está a chamar os portugueses bárbaros? Está a chamar-nos bárbaros porque defendemos o nosso legado tradicional, a nossa história, os nossos costumes? É isso que é ser bárbaro?

 

Vozes

Muito bem

 

[APLAUSOS]

 

O Orador

Mas o senhor vai ainda mais longe nos insultos. Diz que somos uma cultura agressiva e pouco civilizada.

Países como Espanha ou França têm a tauromaquia como património.

Acha que esses países também são pouco civilizados?

 

Como disse aqui o meu colega, mais de 100 mil portugueses afirmaram-se em petição a favor da tauromaquia. 100 mil. É a segunda atividade com mais espetadores em Portugal.

 

Estamos a falar de 20 milhões de euros relacionados com esta atividade. Milhares de postos de emprego diretos ou indiretos. Desde a ganadaria até ao alfaiate que confeciona as roupas.

 

Não podemos ignorar esta atividade. Não podemos com uma lei abolir uma atividade destas, baseados em demagogia e sem fundamentos.

 

[APLAUSOS]

 

Caro Ministro, sabe que vivemos tempos difíceis em Portugal. Várias famílias passam por dificuldades, nós passamos por dificuldades, os portugueses passam por dificuldades.

 

Peço-lhe, não tire uma das poucas alegrias do povo, não tire isto aos portugueses. Não destrua o nosso legado, não destrua a nossa história.

 

[APLAUSOS]

 
Joana Barata Lopes
Para responder, passo a palavra ao senhor Ministro Luís Laranjo Matias. Dispõe de 3 minutos.
 
Luis Laranjo Matias

Exma. Senhora Presidente da Assembleia da República

Senhoras e Senhores Deputados

 

Eu confesso que este diploma ia ser pacífico uma vez que estamos a efetivar algo que já está presente na lei. Estamos a efetivar os direitos dos animais, presentes na Lei 92/95, onde é muito claro que se proíbem maus-tratos a animais.

 

Mas, pelos vistos, este debate não foi nada pacífico.

 

O senhor deputado do Partido Bege prendeu-se em questões de formalização do documento. Se não quis estudar nem saber mais sobre o tema, é problema seu.

 

Vamos aos bárbaros, senhoras e senhores deputados. Como é que os senhores caracterizam os países que realizam lutas de cães? Os países que permitem o apedrejamento de mulheres e a violação constante dos direitos das mulheres. Como é que a comunidade internacional os vê? Como?

 

[APLAUSOS]

 

O Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas fez já várias referências a Portugal e aos restantes nove países que realizam touradas sobre a violência deste espetáculo, os seus problemas para o futuro e diz que a predisposição para a violência sobre animais aumenta a predisposição para a violência entre homens.

 

Vozes

Muito bem

 

[APLAUSOS]

 

O Orador

Quanto à economia, senhores deputados, é engraçado que os estudos digam que este espetáculo vive à conta do erário público. 16 milhões anuais do Estado. Dos 20 milhões que aqui referiram, apenas 4 é investimento privado.

 

Considera que isto é uma prática sustentável num Estado endividado?

 

Vozes

Muito bem

 

[APLAUSOS]

 

O Orador

Quanto à petição do Dr. Moita Flores, com 100 mil assinaturas. Apenas 1% da população do país! Estudos mostram 50,5% de pessoas contra a realização das touradas. O que é 1% contra 50,5%?

 

[APLAUSOS]

 

O Orador

Concluo dizendo que devemos pensar no que somos: queremos ser vistos como apoiantes dos direitos básicos dos animais e cumpridores da lei – uma vez que os maus tratos aos animais são proibidos legalmente – ou queremos ser vistos como pessoas que apoiam atividades violentas, digo de novo: atividades bárbaras, e que fazem leis nesta casa para serem contornadas ao mais pequeno interesse.

 

Muito obrigado

 

[APLAUSOS]

 
Joana Barata Lopes

Muito Obrigada a todos.

 

Terminámos o debate. Vamos agora à votação.

Quem considera que o Governo ganhou o debate levante o braço.

Quem considera que a Oposição 1 ganhou o debate levante o braço.

Quem considera que a Oposição 2 ganhou o debate levante o braço.

 

A maioria entende que o governo ganhou o debate.

 

[APLAUSOS]

 

Vamos à segunda votação. Quem entende que devem ser abolidas as touradas?

Quem é contra?

Por escassa margem, ganhou a abolição.

 

Passo agora a palavra ao nosso painel de comentadores.

 
Dep.Carlos Coelho

Bem, se eu tivesse de votar não sei como votaria. Mas admito que vocês tenham razão, que o governo ganhou. E ganhou graças ao Luís.

 

O Luís virou a opinião. Não que o Alexandre tivesse estado mal. O Alexandre teve bons argumentos, mas não transmitiu emoção. O Alexandre diz que é "vergonhoso” o espetáculo da tauromaquia e di-lo com a mesma convicção como se dissesse que era "delicioso”.

 

Um grande argumento que vocês tinham, que era o subsídio dos 16 milhões de euros, não aproveitaram. Tinham de ter feito comparações: com esses 16 milhões podíamos fazer o quê, em alternativa?

 

É que hoje há uma certa insensibilidade para os números. O que são 16 milhões de euros? Temos de os tornar palpáveis. Se dissessem que com esses 16 milhões se poderia fazer A, B ou C, isso daria mais cor à vossa argumentação.

 

O Luís esteve bem nas respostas mas eu teria respondido à letra ao argumento da tradição. Porque os povos mudam. Se fosse para manter a tradição, mantê-la-íamos desde o início: no Império Romana, matavam toiros mas também matavam cristãos. O que é verdade é que hoje já não se matam cristãos. Portanto, a tradição não justifica tudo.

 

As oposições estiveram bem nos argumentos dos bárbaros, de facto era uma parte fraca do discurso do governo: nenhum governo se pode virar contra uma parte substancial da sua população. Portanto, o governo tinha aí uma argumentação um pouco exagerada.

 

O Pedro esteve muito bem com o argumento "que sentido faz defender os direitos de espécies extintas”.

 

O argumento do João Francisco de "não tirar alegrias ao povo” já é um pouco mais populista.

 

Foram bons argumentos de parte a parte. Pesados os prós e os contras, creio que o governo ganhou o debate com mérito próprio.

 

 

[APLAUSOS]

 
Duarte Marques

Eu também teria dúvidas em decidir. Acho que o Governo ganha pelo seu conjunto. O Alexandre esteve bem e o Luís esteve ainda melhor. O Luís teve a capacidade de, sem saber as perguntas, conseguiu ter um discurso de resposta muito frio.

 

Teve a frieza necessária para ser assertivo nas respostas, sem estar preparado. E foi acutilante e entusiasmante. Acho que foi isso que fez pender para o governo.

 

O Alexandre tem um timbre de voz curioso. É muito distinto.

Só uma nota: diz-se "touradas” e não "tauradas”. Tu és de Pombal, onde existe a praça mais antiga do país, não te podes enganar.

De resto, para a tua idade, foste muito escorreito, muito certinho, impecável, sem inventar. Os meus parabéns.

 

O João Francisco fez uma coisa que por vezes as pessoas têm vergonha de fazer. Ele aproveita o sotaque que tem. Há gente que esconde o sotaque. Ele é espertalhão, sabe que as pessoas acham graça ao sotaque dele e ainda carrega mais. Para dar humor à coisa. Ele usa essa arma em seu proveito e acho que faz bem.

 

Deixo também aqui um alerta para todos: na Assembleia não se diz "meus caros”. Diz-se "senhores deputados”, "caros deputados”. Não se usa "meus caros”. Por vezes escapa mas não o devem fazer.

 

O Pedro fez um bom trabalho de casa, estudou os argumentos, como aquele das espécies extintas, foi muito inteligente nisso.

 

De resto, estiveram todos bem na argumentação. Se tiver de destacar alguém destaco o Luís porque ele não sabia as perguntas.

 

[APLAUSOS]