ACTAS  
 
03/09/2014
Tensões no mundo: A guerra à porta da Europa?
 
Dep.Carlos Coelho

Vamos iniciar a aula da tarde.

Eu queria agradecer muito à Dr.ª Mónica Ferro o facto de ter aceite um convite nosso nestas circunstâncias, vocês sabem bem o que aconteceu, ficámos sem o Professor António Barreto por questões trágicas de natureza pessoal.

Apercebemo-nos de que não podíamos manter o tema com outro orador, não era possível em 48 horas preparar uma análise estruturada sobre os 40 anos da democracia portuguesa.

 

Dada a atualidade internacional e a hipótese de guerras emergentes, o aumento do conflito e das tensões, achámos que faria sentido este tema "Tensões no mundo: a guerra à porta da Europa?”.

 

A Dr.ª Mónica Ferro não está aqui por ser Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD e também não está aqui por ser membro do Conselho de Administração do Instituto Francisco Sá Carneiro. Está aqui porque ela é uma especialista nestas matérias. Já esteve quatro vezes na Universidade de Verão, a última foi no ano passado, mas aí sobre um tema diferente, foi o debate sobre a co-adoção. De resto foi sempre oradora nas questões internacionais. Ela é uma das vozes mais autorizadas, se não mesmo a voz mais autorizada em Portugal sobre a ONU, já nos deu aulas sobre a ONU em três Universidades de Verão e hoje fez-nos o favor de vir falar sobre os conflitos com que estamos confrontados à escala global e particularmente na Europa.

 

A convidada de hoje tem como hobbie ler, diz que é uma leitora compulsiva. Como comida preferida o sushi, para aqueles que gostam, como eu, percebem bem esta adição, uma semana em que eu não tenha pelo menos uma refeição de sushi dá para sentir a falta. O animal preferido são todos os que voam, portanto, percebemos que a Dr.ª Mónica Ferro não é fã dos crocodilos.

 

[RISOS]

 

O livro que sugere "A Guerra do Fim do Mundo” de Vargas Llosa, o filme "Ágora” e a qualidade que mais aprecia é a perseverança desde que não se confunda com teimosia. Mónica Ferro, muito obrigado, a palavra é sua.

 
Mónica Ferro

Boa tarde a todos e a todas, permitam-me que comece por cumprimentar o Sr. Reitor da Universidade de Verão, o Eurodeputado Carlos Coelho, que para além de tudo tenho a honra de lhe chamar amigo e de já ter partilhado algumas refeições de sushi. Cumprimentava também o Hugo Soares e o Duarte Marques que além de meus colegas no Parlamento, são também amigos. Um deles desde muitos anos. O Duarte é meu padrinho de casamento, para quem ainda não sabia, foi meu aluno no ISCSP durante dois anos e um bom aluno. Está aí também o Frederico também que foi meu aluno de Nações Unidas e creio que com uma das melhores notas que algum dia dei na Universidade.

 

[APLAUSOS]

 

Agora que já envergonhei quase toda a gente que conheço, tirando a Daniela e a Inês, tratarei disso mais tarde, aceitei este desafio de vir falar hoje sobre "Tensões no Mundo: A guerra à porta da Europa?” não só porque é um tema que domina a atualidade. É um tema que tem um interesse evidente para nós que vivemos no continente europeu, mas porque é um tema que nos permite olhar não só para o conflito em questão, como nos permite olhar para as soluções e tentar definir os caminhos futuros para a Europa, os caminhos futuros para o mundo, quais são as soluções que se desenham hoje quer a nível europeu, quer a nível global.

 

Reparem que estas semanas que nós vivemos agora são semanas profundamente interessantes, não só porque se fechou o desenho do poder na Europa, dentro da União Europeia, com uma nova Alta-representante para a política externa; com um novo Presidente do Conselho; o Presidente da Comissão está também a fechar a sua equipa para apresentar ao Parlamento Europeu. A partir de amanhã temos uma cimeira da Nato em Gales, as Nações Unidas preparam-se para abrir a sua assembleia geral em Nova Iorque. Portanto, são semanas em que há uma grande agitação, quer na identificação das tensões, quer na identificação das respostas.

 

Queria só dizer, antes de começar a tratar diretamente este tema, que sou licenciada em Relações Internacionais, tenho feito todo o meu percurso académico pelas Relações Internacionais, e portanto que é muito natural que sintam na forma como trato estes temas que essa é a minha origem. Para além disso, costumo dizer logo à partida que a minha capacidade de previsão é nula. Eu lembro-me há uns anos atrás, eu era comentadora da BBC África, da BBC em língua portuguesa, e quando começaram as agora chamadas Primaveras Árabes, começaram no Egito e eu lembro-me num telefonema da BBC África me terem perguntado o que é que achava que ia acontecer. Eu disse que não se ia alastrar, que o Egito é demasiadamente diferente do resto do Médio Oriente para que isto tenha um efeito de contágio, isto é um fenómeno que iria ficar reduzido ao Egito. Como veem, acertei totalmente, não se generalizou nem nada, e portanto, tenham sempre em atenção o que vou dizer agora.

 

[RISOS]

 

Para terminar, digo sempre que o meu coração é azul e para além do óbvio, isso quer dizer que as minhas referências são sempre ligadas às Nações Unidas e à Nato, cujas organizações têm como cor o azul, e a União Europeia também tem como cor o azul. Para além do Futebol Clube do Porto, como é evidente. Essa tinha de ser.

 

[APLAUSOS]

 

Só mais uma nota, é claro que estou a falar em meu nome pessoal e não em nome do Grupo Parlamentar do PSD. A minhas opiniões são minhas, o que não significa que não esteja em sintonia com o Grupo Parlamentar do PSD, não é isso. Estou a dizer que vou só falar na minha capacidade pessoal.

 

Quando nós começamos a falar destas matérias há uma série de frases e de premissas que nos vêm imediatamente à cabeça. Por um lado esta ideia de que vivemos no mundo mais seguro de sempre, que é comprovado pelo facto de as guerras terem diminuído nos últimos anos, isto é estatístico, o número de conflitos violentos entre Estados. Se olharem para este período da História, estes últimos dez anos da História, vão verificar que nunca houve tão poucos conflitos entre Estados. Cada vez mais nós assistimos, e ninguém nega, que há um grau de conflitualidade evidente e permanente a nível intranacional, isto é: conflitos mais internos, são dentro de Estados. Isto tem implicações também em termos de análise porque se antes nós estávamos habituados a ver conflitos entre Estados com forças armadas próprias, com códigos de condutas perfeitamente delimitados, regidos pela Convenção de Genebra. Hoje dia temos mais conflitos que sendo intraestatais têm um número de combatentes completamente diferente daquele a que estávamos habituados a identificar com as forças armadas, temos combatentes que não seguem códigos de conduta como aqueles a que nós estávamos habituados e estavam tipificados. Temos crianças-soldado, temos mulheres combatentes, temos uma série de fenómenos que altera a forma como olhamos para os conflitos.

 

Além destes fenómenos temos aquilo que a Mary Kaldor chamava de Novas Guerras, temos novas formas de conflitualidade. E temos, de há uns anos para cá, uma visibilidade muito mais crescente, um fenómeno que agora não vou tratar com detalhe, que é o terrorismo. Temos cada vez mais ataques assimétricos, ataques que não têm uma agenda concreta como os conflitos interestaduais normalmente têm. Se bem se lembraram dos atentados às Twin Towers em Setembro de 2001, o mundo ficou um pouco sem norte porque não se percebia muito bem qual era o objetivo daquele ataque. Nós estávamos habituados a que os ataques tivessem uma agenda, queriam a libertação de presos políticos, queriam a autodeterminação de um território e agora não havia uma agenda tão clara, usavam um poder totalmente assimétrico. Isto significa que falar de tensões hoje significa falar de uma complexidade de fenómenos muito difícil de tipificar, que é muito difícil de elencar e abordar de uma forma sistemática.

 

É claro que não vou trazer aqui à colação um dos temas que é mais trabalhado nesta matéria que é exatamente o que é que subjaz à maior parte destes conflitos. As Nações Unidas em 2005 fizeram uma avaliação do que era a causa dos conflitos, olharam para os conflitos e perceberam que ao fim de cinco anos metade dos conflitos que tinham conhecido um cessar-fogo, um acordo de paz, se voltavam a acender. Chegou à conclusão de que isto acontecia porque não se tratavam as causas profundas do conflito e se calhar ficarão surpresos e surpresas se vos disser que nessa altura a causa mais profunda dos conflitos, a causa identificada como a causa mais profunda dos conflitos foi a pobreza. A pobreza e as assimetrias no acesso à riqueza e ao resultados da exploração dos recursos naturais. E isso significa que quando olhamos para os conflitos não chega ver o que está à superfície, temos de ver as causas subjacentes e vão ver que no conflito que nos vai ocupar os minutos que nos seguem, que é o caso da Ucrânia, o que está em causa também tem a ver não com pobreza, mas com acesso a recursos, com o acesso a um recurso muito escasso que é a terra, que é o território de um país.

 

Mas quando falo disto lembro-me sempre de uma frase de um poeta britânico que dizia algo que explica muito bem porque é que nos interessa olhar para a Ucrânia, mas também porque é que nos interessa olhar para o Médio Oriente, para o Mediterrâneo, para África, para a América Latina e para a Ásia. E dizia ele "Nenhum homem é uma ilha isolada. Cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra. Se um torrão é arrastado para o mar a Europa fica diminuída como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria. A morte de qualquer homem diminui-me porque sou parte do género humano e por isso não perguntes porque é que os sinos dobram, eles dobram por ti”. É uma frase do Jonh Donne, até deu origem a um romance do Hemingway "Por quem os Sinos Dobram” e um filme, mas eu acho que traduz este sentimento de humanidade coletiva, o que acontece a qualquer outro ser humano afeta-me a mim desde logo porque partilhamos da mesma humanidade.

 

Quando nós olhamos para os conflitos que estão mais perto de nós, há um que está cá, às nossas portas e é o conflito na Ucrânia. Hoje houve alguns desenvolvimentos, acho que todos nós acordámos de manhã com duas notícias muito positivas, por um lado o facto da Ucrânia ter assinado com a Eslováquia um contrato de fornecimento de gás natural que lhe vai permitir suprir as suas necessidades em 14%, o que significa que vai diminuir a dependência energética da Ucrânia em relação à Rússia. Por outro lado, o anúncio quer pelo Presidente russo, quer pelo Presidente ucraniano Poroshenko, de que tinham chegado a um entendimento e tinham assinado um acordo de cessar-fogo permanente e que estavam agora a tratar da forma de como se havia de acordar uma paz duradora. A primeira coisa que pensei é que é demasiado auspicioso falar de tensões no mundo com uma notícia destas logo de manhã ao acordar.

 

Quando pensamos na Ucrânia e quando pensamos no porquê disto na Ucrânia, e não vou recuar muito, mas tenho pelo menos que recuar até 1991 quando o parlamento ucraniano decidiu declarar independência da União Soviética. Foi há muito tempo e não se lembram, mas foi em Agosto de 1991. Eu lembro-me de nesse ano e nos anos anteriores, das edições especiais de alguns jornais e lembro-me de uma do Público que tinha uma frase muito emblemática que dizia que quando a História avançou mais depressa do que os sonhos, porque de facto eu bem sei que é muito fácil fazer a história do que aconteceu, mas naquela altura era imprevisível que o muro de Berlim caíria naquela altura e que o império soviético implodiria da forma como implodiu. E a verdade é que a Ucrânia tem estado dividida desde essa altura, entre o este e o oeste. Há quem diga que a Ucrânia assenta numa zona onde há verdadeiramente uma zona de choque de placas tectónicas políticas: por um lado o ocidente e por outro lado aquela grande massa de Estados que têm relações privilegiadas com a Rússia.

 

Um Presidente uruguaio dizia numa altura que a Ucrânia tinha que ser mais neutral do que todas as outras se quisesse existir. Era só isso que lhe era pedido, tinha de ser mais neutral do que todas as outras precisamente por se situar naquela zona de choque tectónico naquela parte do mundo. E é curioso, e deixem-me só dizer isto, que esta divisão se faz sentir até em resultados eleitorais. Nota-se perfeitamente que os presidentes têm perfis de votação distintos nas zonas que são maioritariamente de influência russa, das outras zonas onde a população é maioritariamente ucraniana e que falam ucraniano. Nota-se perfeitamente essa marca étnica, se assim quiserem, nas eleições.

 

O que é que nós poderíamos identificar como um gatilho desta atual crise? Nós podemos, na parte das perguntas e respostas, recuar muito mais, mas dado que tenho um tempo limite para aqui falar sobre este assunto, se eu tivesse de escolher um gatilho escolheria Novembro de 2013 quando o Presidente da Ucrânia optou por reforçar os laços com a Rússia e não por assinar logo um acordo de parceria estratégica com a União Europeia. Os conflitos começaram nessa altura, não se têm memória de terem começado manifestações em Kiev, eu diria que para a História vai ficar o dia 20 de Fevereiro como dos dias mais sangrentos destas manifestações quando em 48h morreram 88 pessoas nos confrontos. E pensem dentro da vossa visão do mundo no que é que significa as pessoas darem a vida por algo; o que significa as pessoas terem corrido o risco que correram, para se virem manifestar para as ruas. É muito importante perceber o que é que faz com que as pessoas ultrapassem o que consideramos o limite da tolerância, quando é que as pessoas estão dispostas a correr riscos por uma causa.

 

Mas se tivesse de apontar, era exatamente aí que apontaria. Lembram-se dos protestos em Kiev alastraram-se um pouco por todo o país, chegaram à Crimeia, logo no fim de Fevereiro homens armados pró-russos tomaram conta de edifícios-chave na capital da Crimeia e dias depois o Parlamento votava uma decisão para se juntar à Rússia e realizou um referendo. Na altura, o referendo que se realizou logo em Abril, dizia-se que 97% dos votantes tinham votado a favor da Crimeia se juntar à Rússia e entretanto surgiram outros documentos que dizem que apenas 50 a 60% tinha apoiado essa transição da Crimeia do território ucraniano para a Rússia.

 

Na altura também, quer os Estados Unidos, quer a União Europeia, condenaram firmemente a anexação da Crimeia e é daqui que surge a primeira ronda de sanções à Rússia visando sobretudo atingir membros do governo e patentes altas da estrutura de Moscovo.

 

Os protestos espalharam-se um pouco por outras regiões de grande influência russa, Donetsk e Lugansk, que ainda por cima são o que podemos chamar o Parque Industrial da Ucrânia. Depois da retirada das trocas ucranianas da Crimeia, ouvia-se falar que havia um grande número de tropas russas a aproximaram-se da fronteira.

 

Os protestos continuam, em abril os protestantes… "os protestantes”, esta não me saiu bem agora.

 

[RISOS]

 

Em Abril os separatistas ocuparam os edifícios do Governo quer em Donetsk quer em Lugansk, quer em Kharkive apesar de em Kharkive se terem retirado imediatamente, as ocupações alastraram-se para outras partes do território.

 

Em 11 de maio há um referendo em Donetsk e Lugansk para declarar também a independência e é nesta altura que vemos também um grande avolumar de tropas russas próximo da fronteira da Ucrânia, o que nos remete sempre para um imaginário de possibilidade de uma invasão. É isso que estamos a temer ou que os analistas têm estado a temer desde essa altura.

 

Não vou dar muitos detalhes, com muitas datas, mas queria falar sem dúvida de mais duas notas que é a eleição do novo Presidente ucraniano Petro Poroshenko, que foi eleito com 55% dos votos, embora em Donetsk as urnas nunca abriram. Logo depois de ter sido eleito Poroshenko anunciou um plano de paz com quinze pontos que ele acreditava que podia não só recuperar as zonas ucranianas que estavam agora nas mãos de grupos separatistas pró-russos, como acreditava que podia pacificar a região.

 

É claro que não posso ignorar o abate em 17 de julho do voo MH17 das linhas aéreas da Malásia que provocou também um grande avolumar de atenção entre o ocidente e a Rússia, sobretudo porque havia grandes acusações de que o avião tinha sido abatido por um míssil SA11 fornecido pelos russos aos movimentos separatistas. Há relatos na altura que dizem que intercetaram comunicações dos separatistas a dizerem que acabaram de abater um avião militar ucraniano e depois perceberam que era um avião civil e disseram que era comandado por um piloto militar ucraniano, mas afinal verificou-se que eram só 298 pessoas, entre as quais 80 crianças que tinham partido de Amsterdão e iam de férias. Isso serviu para avolumar o tom das criticas e para pedir uma resolução ainda mais rápida para o conflito.

 

Entretanto abriu-se uma nova frente de combate enquanto tudo isto se está a desenrolar. A 27 de agosto as forças separatistas, mais uma vez alegadamente apoiadas pelo exército e pelas forças armadas russas, abriram uma nova frente na costa tomando a cidade de Novoazovsk e muito perto do porto estratégico no mar, tomando a cidade de Morion.

 

Entretanto tem havido um volume de acusações para um lado e para o outro. O Presidente russo e o Presidente ucraniano encontraram-se a 26 de agosto numa cimeira que não tinha a haver com a guerra na Ucrânia, era uma cimeira relativa à zona alfandegária que a Rússia está a tentar construir com as ex-repúblicas soviéticas, mas agora a 1 de setembro reuniram-se na Cimeira de Minsk exatamente para discutirem essa questão. Ambos disseram que o grande objetivo era acordarem um cessar-fogo imediato.

 

Hoje acordamos, como dizia há pouco, de facto com esta notícia de que há um acordo a ser negociado e que poderá haver aqui algum sinal de esperança nesta questão. É claro que isto não vem sem uma grande tensão, ontem, anteontem e no dia anterior quando a NATO anunciou que se preparava para criar uma força de resposta rápida de 4 mil homens com grau de prontidão elevadíssimo, em 48 horas, e que podia ser destacado para aquela parte do mundo e a Rússia ter respondido que ainda este mês realizaria exercícios militares nucleares na região. Muitas vezes as posições reforçadas das partes têm uma de duas consequências: ou as leva definitivamente para a negociação ou torna-as inamovíveis. Portanto, o que os próximos dias nos vão mostrar é se esta escalada de tensão se vai traduzir num acordo de cessar fogo efetivo, com um plano de implementação, com monotorização internacional, ou se vamos assistir, mais uma vez, a um endurecimento de posições e acusações mútuas no sentido de dizer que foi aquela parte e não a outra que violou o acordo que agora está a ser gizado.

 

Quando pensarem nisto, peço por favor que pensem também na parte económica e nos laços económicos da Ucrânia, na questão do apoio à Ucrânia. Como sabem a Ucrânia está a enfrentar uma recessão grave, tem problemas de dependência energética, tem problemas de endividamento. O Fundo Monetário Internacional aprovou um resgate de 17 mil milhões de dólares e em conjunto com outros fundos que viram de outros doadores, inclusive da União Europeia o resgate rondará os 50 mil milhões de dólares. É claro que este pacote de ajuda vai depender da Ucrânia realizar ou não uma série de reformas estruturais, entre as quais estará provavelmente o aumento de impostos, o aumento do preço de energia, o corte de vencimento dos funcionário públicos, um cardápio de medidas que Portugal conhece bem e isso está agora em cima da mesa.

 

É claro que se estarão a perguntar se a Ucrânia está a receber ou não apoio do ocidente, é uma questão que nos tem preocupado muito. Os Estados Unidos afirmam que estão a apoiar a Ucrânia com, e cito, "equipamento militar não letal”, ou seja rádios, veículos e material tático individual não letal, tudo o que tenha a ver com coletes, com sistema de GPS, etc. O New York Times disse há dias que os Estados Unidos estão a partilharintelligencecom os militares ucranianos, mas que não inclui dados em tempo real sobre potenciais alvos.

 

A Ucrânia não é membro da NATO, embora tenha encetado um processo da admissão em 2008 e o Presidente Poroshenko já se tenha referido à possibilidade de adotar uma lei que venha revogar o estatuto de Estado neutral da Ucrânia, no sentido de poder acelerar o processo de admissão à NATO, mas isso é uma questão em aberto. E como a Ucrânia não é membro da NATO estão logo excluídos uma série de apoios militares que os Estados membros da NATO lhe poderiam dar de uma forma legal. Há também alguns lados que dizem que os conselheiros militares americanos estão a ajudar a Ucrânia na parte estratégica nas suas grandes ofensivas militares que estiveram lugar nos meses de julho e agosto.

 

Como sabem, a União Europeia, como eu acabei de dizer, desencadeou um pacote vasto de apoios económicos para a Ucrânia para ajudar o regime de Kiev a gerir as dívidas e os desequilíbrios da balança de pagamentos. Há quem se esteja a perguntar neste momento também se isto é uma repetição do que aconteceu na Crimeia. De facto há semelhanças, há muitas semelhanças do que aconteceu na Crimeia e o que está a acontecer em Donetsk e Lugansk, sobretudo porque se declarou a independência depois da realização de referendos. O referendo visava legitimar a posição, mas os referendos não foram reconhecidos nem por Kiev nem por aliados ocidentais.

 

A Rússia, como se lembram, na Crimeia, e podemos falar disto mais adiante, mas a Rússia mantinha uma base muito importante da sua frota no Mar Negro e, portanto, mantem essa base lá desde 1990. Aliás eu entrei para a universidade em 1991 e lembro-me que no primeiro teste de Teoria das Relações Internacionais uma das perguntas era para se analisar a questão da frota russa no Mar Negro, lembrei-me agora do teste do Professor Adriano Moreira. Mas se pensarem, é uma zona mais homogénea em termos de população de "russófonos”, o termo em português não existe, mas vamos usá-lo, e falantes de russo e isso faz com que seja uma zona mais homogénea politica e etnicamente.

 

Portanto, se o que aconteceu na Crimeia, como dizia um jornalista português ontem, vai reproduzir-se a nível nacional? Como aquela conversa que o Durão Barroso revelou que tinha tido com o Presidente Putin em que lhe perguntou se havia soldados russos na Ucrânia, ele teria dito "Eu se quiser demoro duas semanas a ocupar Kiev”. O Kremlin condenou a divulgação desta conversa, mas não desmentiu a veracidade da afirmação. O que nós temos aqui em causa é saber se há de facto um plano desta envergadura, um plano de tomar Kiev pela força militar, e eu não acredito. Acredito sim que qualquer plano terá como protagonistas os próprios ucranianos, mas podemos também falar disso mais adiante.

 

A pergunta que tinha aqui para terminar esta questão é se isto interessa à Europa. Eu diria que interessa à Europa desde logo que é Europa e, portanto, é uma questão que está no coração do continente. É claro e é reconhecido quase unanimemente que este conflito é o maior desafio de segurança da Europa desde a Guerra Fria, que como sabem terminou em 1989. Há muitos anos que a União Europeia vem a desenvolver laços muito estreitos com a Ucrânia e, não obstante esta aproximação ao ocidente, a Rússia tem insistido muito com a Ucrânia para que a Ucrânia se junte a esta área de comércio livre, a esta zona alfandegária que está a tentar construir com as outras ex-repúblicas soviéticas.

 

A NATO e a União Europeia tem acusado a Rússia de pressionar a Ucrânia a juntar-se a este lado, usando até a arma energética. Como sabem a Ucrânia e a Europa têm uma grande dependência energética da Rússia. A nível comercial, deixem-me dizer, são bastante semelhantes ao nível de exportações e de relações comerciais, a relação da Ucrânia com a Rússia e da Rússia com a Ucrânia e com o resto da Europa, mas a verdade é que se nota que há claramente ali um conflito pela preponderância dentro da Ucrânia.

 

Será que nós estamos a viver uma nova Guerra Fria? Isto tem excitado grande parte da comunidade académica. Neste momento há uma profusão de artigos a tentarem comparar o cenário antes de 1991 e o cenário posterior. Eu não sei se se lembram mas o Presidente Ronald Regan logo em 1980 quando pensava na Guerra Fria dizia qualquer coisa do tipo "Isto resume-se a uma coisa muito simples: nós vamos ganhar e eles vão perder”. Uns anos mais tarde, chegou-se à conclusão de que afinal o mundo que tinha estado dividido em dois campos tinha deixado de existir e que a grande potência proeminente e sobrevivente seria os Estados Unidos da América com teorias como "Fim da História: o último Homem”, de que tínhamos chegado ao modelo perfeito de sociedade, seria a democracia multipartidária, os direitos humanos, a economia de mercado e estava aqui o modelo que haveria de governar o mundo todo e de organizar o mundo todo.

 

Portanto, eu diria que o que está em causa não é tanto a luta por um modelo estruturante da sociedade, acho que o que está em causa tem a ver mais com a definição de zonas de interesse. Reparem que, como na física, nós sabemos em Relações Internacionais e em Política Internacional que não há espaços vazios, não existem espaços vazios. Há naturalmente uma grande tendência para se ocupar espaços de influência, para se ocupar zonas de influência. Hoje o cenário é diferente, nós neste momento não temos blocos militares apoiados em ideologias políticas ou económicas, mas temos com certeza uma Rússia que não vê com muitos bons olhos esta grande preponderância ocidental daquilo a que chamou o seu "estrangeiro próximo”. Os países que faziam parte dos Estados satélite, países que orbitavam em torno da União Soviética que continua a olhar para eles como um estrangeiro próximo, são países que são diferentes, por isso são o estrangeiro, mas são-lhe muito próximo.

 

Se acrescerem a isto o facto de a Ucrânia ter grupos populacionais identificados de origem russa, que se identificam com a Rússia, que são inflamados por uma propaganda nacionalista muito forte, com base na língua e com base numa série de pertenças culturais, percebem facilmente que há aqui potencial para que haja uma tensão quase que permanente.

 

Quais é que são as hipóteses que temos de olhar para esta crise e tentar perceber o desfecho? Por um lado, vamos ter de concluir que algum grau de tensão vai existir sempre naquela parte do mundo. Lembro-vos a frase do Presidente uruguaio "A Ucrânia tem de ser mais neutral do que todos os outros para poder existir”, exatamente por estar numa zona de choque de influências.

 

Por outro lado, sabemos que os mecanismos que temos à disposição da resolução destes mecanismos internacionais, sejam a União Europeia e os mecanismos que tem à sua disposição, seja a Organização das Nações Unidas, seja a NATO, todos eles têm grandes reticências em envolver contingentes militares na resolução destes conflitos. As soluções são sempre tentadas primeiro diplomaticamente, daí segue-se para um regime de sanções que vai escalado há medida que o problema se vai agudizando e foi tal e qual o caso da Ucrânia, é quase dos livros seguiram-se todas estas etapas: esforços diplomáticos, condenações mais silenciadas, condenações mais abertas, regimes de sanções onde se começa pelos funcionários ligados ao Estado e escala-se para grupos populacionais mais vastos. E a verdade é que tudo isto está a ser feito de uma forma faseada.

 

A fase militar da intervenção, como sabem, requer uma ação mais musculada com uma legitimidade internacional também distinta e o que nós aqui temos, a possibilidade de haver uma intervenção da Organização das Nações Unidas está, como sabem, totalmente posta de lado porque qualquer intervenção das Nações Unidas é autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual a União Soviética tinha um lugar que foi herdado pela Federação Russa e por isso a Rússia tem direito de veto no Conselho de Segurança. Além de haver outros Estados europeus que são claramente desfavoráveis a uma solução militar, como é evidente. A própria possibilidade da NATO intervir naquela zona do mundo é distante, não só porque muitos dos países da NATO estão empenhados noutras zonas de conflito, estão eles próprios com problemas financeiros no sentido de terem disponibilidade para se empenharem em mais uma operação e, mais uma vez, a questão da legitimidade é importante. A NATO é uma organização cada vez mais de segurança no sentido de ter uma visão alargada, mas a legitimidade é um valor que tem de ser acautelado, bem como a legalidade da missão.

 

É claro que nos sobra aqui a União Europeia e sobra aqui ver se a nova Alta-representante para a Política Externa, o novo Presidente do Conselho e o novo Presidente da Comissão terão o dinamismo e, sobretudo, o tipo de liderança que neste momento é fundamental para se evitar que haja um escalada militar do conflito naquela região. Não só porque a Europa não quer mais uma guerra dentro das suas fronteiras, a Europa tem como valores fundamentais o desenvolvimento dos direitos humanos, a paz democrática, as eleições com mecanismos de alternância política porque são pacíficos e qualquer intervenção militar, para além dos custos de vidas que poderia trazer, vem contrariar o que é o grande "acquis” da União Europeia que nestes anos se afirmou como zona de segurança do mundo. Portanto, uma guerra aqui às portas da Europa viria pôr em causa esse projeto europeu que é a grande cola agregadora que tem permitido que a União Europeia tenha sobrevivido a determinados sobressaltos, a crises e até ao questionamento sobre qual é o valor de uma União com estas características.

Eu poderia falar muito mais sobre este assunto, mas tenho que me calar, tenho de dar tempo para as perguntas e para as respostas, mas queria só deixar-vos duas pistas para pensarem comigo. Até que ponto é que nós estamos dispostos a ir no sentido de defender a paz e a segurança? Quais são as instituições que existem ou que nós tenhamos de criar no sentido de se poder uma ação mais afirmativa? (Quando digo afirmativa não digo necessariamente musculada no sentido da intervenção com forças.). E qual é o valor do institucionalismo no meio disto tudo? Será que as organizações internacionais que nós temos ainda servem para resolver os desafios que nós temos no mundo ou, pelo contrário, é preciso sair desta sala um propósito e um projeto de reforma profunda da forma como olhamos a política internacional e para as organizações internacionais? Porque digo-vos que se não é aqui e com o vosso dinamismo e a fossa irreverência, vai ser difícil arranjar outro sitio tão adequado para discutir estas questões.

 

Muito obrigada pelo tempo em que me ouviram estou à vossa disposição.

 

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Muito obrigado Dra. Mónica Ferro. É de facto um privilégio poder contar consigo, para mim é um privilégio especial porque de facto, além de sermos amigos, somos colegas na Assembleia da República onde posso testemunhar o excelente trabalho que a Dra. Mónica Ferro tem feito.

 

Damos início às nossas perguntas do tempo regular e a primeira pergunta é do Filipe Moreira do Grupo Azul.

 
Filipe Moreira

Boa tarde. Sendo claro que os meios de comunicação ocidentais nos moldam a informação que recebemos de uma forma extrema, aquilo que é a linha de pensamento para o comum português baseado na televisão e nos jornais é e sito "A Rússia é má e está a explorar a Ucrânia”. Da mesma forma, o equivalente para um comum russo é que a União Europeia, e aqui incluímos os Estados Unidos, são maus e vão explorar a Ucrânia se vierem para o lado ocidental.

 

A 16 de Março, como referiu e bem, deste ano foi realizado um referendo nas duas províncias da península da Crimeia, nomeadamente na província que se chama Crimeia e noutra província que se chama Sebastopol, e esse referendo foi constituído por duas perguntas: a primeira foi "É favorável que a República Autónoma da Crimeia se una à Rússia como parte constituinte da Federação Russa?” e a segunda "É favorável a restaurar a Constituição da República da Crimeia de 1992 e a condição da Crimeia como parte da Ucrânia?”. Neste referendo 96,8% da população diz ser favorável à integração russa. É óbvio que este referendo tem a legitimidade que tem, visto que na Ucrânia não é possível haver referendos por lei, mas a minha pergunta é até que ponto temos nós na Europa legitimidade para interferir num país que cultural, tradicional e economicamente vive e viveu sempre numa correlação simbiótica com a Rússia porque 10% a 15% da população se sente descontente com o regime em que vive.

 

Fazendo um paralelo com Portugal, imaginemos todos por momentos que o Partido Comunista em Portugal tem 10% dos votos e se lembra de chegar à Praça da República ou à Praça do Comércio e começar desacatos de forma semelhante à que os separatistas pró-nacionalistas russos fizeram em Kiev. Havia legitimidade para o exército russo entrar em Portugal ou a NATO para resolver a situação?

 
Mónica Ferro

Obrigada. Vou começar pela primeira.

 

Eu quando comecei a tirar Relações Internacionais uma das coisas que nos ensinavam é quando olhamos para as notícias a primeira pergunta que temos de fazer é quem é que quer que eu acredite nisto agora? Quando olhamos para qualquer notícia essa deve ser uma pergunta que nós temos de fazer, quem é que quer que eu acredite nisto? E, portanto, a sua pergunta traduz exatamente isto, quando estou a ler uma notícia há alguém que me quer passar uma mensagem e sabemos muitas vezes que a comunicação é manipulada no sentido de ser organizada para transmitir uma determinada mensagem. E nós, neste conflito em concreto na Ucrânia, verificamos isso porque os meios de comunicação desenharam, conceberam determinadas imagens do líder ucraniano Yanukovich dizendo que era corrupto, que estava ligado a muitos casos de nepotismo, que era pró-russo ao ponto de ser pouco patriota e temos imagens construídas. A única defesa que nós portugueses e que quaisquer cidadãos temos destas tentativas de manipulação é garantir a liberdade dos meios de comunicação social e garantir que há a possibilidade de aceder a mais do que uma informação.

 

Não vou andar muito para trás, mas esta é uma questão que teve uma acuidade muito grande até nos anos 70 e 80, quando havia no mundo três ou quatro centrais noticiosas que eram três americanas e uma britânica. Aí a informação era muito condicionada a uma determinada visão do mundo e havia muitos países que se queixavam que a maneira como a informação era veiculada era no sentido de nos mostrar só os feitos do ocidente, enquanto que eles, países do terceiro mundo, eram sempre relatados como zonas de grande conflitualidade, zonas de grande desrespeito dos direitos humanos. Esta luta foi vencida garantido que a informação é livre, de que a informação é produzida em vários pontos do mundo e a única coisa que lhe posso dizer em relação a isso é que só a liberdade de circulação de informação, a liberdade de circulação de pessoas que vão e vêm e relatam a verdade é que é possível.

 

Entretanto estão a chegar aqui várias notícias que dizem que afinal o acordo desta manhã não é assim um acordo tão firme como aquele que nos foi feito acreditar porque a Rússia veio dizer que não faz parte de um acordo de cessar fogo porque não é parte do conflito. Depois da reação de Moscovo a Ucrânia veio dizer que afinal as declarações não eram assim tão entusiásticas e que é preciso ver o que vai acontecer. A beleza das Relações Internacionais é esta, é que nunca há rede. O que é verdade há umas horas é desmentido rapidamente por outros factos que vêm de outra parte do mundo.

 

Em relação ao referendo, eu sou de Relações Internacionais, mas tenho uma costela profundamente legalista. Se não tivesse feito Relações Internacionais tinha feito Direito. E quando olho para a realização destes referendo, a primeira coisa que me ocorre é que são ilegais porque não são referendos convocados da forma como os referendos têm de ser convocados, de acordo com as regras de direito vigentes nos países.

 

Há uns anos atrás, um professor dizia-me que o problema destes referendos é que nós todos aprendemos que a autodeterminação era um direito dos povos e que a autodeterminação era o direito de cada povo escolher como é que quer viver. O Diabo está é nos detalhes, quem é que define o que é um povo que tem o direito de exercer o seu direito à autodeterminação? E é exatamente o que aqui está em causa, de saber se aquela população naquelas regiões tinha um legitimo direito de autodeterminação e se esta era uma forma não legitima de exercer esse direito. Estas regras de como se convocam referendos, quais são os limites constitucionais a estas realidades são o que muitas vezes impede a desagregação de estados multiculturais, são a cola que agrega. É claro que se houver um movimento grande suficiente que mostre que há um grande mal-estar, e aí volto à primeira parte da sua pergunta, com a imagem que foi construída junto das populações falantes de russo, do que era a liderança em Kiev. E mesmo cá em Portugal, eu apontei assim nesta direção, mas nós tivemos debates acaloradíssimos no Parlamento à conta desta matéria.

 

É importante cumprir as regras para que os Estados possam funcionar em democracia.

 
Hugo Soares
Frederico Barreiros Mota, Grupo Castanho.
 
Frederico Barreiros Mota

Queria começar por agradecer as palavras da Professora, é um prazer voltar a vê-la desse lado comigo aqui.

 

Quando começou a conversa com a notícia da Rússia fez-me lembrar aquela célebre notícia de 7 de Agosto de 1928 sobre o Pacto Briand-Kellogg que renunciava à guerra. Já se veio dizer que esta notícia é tão válida como a de então, a guerra não acabou e pelos vistos ali também não.

 

A minha pergunta é mais focada nas Nações Unidas e sobre uma moda que existiu nos anos 90 e início da década de 2000, mas já lá chego.

 

Os Estados Unidos foram a grande potência mundial após a queda do muro de Berlim. Vivíamos numa cena internacional que era bipolar até então e passou a ser composta ou ocupada praticamente apenas pelo poder dos Estados Unidos. Desde 2004 que vemos uma cena que considera-se uni-multipolar: os Estados Unidos continuam a ser ohegemon, mas há outros países que vão ocupando os espaços que os Estados Unidos vão deixando vazios. E, principalmente desde que Obama chegou ao poder, voltámos a ter um género de uma doutrina Truman, ou seja, os Estados Unidos voltam-se para dentro e apontam para a Ásia e Pacífico, deixam um bocado a Europa, e vão criando vazios de poder que, na minha opinião, é o que está a gerar não só a Rússia a mostrar os dentes, não só na questão da Ucrânia, mas também na Organização para a Cooperação de Xangai, na Ásia central. Mas outras questões, como o aumento do extremismo islâmico, que também está às portas da Europa e não podemos esquecer.

 

Nos anos 90 havia uma política de intervenção. Desde 2004 essa política não existe e como a Professora disse, e julgo que bem, o Ocidente tem parcimónia a agir. Desta vez seguem-se os livros, mas doutras vezes não se seguiam. Eu pergunto onde está a responsabilidade de proteger? Morreu? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Obrigada, Frederico.

 

Se calhar vou começar pela responsabilidade de proteger. É uma norma criada no seio das Nações Unidas, embora o pontapé inicial nem seja das Nações Unidas, e que diz uma coisa muito simples: quando os Estados não podem ou não querem proteger as suas populações de quatro grandes crimes – o crime de genocídio, o crime de limpeza étnica, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade –, quando os Estados não querem ou não podem e podem não poder por estarem a ser desafiados por outros grupos que disputam o poder, a responsabilidade de proteger essas populações deixa de existir e passa para a comunidade internacional. Este passar para a comunidade internacional pode significar uma intervenção internacional desejavelmente liderada pelas Nações Unidas.

 

Isto é profundamente inspirado na reflexão pós-genocídio do Ruanda. O que se está aqui a dizer é que não mais podemos assistir impávidos e serenos a ver um Estado permitir uma limpeza étnica, ver um Estado permitir um genocídio como está a acontecer neste momento na campanha do Estado Islâmico na zona da Síria e do Iraque. A Amnistia Internacional veio denunciar o que se está a passar como uma clara limpeza étnica, os radicais sunitas do Estado Islâmico querem claramente controlar a zona eliminado as minorias cristãs, as minorias yazidis, as minorias curdas e não têm grande pudor em eliminar alguns sunitas moderados também. A responsabilidade de proteger aplica-se em todos estes casos e a questão é sempre quem é que protege a população nestas matérias?

 

Esta reflexão sobre o papel dos Estados Unidos na ordem mundial, eu lembro-me perfeitamente de 1991 e lembro-me de todo o otimismo que reinava na altura. Tínhamos uma única superpotência que não recusava o seu papel de polícia do mundo, mas que depois, uns anos mais tarde, descobriu que tinha uma crise económica interna e que, portanto, tinha de fechar portas e resolver os seus problemas internos. Se repararem, os Estados Unidos têm esses picos de oscilação, faz aquilo a que nós chamamos também em Relações Internacionais o efeito da serra dentada: depois de um grande período de intervenção isolam-se, depois vem outro pico de intervenção. E a verdade é que aquilo que está em questão é que há dois ou três conflitos que parecem ter sido originados por uma espécie de vazio de liderança.

 

O Frederico apontou aqui a possibilidade de este recrudescimento do poder russo ali naquela zona, que considera sua de influência, ser exatamente porque não houve alguém que o tenha ocupado. Eu acho que a União Europeia tentou ser essa força agregadora da Ucrânia, mas é, por exemplo, a explicação que está a ser muito pensada para outro grande conflito que está à porta da Europa e que está dentro da Europa, que se eu tivesse tido tempo gostava de ter falado dele, que é exatamente a questão do Estado Islâmico, da Síria e do Iraque. Por várias razões, de uma que tem sido muito anunciada ontem e hoje pela quantidade de europeus que o Estado Islâmico tem nas suas fileiras e isto leva-me a dizer algo que é muito pouco politicamente correto e que também difícil de defender, que é olhar para estes fenómenos cada vez menos como radicalizações religiosas e cada vez mais como radicalizações ideológicas e políticas.

 

O Estado Islâmico, e eu vou só dizer Estado Islâmico e dispensem-me de dizer "do Iraque e do Levante” ou da "Síria e do Iraque”, anuncia-se cada vez mais como uma força ideológica, como uma força política e cada vez menos como uma força religiosa. Não há outra explicação para que, por exemplo, os doze portugueses que lá estão, dez homens e duas mulheres, são pessoas que nunca tiveram contacto com a comunidade muçulmana em Portugal. Isto está reconhecido nos relatórios também, entraram na Síria e no Iraque provavelmente pela Turquia, nunca regressaram a Portugal, mas estão identificados, pelo menos estes doze.

 

Nós tivemos a primeira execução de um jornalista americano, o que mudou o perfil de atuação do Estado Islâmico porque nós sabemos que de dois ou três anos para cá têm raptado muita gente, mas o rapto tem sido sempre como fonte de financiamento. São sequestros para que as famílias das vítimas paguem o resgate. Não tem sido a prática deles a execução das vítimas, isto sim é uma forma típica de terror destes movimentos. E eu ontem voltei-me a enganar porque apostava com um colega que a segunda execução seria ou de uma mulher ou uma execução cometida por uma mulher. Não foi por acaso que tivemos a execução em direto, feita por um europeu com sotaque europeu, é claramente uma mensagem que é mandada. Se repararem, no Reino Unido subiu o estado de alerta em relação às ameaças terroristas. É uma guerra que está aqui às portas da Europa, é um conflito que está às portas da Europa. Muitos analistas foram alertando para o facto de o Estado do Iraque poder estar a desintegrar-se. A Síria está a desintegrar-se há mais de dois anos.

 

Eu lembro-me de uma frase, e com esta termino, de um Presidente americano, o Presidente Johnson, que dizia, tolerando determinadas atrocidades, "They are bastards but they are our bastards”. Toda a gente percebe o alcance, são uns títeres, mas são os nossos. Durante muitos anos o ocidente fechou os olhos a determinas atrocidades que se cometiam naquela região porque eram laicos, porque eram seculares e porque eram mais próximos do ocidente do que os outros. E, portanto, não há espaços vazios e a verdade é que o Estado Islâmico teve dois anos para crescer e para nos apanhar a todos de surpresa com a sua capacidade de consolidação e de sistematização e de autonomia financeira. Obrigada.

 
Hugo Soares
Obrigado, Mónica. Alexandre Filipe dos Santos, Grupo Encarnado.
 
Alexandre Filipe dos Santos
Boa tarde. A pergunta que vou fazer sobre a situação na Ucrânia é se não serão as sanções uma medida sem peso, ou seja, que se num país tão poderoso, tão fortemente poderoso a nível económico como a Ucrânia, se as sanções são realmente vividas ou se não estará o ocidente a sofrer mais com isto devido à dependência das exportações russas? Muito Obrigado.
 
Mónica Ferro

Muito boa questão, Alexandre, até porque a própria União Europeia, depois de ter decretado sanções à Rússia e dos Estados Unidos terem decretado sanções, a Rússia respondeu com um pacote de sanções também declarando um embargo total à carne, ao peixe, às frutas, aos produtos hortícolas, ao leite e lacticínios europeus. A União Europeia teve de criar um fundo de apoio que está à disposição dos produtores europeus que estão a ser fortemente atingidos pelo embargo total a estes produtos produzidos na Europa.

 

As sanções são muitas vezes acusadas até de serem um pouco cegas e as Nações Unidas têm apelado cada vez mais a que haja sanções dirigidas, sanções inteligentes. O que se tentou fazer foi isso, foi primeiro começar pelos responsáveis governamentais, depois atingir também o pessoal dos serviços de informações, começar a fazer embargo e a interdição de viagem a pessoas ligadas às tecnologias de defesa, às industrias de defesa. Mas verdade é que as sanções têm sempre um custo quer para quem as sofre, e num país com poucos recursos a população mais pobre é sempre a mais afetada porque tem mais disponibilidade financeira arranja sempre maneira de contornar essas dificuldades, mas tem também um peso para quem as decreta e para a União Europeia o decretar sanções à Rússia tem um peso grande, mas que dá uma mensagem da dimensão do empenho da União Europeia na resolução desta crise. Eu acho que é assim que nós europeus temos de ler estas sanções, é uma demonstração de força da União Europeia que diz que está disposta a ir até tão longe na tentativa de resolver esse conflito, mas é uma pergunta muito interessante.

 
Hugo Soares
Grupo Roxo, Pedro Carvalho Esteves.
 
Pedro Carvalho Esteves

Boa tarde senhora Dra., muito obrigado pela sua conferência, sobre questão de defesa e segurança abriu-me alguns horizontes que irei tentar explorar para futuro.

 

A questão resume-se a três tópicos e a uma questão muito simples. A tensão religiosa, dependência energética e pressão dos mercados financeiros, qual o futuro para a paz?

 
Mónica Ferro

É a pergunta do milhão de dólares, não é? Eu sou uma otimista por natureza, às vezes digo que sou uma otimista informada e as pessoas perguntam-me sempre se isto não é pessimismo. Mas não, eu sou daquele tipo de pessoas que olha para o copo com água e acho que está meio cheio e não meio vazio.

 

Eu acho que temos de facto os instrumentos que são precisos para se ter paz no mundo. O que é que me ocorre sempre dizer quando olho para estas matérias? Eu também gosto muito de ver estas matérias do ponto de vista da segurança e da defesa e nós temos os mecanismos institucionais todos que precisamos para garantir a paz e a segurança, não só na Europa, mas a nível internacional, quer naquelas áreas que são áreas de interesse especial da União Europeia, quer noutras áreas com as quais a União Europeia tem laços não tradicionais.

 

O que tem faltado nos últimos tempos é uma destas coisas: vontade política, tem faltado liderança com capacidade de ver mais adiante e de perceber o que se passa no Médio Oriente, o que se passa no Norte de África e noutras partes do mundo que afeta diretamente a nossa segurança (temos de ver a segurança como círculos concêntricos, o que se passa em cada círculo vai afetando os outros círculos até chegar a nós) e têm faltado também recursos financeiros. A verdade é que se olharmos para o enorme dispositivo institucional que a União Europeia tem, que as Nações Unidas têm, as operações de paz, as várias possibilidades de empenhamento internacional, nós verificamos que há sempre esta condicionante que é saber quem é que paga. Quem é que paga? Quem é que contribui para as operações de paz? Quem é que paga os equipamentos? Quem é que financia osbattlegroups? Esta é uma questão muito importante, se algum dia os tivermos quem é que os paga?

 

Eu diria que o que faz falta para percebermos como é que se garante a paz e a segurança é primeiro perceber quais são as tais raízes profundas do conflito.

 

Vou citar George Bush, isto é um momento quase raro! O George Bush dizia muitas vezes que o que faz um terrorista não é a pobreza, mas com certeza que alguém que sente que não tem nada a perder é mais facilmente radicalizável para uma ação terrorista. Isso ele tinha com muita clareza e isto vem muito naquela narrativa de se dizer que os Estados frágeis (alguns dirão, os Estados falhados) eram verdadeiras incubadoras de terroristas. De facto isto foi desmontado. Se vocês olharem para julho de 2005, para setembro em 2001, para Espanha, vocês vão ver que quem cometeu os atentados terroristas vinha de países europeus e eram de segunda geração, embora eu não gosta desta designação. Eram pessoas que viviam na União Europeia, alguns deles tinham nacionalidades europeias e, portanto, desmontando um bocadinho esse mito a verdade é que quando alguém não tem nada a perder, muito mais facilmente é radicalizável para uma ação violenta.

 

O que nós verificamos é que o diagnóstico está feito, nós temos o diagnóstico, temos os instrumentos. No fim da linha tem faltado não só esta capacidade de visão, é preciso reconhecê-lo, como têm faltado muitas vezes os meios para se poder levar a cabo as ações. Quando digo que temos os mecanismos, conceptualmente nós temo-los todos, depois o que falta é muitas vezes a capacidade final de os implementar. Quando eu olho para o institucionalismo eu penso sempre nesta tríade: NATO, União Europeia e Nações Unidas. Estão lá os mecanismos todos que são precisos, quer entrando pela porta do desenvolvimento, que é o que consolida a segurança no nexo segurança-desenvolvimento, quer entrando pela parte quando é preciso de uma ação musculada, de uma força de interposição, os mecanismos institucionais estão lá todos. Falta liderança, faltam meios, e falta financiamento muitas vezes.

 
Hugo Soares
Muito obrigado, Mónica. Dava agora a palavra à Carolina Ferreira do Grupo Rosa.
 
Carolina Ferreira

Boa tarde. A minha questão é também sobre a Ucrânia e está formulada em duas partes. A primeira parte diz respeito ao embargoe sanções económicas aplicadas à Rússia por parte da União Europeia e Estados Unidos. Que impacto económico é que terão estas medidas, tanto para o bloco económico da Europa como para os Estados Unidos?

 

A segunda parte refere-se a Ban Ki-Moon, o atual Secretário-geral das Nações Unidas, que afirmou recentemente que não há uma solução militar para a crise na Ucrânia. Já a NATO, por seu lado, prepara-se para agilizar a sua presença no leste ucraniano através do plano de ação rápida que referiu. Assim, qual é a sua opinião sobre este desajuste de posições e intenções de agir entre uma organização internacional como a ONU e uma organização regional como a NATO? Obrigada.

 
Mónica Ferro

Eu lembro-me sempre de uma frase que nós aprendíamos nas aulas de estratégia que é aquela "Queres a paz? Prepara a guerra!”. De facto, esta força de reação rápida da NATO, os tais quatro mil elementos… Para além dos quatro mil elementos eu gostei de uma mensagem que se passou com muito cuidado, que é a ideia da prontidão. Uma força com 48 horas para ser destacada para o terreno com quatro mil elementos é uma força grande e muito ágil, mas estas forças muitas vezes têm um papel apenas dissuasor. O saber que vão ser enviadas para o terreno, o chegar ao terreno, acredita-se que possa ser o suficiente para dissuadir uma intervenção ou para dissuadir o escalar de uma intervenção.

 

O Secretário-geral das Nações Unidas, bem como os dirigentes da União Europeia já apontaram no sentido de dizer que a solução não é uma solução militar, não pode ser uma solução militar sobretudo porque não é duradora. Não o é num país com aquele perfil.

 

Eu ontem recebi uma pessoa que vinha do Curdistão e que me esteve exatamente a contar a situação no Curdistão. Uma das perguntas que eu lhe fiz foi sobre a solução "à libanesa”. Como sabem os libaneses têm uma solução constitucionalizada de ter todas as minorias presentes no país representadas no poder. No Iraque também: o presidente é curdo, o primeiro-ministro é xiita, o presidente do parlamento é sunita, eles têm esta lógica também. Nós muitas vezes olhamos para países com grandes pluralidades e olhamos pensando que esta é a solução ideal, soluções onde se garanta constitucionalmente ou através de uma lei reforçada que todas as minorias estão representadas.

 

Naquela zona do mundo não está a resultar, talvez uma solução do tipo federativo, mas em que o Estado central não seja tão aglutinador. Ou uma solução tipo Suíça em que a confederação helvética vai alternando com os vários cantões no poder. O que se está a pensar muitas vezes para a Ucrânia é que o importante é manter um Estado livre e unido, mas que não se pode ignorar que tem no seu seio uma minoria russa muito homogénea que em determinados distritos do país são a maioria da população. Portanto, a solução não pode ser militar, tem de ser uma solução política, mas pode ser uma solução que passe por uma primeira demonstração de força e depois, claro, a solução tem de ser política.

 

O embargo visa dar alguma consistência à posição, também. O que estava a dizer ao vosso colega Alexandre, o embargo à União Europeia custa-nos dinheiro a todos nós nesta sala porque o dinheiro é nosso. Não sei se já se assumem como contribuintes da União Europeia, mas é bom que se assumam porque a União Europeia não tem uma máquina de dinheiro na cave que imprima dinheiro sem um fundo e nós somos todos contribuintes da União Europeia. Isto na prática é a posição que todos nós estamos a assumir dizendo que para nós é tão importante que haja paz nessa região e que a Ucrânia possa continuar a ser livre e independente e um Estado uno, com um modelo interno que organizarem, que nós estamos, cada um de nós, a pôr dinheiro do nosso bolso nesta solução. O fundo de garantia para o produtores é pago por todos nós e é muito importante que se sintam hoje e aqui atores da política externa porque é o que estamos a ser todos.

 

As consequências do embargo são essas, cada um dos contribuintes que aplica o embargo sente essa consequência. Se não for já, será mais a jusante.

 
Hugo Soares
Rodrigo Camacho, Grupo Amarelo.
 
Rodrigo Camacho

Boa tarde. A perceção que tenho é que as sanções económicas aplicadas contra a Federação Russa não estão a afetar nem a demover Putin e o Kremlin. Eu estive aqui a fazer uma pesquisa e não é a primeira vez que a Rússia intervém em assuntos internos da Ucrânia visto já ter cortado duas vezes o fornecimento de gás natural, em 2006 e 2009 e, ainda nesta crise, conseguiu-o de três maneiras diferentes: dissuadindo a ex-presidente Timochenko de assinar o pacto com a União Europeia, dando apoio a Donetsk, Lugansk e à Crimeia; conseguiu intervir em assuntos que são teoricamente do foro interno da Ucrânia; juntando a isso, como nos lembramos, em 2008 invadiu a Geórgia protegendo uma das suas regiões autónomas que é a Ossétia do Sul.

 

Este padrão de comportamentos leva-me a acreditar que existem muitos mais países que podem temer que as suas fronteiras venham a ser alteradas, países que costumavam ser da União Soviética e já não são. Isto juntado ao facto de não existir uma certa resposta por parte do Ocidente não leva a que a Rússia possa fazer o que quer neste momento?

 
Mónica Ferro

Combinaram todos não fazer perguntas fáceis, não foi? Combinaram todos ali à porta que ninguém fazia uma pergunta fácil… Obrigada, Rodrigo.

 

[RISOS]

 

Há sempre um grau de ingerência dentro dos assuntos internos dos Estados que é previsível, sobretudo Estados como a Rússia que são Estados com vocação imperial, no sentido de serem Estados em movimento, que consideram que têm aquele território, mas que têm uma certa aspiração legítima para fazer crescer o território. Um império é exatamente isso, e um Estado em movimento, que têm apetência pela região que o circunda e que num determinado momento pode até decidir avançar nesse sentido.

 

Eu acho que é muito difícil depois do processo de implosão da União Soviética haver a recriação do que era a União Soviética, mas, como diz a máxima do conservadorismo, às vezes há coisas que mudam para que tudo fique na mesma. A verdade é que a atual união aduaneira que a Rússia está a fazer com algumas das suas ex-repúblicas socialistas soviéticas é um primeiro passo para algo que pode resultar num fenómeno de integração muito mais vasto.

 

Mais uma vez, é dos livros, se virmos como foi o processo de integração da União Europeia, começou por ter exatamente uma pauta aduaneira comum, começa por ter um mercado interno. Vamos andando passo a passo da teoria da integração.

 

Naquela região a Rússia nunca escondeu que sempre sentiu aqueles países que tinham sido parte da União Soviética como, e eu usei a expressão, o seu "estrangeiro próximo”, são estrangeiro, mas são muito próximos de mais. Não têm escondido também que sentem a aproximação da NATO ao leste como uma ofensa, como uma estratégia, como uma ameaça, aquela estratégia de contenção sem ter uma ofensiva. Repare que ainda há pouco tempo o Presidente Obama disse numa visita a Bruxelas que aviões da NATO sobrevoam o Báltico, que reforçámos a nossa presença na Polónia. Isso foi percebido por algumas elite em Moscovo como uma ameaça, como dizendo "nós estamos ao pé da vossa porta”. É natural que a Rússia contraponha com alguma tentativa de influência ou de tentativa de manutenção da influência.

 

Aquilo que há pouco dizia de não haver espaços vazios é cada vez menos no sentido de podermos ocupar o espaço, que é finito e está ocupado e toda a terra é conhecida e ocupada, mas nesta parte do espaço político é muito importante.

 

Vamos supor que o Rodrigo é como eu um grande amante do institucionalismo, acredita que a paz é possível através de instituições (este é o meu mantra profundo e quando faço meditação é no que penso) e se as instituições funcionam com votos, cada Estado precisa de ter o maior número de votos do seu lado para que a sua posição seja a posição que vence. Mesmo num ambiente institucionalista de paz, os Estados continuam a ter essas relações de clientela e de poder. Eu diria que quando olhar para aquela zona do mundo espero sempre uma grande tentativa de influência e muitas vezes de ingerência nos assuntos internos daqueles que eram os países do império soviético.

 
Hugo Soares

Obrigado, Dra. Mónica.

Ana Carolina Sousa, Grupo Cinzento.

 
Ana Carolina Sousa

Muito boa tarde. Queria antes de mais dizer que fiquei muito contente quando soube que este tinha sido o tema escolhido para substituir um que infelizmente também tanto prometia porque também eu sou estudante de Relações Internacionais.

 

Várias teorias das relações internacionais advogam que deve existir o equilíbrio do sistema internacional. Tendo em conta o advento da Guerra Fria, em que o mundo estava rigidamente dividido entre dois blocos antagónicos, mas que no fundo personificavam este equilíbrio, considera que durante a mesma existia uma ordem internacional, isto é, cada Estado sabia onde se posicionar, o que defender e como agir? E que hoje em dia, por inverso, vivemos numa desordem do sistema podendo esta ser a causa do surgimento de tantos focos de tensão pelo mundo? Obrigada.

 
Mónica Ferro

Deixe-me dizer uma coisa, mesmo que não tivesse dito que era Relações Internacionais tinha-a topado logo. É uma característica.

 

[RISOS]

 

Concordo consigo, não gostando de concordar. Eu vou explicar. O mundo da Guerra Fria era um mundo muito mais simples, nós sabíamos quem eram uns e quem eram os outros. Além disso, havia outra coisa muito boa: os bons e os maus, nós eramos os bons, os ocidentais, e os soviéticos eram os maus.

 

Eu sei que é muito antigo, mas conhecem o Sting? Ele tinha uma cantiga que nós conhecemos (o Carlos, com certeza porque somos de uma colheita anterior) e que dizia "I hope the russians love their children too”, chama-se "Russians” a cantiga. É uma cantiga que é um hino à Guerra Fria, quando o Sting diz que a única esperança é esperar que os russos gostem tanto dos filhos como gostamos dos nossos e o ambiente de Guerra Fria era este.

 

Do ponto de vista das relações internacionais era tudo mais fácil porque nós sabíamos que se houvesse um conflito num determinado Estado era o bloco ocidental que resolvia, se fosse no outro Estado era o bloco soviético que o resolvia. Depois havia umas zonas onde não era muito claro, mas havia guerras por procuração, nunca havia um conflito entre o leste e o oeste, mas o leste pagava um movimento, o oeste pagava o outro. Portanto, desse ponto de vista tem toda a razão, o equilíbrio era mais fácil. O Professor Adriano Moreira até lhe chamava o equilíbrio da impotência porque cada um dos blocos sabia que o outro tinha a capacidade de o destruir.

 

Eu lembro-me sempre de uma história que o Professos Adriano me contava de uma cimeira em Helsínquia em que a União Soviética e os Estados Unidos contaram, cada um deles, quantas vezes eram capazes de destruir o mundo. Cada um deles tinha armamento nuclear suficiente para destruir o mundo várias vezes e a pergunta era "Será que eles não percebem que o mundo só se destrói uma vez?”. É absolutamente irrelevante saber quantas vezes se consegue destruir o mundo até porque cada um dos blocos – e desculpem-me se isto parece muito histórico, mas isto é muito daquele momento – tinha a noção que o outro tinha a capacidade de um ataque sem tempo para resposta. Tudo isto reduzia os equilíbrios a uma impotência e daí se chamar a Guerra Fria.

 

Neste momento, se tivéssemos um equilíbrio desses a Ana Carolina diria como eu que era fácil. A União Soviética resolve o problema ali na Ucrânia e o problema não se coloca. Eu digo-lhe que concordo consigo, mas gostava de não concordar porque gostava mais de acreditar que o mundo sem estes constrangimentos é um mundo mais livre.

 

Eu hoje escrevi um artigo sobre a negociação dos objetivos do milénio e já recebi umas mensagens a dizer que eu pareço o Cândido da "Alice no País das Maravilhas” porque termino o artigo a dizer uma coisa que lhe vou dizer agora. Para mim, o direito à felicidade não pode ser uma questão de sorte, não pode o ter a pouca sorte de ter nascido num país em desenvolvimento ou ter muita sorte porque nasceu num país onde lhe é permitido viver com dignidade. Nesse momento de equilíbrio bipolar, a sua vida dependia da sorte que tinha de nascer num ou noutro bloco. Eu acho que o grande desafio é este de não ter estes constrangimentos e podermos todos viver com o direito à felicidade.

 

Onde está o Paulo? Ele é que me apoia nisto para não parecer a única maluquinha do sítio a dizer que o direito à felicidade devia estar constitucionalmente consagrado. O Paulo Pinheiro apoia-me nisto, não é Paulo? Obrigada.

 
Hugo Soares
Maria Goreti da Silva, Grupo Verde.
 
Maria Goreti da Silva
Boa tarde a todos. O grupo verde gostaria de entender como vê o regresso à Europa por parte de cidadãos de origem islâmica que apesar de terem residência na Europa, voltaram ao seu país nativo para participar em conflitos armados. Obrigada.
 
Mónica Ferro

É uma bela questão. Há umas semanas a RTP, passo a publicidade, fez uma peça sobre o português que tinha estado envolvido num atentado no Iraque e ontem um jornal e vários outros deram também notícia dos doze portugueses que estão envolvidos no Estado Islâmico. E nenhum desses doze portugueses voltou ao país.

 

O jornal de ontem também dizia que tinham seiscentos da França, quatrocentos do Reino Unido, duzentos e setenta da Alemanha, duzentos e cinquenta da Bélgica, duzentos e cinquenta da Austrália, cento e vinte da Holanda, cem da Dinamarca, setenta americanos, sessenta austríacos, além de outras nacionalidades de origem muçulmana. Eu diria que se estes nacionais portugueses, por exemplo, tiveram envolvidos na realização de atentados terroristas têm de ser julgados pelos atentados que cometeram. O facto de ter sido cometido fora do nosso território não isenta de acusação, partido do princípio que se consegue provar a ligação.

 

Compreendo que o que aqui a Maria Goreti estava a tentar também desafiar é se os podemos acusar só pelo facto de sabermos que eles tinham estado num movimento jihadista? Poderemos detê-los ou impedi-los de entrar no país só por terem estado nas listas? Sabem que uma das coisas que permitiu algum conhecimento sobre estes movimentos foi o facto de numa das contraofensivas se ter conseguido apanhar cento e sessentapen drivescom muita informação lá dentro e descobriu-se que o Estado Islâmico afinal está muitíssimo bem organizado.

 

Mas se cometeram algum tipo de crime, tem de lhes ser aplicada a pena mais dura. O problema é que só há suspeitas, essa é que é a grande questão.

 
Hugo Soares

Obrigado Mónica. Dizia agora a Dra. Mónica que se cá estivesse o Doutor Miguel Macedo, seria uma boa pergunta para o Ministro da Administração Interna e para a Ministra da Justiça.

 

João Francisco Gonçalves

 
João Francisco Gonçalves

Antes de mais, boa tarde a todos. A minha questão é relacionada com a base do Estado Islâmico.

 

Nas últimas semanas vários órgãos de comunicação social internacionais têm avançado com a possibilidade do Ocidente apoiar Bashar al-Assad para conter o avanço do Estado islâmico e a minha pergunta é: Num cenário de tantos contrassensos, de um lado os terroristas, do outro um genocida, não será um contrassenso apoiar um deles? Até que ponto é moralmente aceitável apoiar Bashar al-Assad, mesmo que seja para conter o Estado Islâmico? Será o Estado Islâmico assim tão perigoso que justifique um apoio ao Governo sírio? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Essa é muito difícil, essa é mesmo muito difícil. Nós sabemos que em política internacional muitas vezes as decisões são tomadas tendo única e exclusivamente como preocupação o fim.

 

Em relação ao Estado Islâmico, como que já vi que está interessado, deve ter apanhado grande parte da história, começou por ser um grupo de jihadistas afegãos que se juntaram naquela região do mundo e acabaram por fazer uma espécie de sucursal da Al-Qaeda lá do sítio e depois acabaram por cortar os laços com a Al-Qaeda central. Ainda há pouco tempo surgiram relatos em que o próprio Bin Laden terá dito que o Estado Islâmico era demasiado radical para colaborar com a Al-Qaeda.

 

A narrativa do Estado Islâmico não é essa, é dizer que enquanto a Al-Qaeda se focava em alvos longínquos, Estados Unidos, Israel, eles focam-se em alvos mais próximos, em construir o califado ali na região.

 

A questão que aqui se levanta é que nós de facto precisamos de parceiros naquela região. Eu acho que é preocupante a facilidade, e também desmonta alguma narrativa de que o Estado Islâmico será um grupo ideológico desorganizado, pelo contrário. O avanço que eles têm tido e a rapidez com que têm avançado na região e controlado poços de petróleo, centros de produção agrícola. Eles estão a exportar petróleo, é uma das fontes de financiamento do Estado Islâmico, o petróleo que exportam ilegalmente. A Turquia veio dizer que tinha aumentado em 300% o tráfico ilegal de petróleo pela fronteira turca. É exatamente um sinal de que há economia paralela ali a funcionar.

 

Outra das coisas que ainda ontem me reforçaram é que este grupo, à medida que vai avançado e que vai conquistando território e cidades, fica com as reservas e com os recursos desse território. Se houver dinheiro no banco, o dinheiro é deles.

 

Portanto, nós precisamos rapidamente de aliados, mas para começar precisamos de uma estratégia global. Esta foi uma das coisas em que não me enganei muito quando há duas semanas disse num programa que acreditava que rapidamente se estaria a convocar uma grande conferência para uma estratégia global para conter o Estado Islâmico, era inevitável e os norte americanos vieram dizê-lo. Mas nós precisamos de aliados na região.

 

O Estado Islâmico, para já, tem uma grande fragilidade, não tem força aérea. Disseram-me ontem que terão provavelmente alguns helicópteros, que terão conseguido capturar alguns helicópteros, mas não têm força aérea e esse foi um motivo pelo qual a intervenção americana veio desequilibrar a progressão que estavam a fazer, o facto de haver bombardeamentos norte americanos.

 

Esta procura de aliados muitas vezes leva-nos a escolher aliados que não seriam de todo recomendáveis noutras situações, mas que se considera instrumentais para um determinado fim. Até porque, como bem sabe, o Estado Islâmico também está a crescer na Síria e como eu lhe dizia, a ter como alvo determinadas populações sírias também. Portanto, se houver o recurso a lideranças de Bashar al-Assad que terá de ser instrumental, que terá de ser comstrings attached, terá de ser com uma série de condições. Aliás, eu acho que já devíamos ter feito uma intervenção na Síria há muito tempo, não só a destruição das armas químicas, que já foi anunciado que já foram destruídas, pelo menos as que foram mapeadas e identificadas.

 

Mas eu acho que não se pode continuar a fazer de conta que o que não está aqui a acontecer. É aquela coisa "They are bastards but they're our bastards”, é que já não são os nossosbastards, não são os nossos aliados porque cometeram um tal grau de atrocidades sobre os seus próprios cidadãos que deixou de ser admissível mantermos um nível de engajamento, de relacionamento com eles. Se houver escolha de nos envolvermos com a liderança síria, terá de ser com condições muito duras. Eu poria como condição a mudança de líder, mas isso sou só eu.

 
Hugo Soares
Lara Rocha, Grupo Laranja.
 
Lara Rocha
Olá, muito boa tarde a todos. Eu vou fugir um pouco à onda de questões que foi agora colocada porque penso que é um tema que, pelo menos a nós mulheres, nos diz respeito se nos colocarmos no lugar das mulheres e das mães principalmente desses países. E a pergunta vai no sentido de num cenário de guerra, o que é que uma mãe pode fazer para evitar que um filho se torne um guerrilheiro, até que ponto a mãe tem um papel interventivo no não recrutamento do filho. Portanto, é tudo. Muito Obrigada, Dra. Mónica.
 
Mónica Ferro

A Lara faz uma pergunta destas a uma das maiores feministas que ela vai encontrar pela frente nos próximos anos, sem o saber.

 

Esta é uma pergunta muito importante e eu sei que vos vão falar de extremismos. A pergunta chave aqui na Europa é como deter a radicalização violenta e nem é sequer um tema novo. Eu lembro-me que fiz um seminário sobre esta matéria há dez anos, como deter os fenómenos de radicalismo violento?

 

Eu tive a ver uma coisa que tem que ver com isto que lhe vou dizer: enquanto que, quando aconteceu o 11 de setembro em 2001 se achava na altura que haveria dez ou vinte sites terroristas onde se fazia recrutamento e radicalização, acredita-se que hoje isso esteja na casa das dezenas de milhar. Essa é uma grande fonte de radicalização, mas cada vez mais o que se verifica é que este fenómenos de radicalização violenta são dirigidos a jovens que se sentem desenraizados, a jovens que se sentem sem expectativas: os jovens desempregados são um grande alvo, os jovens que abandonaram a escola, os jovens que não têm redes, sejam elas religiosas ou redes sociais.

 

Aliás, não sei se viram uma das criticas que tem sido feita ao Estado Islâmico, foi precisamente pelo grande mufti da Arábia Saudita que veio dizer que movimentos destes são inimigos do próprio islão porque usam-nos como narrativa, de justificação, mas não são movimentos islâmicos. Para mim, e ainda não me conseguiram convencer do contrário, são fenómenos de radicalização que vão buscar a estes jovens descontentes e que lhes apelam pelo que sentem que possa ser mais frágil.

 

O que é que nós podemos fazer enquanto sociedade, enquanto mães, pais, famílias e amigos? Eu diria que é um sentimento de alerta, de estar atento, de criar cada vez mais oportunidades para os jovens , criar cada vez mais possibilidades que sintam que pertencem a algo. Aqui a mensagem é que é mais facilmente radicalizável quem sente que não tem o seu lugar no mundo.

 

Desculpem a ligeireza com que vou dizer isto, nós sempre tivemos fenómenos que nos permitiram sentir parte de qualquer coisa: a religião, o futebol, o ser de um determinado bairro. Eu estou a dizer isto com uma grande ligeireza, mas para estes jovens é o sentimento de pertença, o seu espaço na vida. Para que é que eles nasceram? Qual é a missão deles neste planeta?

 

Voltamos à questão da pobreza e do desenraizamento, se forem pessoas que sentem que não têm nada a perder, é muito mais fácil conseguir trazê-los para um movimento destes e conseguir convencê-los, por exemplo, a ações como o martírio, em que dão a própria vida num ato violento.

 

Eu diria que a mensagem aqui só pode ser criar condições para que os nossos jovens não se sintam desenraizados, para que se sintam que têm uma expectativa legítima de futuro e enquanto mães e pais e famílias e amigos, a ideia de que estamos de estar alerta e não há muito mais a fazer.

 
Hugo Soares

Obrigado, Dra. Mónica.

 

Passamos agora à fase do tempo extra e das perguntas "Catch The Eye”. Eu pedia que fossem deixando estar o bracito no ar até cansarem para podermos identificarmos os nomes. O Duarte vai tomando nota.

Pode começar o João Ferreira do Grupo Laranja.

 

Já agora deixem-me só dizer que quem já fez perguntas em nome dos Grupos tem mais dificuldades para ser chamado nesta fase docatch the eye, para dar oportunidade aos outros colegas que não tiveram essa oportunidade.

 
João Luis Ferreira

Antes de mais, boa tarde. Gostaria de agradecer à Dra. Mónica por ter aceite o convite da nossa Universidade e de nos poder brindar hoje com a sua aula numa área que cada vez mais se torna importante no mundo em que vivemos, as relações internacionais e a política internacional, que também acaba por ser a minha área.

 

Dra. Mónica, agora passando outra vez para o caso da Ucrânia e também passando um pouco mais para um campo teórico das relações internacionais. Abordando a teoria de Sir John Mackinder sobre o "Earth’s land”, podemos considerar hoje que Putin se baseou nessa teoria? Essa teoria, para quem não sabe, consistia num espaço vital um pouco à moda de Hitler, e controlando esse espaço vital poder-se-ia controlar o mundo. A minha questão é: Putin leu Mackinder? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Esse dava um bom título para umpaper, era um bom desafio.

 

Eu creio que todos os líderes de Estados com vocação imperial acabaram por ler, ou pelo menos de intuir, aquilo que Mackinder sintetizou. Eu acho que nesta questão a explicação volta a ser a Rússia a querer manter o seu espaço de influência, a manter o seu lugar na mesa das negociações, a manter a sua capacidade de gerar consensos e gerar apoios às suas posições. E se quiser, de alguma forma, manter uma certa hegemonia inquestionável na região.

 

Enquanto a Europa se foi afirmando enquanto potência económica ou como potência produtora de segurança internamente e externamente, mas não se aproximou demasiado das fronteiras russas, não foi vista como um competidor ou concorrente, neste momento na Ucrânia é sentida com um concorrente. Não tem que ver com uma visão depreciativa de Putin sobre o que é a Europa, tem que ver com a União Europeia estar a ocupar um espaço que Putin sente que é russo por natureza porque já foi russo e deve continuar a ser russo. E desse ponto de vista vamos pôr Putin a ler outros teóricos da geopolítica para equilibrar um bocadinho as coisas.

 
Hugo Soares
Miguel Mendes, Grupo Castanho.
 
Miguel Mendes
Boa tarde, Dra. Mónica. Sem querer repetir o que já mencionaram, após o embargo russo aos produtos alimentares da União Europeia, países como a Finlândia, a Letónia e a Polónia começam a sentir reduções significativas nas suas exportações. A minha pergunta é a seguinte: Podem este tipo de sanções criar divisões dentro da União Europeia e favorecer o crescimento dos BRIC?
 
Mónica Ferro

Como mercados alternativos? Ainda não há muitos dias, talvez este fim-de-semana (eu tenho dias muito longos e de vez em quando as semanas parecem-me mais tempo), o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros Rui Machete dizia que na reunião que houve para se reforçar as sanções que se estavam a aplicar à Rússia, houve um grande consenso entre os países europeus. Portanto, os países europeus percebem que de facto estas demonstrações, estas tomadas de posição têm que ser consistentes. Se forem tomadas de posição em que no dia a seguir ou até na própria reunião se sabe que a União Europeia esteve partida na tomada de decisão, perde fora negocial. A sanção é tão mais forte quanto mais credível for também.

 

Essa questão que levanta é de facto uma questão que é pertinente, que é o impacto que está a ter ao nível dos produtores da União Europeia. Como e disse ainda há pouco, a União Europeia teve bem noção disso porque anunciou imediatamente um fundo de estabilização dos preços para garantir que os produtores não eram tão penalizados como vão ser naturalmente. Se isto pode abrir possibilidades a que os países exportadores europeus procurem outros mercados onde escoar aquela produção que era tradicionalmente orientada para a Rússia.

 

Os exemplos que deu são mais difíceis porque são países que estão muito próximos territorialmente e, portanto, a exportação de hortícolas, de peixe, de carne, de lacticínios é bastante mais fácil. Mas eu diria que neste momento a União Europeia se ceder perde a credibilidade em qualquer outro pacote de sanções que quiser aplicar. Esse é que é o grande problema.

 
Hugo Soares

Obrigado, Dra. Mónica.

 

José Miguel Ângelo, Grupo Roxo.

 
José Miguel Anjos
Boa tarde a todos. Muito se tem falado na possível entrada da Turquia na União Europeia. Eu gostava de saber a opinião da Dra. Mónica Ferro sobre quais são os prós e contras dessa possível entrada e quais são os desafios que se colocam à União Europeia, nomeadamente em mercado interno e no próprio sistema legislativo.
 
Mónica Ferro

A Turquia não costuma participar naquela coisa tipo "Festival da Eurovisão”? Participa de vez em quando, não participa? E não participa em jogos de futebol? Bem me queria parecer. É que eu percebo muito pouco de uma coisa e de outra.

 

Mas isto para lhe dizer que tenho defendido várias vezes em público… Aliás, aqui na Universidade de Verão já uma vez as perguntas foram sobre esta matéria. Eu defendo a admissão da Turquia à União Europeia.

 

Não deixa de ser curioso, do ponto de vista da análise, os Ocidentais consideram a Turquia ocidental quando lhes interessa e consideram a Turquia oriental quando não lhes interessa. Eu estou-me a referir à NATO concretamente que tem uma posição muito forte na Turquia, que tem bases NATO. Nesse ponto de vista, foi sempre considerada Ocidental, mas no que toca à admissão à União Europeia, que é um gigante, um bloco económico ao qual a Turquia se quer juntar, são levantados grandes problemas.

 

Eu dir-lhe-ia que a grande vantagem da admissão da Turquia, além da riqueza da diversidade que vai trazer para a União Europeia, é o vastíssimo mercado que se abre para os produtos europeus, é inegável. É um mercado não só para produtos como para a circulação de pessoas. É muito interessante, mas mais uma vez a grande reserva é a garantia da laicidade do Estado, a garantia dos direitos humanos, as reservas constitucionais que nós temos na União Europeia em relação à aplicação da justiça, em relação à separação de poderes que têm de ser garantidas também na Turquia sob pena de termos Estados-Membros que não se regem pelo mesmo conjunto de valores fundadores. Se a Turquia der garantias de que está alinhada com os valores fundadores da União Europeia… E reparem que dentro do espaço da União Europeia temos diversidades múltiplas, isto não obriga ao unanimismo, não obriga àquela frase "One size fits all”, em que um único modelo tem de servir a todos.

 

Mas eu sou uma grande apoiante da admissão da Turquia na União Europeia.

 
Hugo Soares
Ana Margarida Macieira, Grupo Encarnado.
 
Ana Margarida Macieira

Boa tarde a todos, especialmente à nossa convidada Mónica Ferro.

 

Eu vou diretamente à pergunta que é: Até que ponto a situação na Crimeia evidencia os limites do Direito Internacional?

 
Mónica Ferro

Há uma frase que eu não me lembro quem é o autor, mas é capaz de haver aqui gente que sabe que diz "Manda quem pode, obedece quem deve”. Deve ser do Duarte Marques…

 

[RISOS]

 

O que é que lhe estou a dizer brincando? O Direito Internacional tem sempre uma grande limitação que é o facto de ser um direito obrigatório, é um direito que gere obrigações concretas, mas é um direito que carece muitas vezes de mecanismos de sanção. Aquela ideia de que se nós estivéssemos à mesa do café diríamos "Não tem uma polícia que o aplique”. Tem tribunais que o fazem, que o aplicam, mas a sua jurisdição é voluntária, é de adesão voluntária. Tem o Tribunal Penal Internacional que só obriga os Estados que se sujeitam a ele, que só cobre crime cometidos em território de Estados ou por nacionais de Estados que reconheçam a jurisdição do Tribunal. Portanto, o Direito Internacional é um direito ao qual lhe falta este caráter coercivo, um caráter coercivo forte.

 

Quando dou "Nações Unidas” e falo da criação dos tribunais internacionais, um dos alertas que faço sempre é que havia estadistas, quando negociaram a criação da Sociedade das Nações, das Nações Unidas, que diziam que nem era preciso haver tribunais internacionais. Diziam que o tribunal da opinião pública seria mais do que suficiente para obrigar os Estados a cumprir as normas. Ora, nós já verificamos que nem com tribunais se consegue, mas também não se conseguiram tribunais de jurisdição obrigatória. Seria muito mais difícil ter tribunais com uma jurisdição universal e automática.

 

Portanto, o que aconteceu na Crimeia lançou um alerta para muitos Estados dentro da União Europeia com movimentos autonómicos, com um separatismo mais ou menos vigoroso. Estou apensar em Espanha, por exemplo, estou a pensar na Grécia, estou a pensar em Itália, que têm movimentos autonómicos. Muitas vezes estes exemplos lançam alertas vermelhos pela possibilidade de se abrir um precedentes.

 

Na Crimeia tem a mistura de dois precedentes que nós não queremos com uma parcela do território realizar um referendo que ao que parece os dados não foram tão simples quanto isto. Foi aquilo que vos disse à pouco, na altura disse que foi 97%, depois vieram outros dados que disseram que não podia ser 97% porque houve 10 mesas de voto que nunca abriram e na melhor das hipóteses teria sido 50% ou 60%. E depois tem outro precedente muito grave que é o de imediatamente um Estado vizinho, que ainda por cima é o Estado da maioria da população daquela região, o ter chamado a si. Isto para alguns países que têm realmente movimentos desse tipo, dentro da União Europeia, mas também fora da União Europeia, fez soar os sinais de alerta todos.

 

É de esperar que haja sistemas de vigilância mais firmes, mas de todo o modo, o precedente foi ali lançado e está a gerar alguma inquietação junto de alguns países.

 
Hugo Soares

Obrigado.

 

João Camarneiro, Grupo Amarelo

 
João Camarneiro

Ora muito boa tarde.

 

Se não estou em erro, olhando para a História da União Europeia, este será um dos maiores períodos de paz que vivemos. Demos, todos nós, essa paz como adquirida com alguma facilidade.

 

Com a crise económica apareceram alguns movimentos anti-Europa, nomeadamente na Grécia, na França, Holanda e até mesmo em Inglaterra. Será possível assistir a um recuo ou esmorecer desses por razão do receito deste conflito e até de um eminente risco de uma Grande Guerra cem anos depois da primeira, tal como um avanço da plutocracia russa?

 

No fundo, o que pergunto é se podemos olhar com otimismo para este conflito e ver se o copo está realmente meio cheio ou se ficará mais vazio ainda.

 
Mónica Ferro

Eu acredito que uma Grande Guerra na Europa não teremos tão cedo.

 

Mas apetecia-me começar por algo que o João disse no início e que acho que é uma reflexão que nós, individualmente e coletivamente, devíamos ter. Eu dizia isto ao almoço ao Duarte Marques que é qual é o nosso limite de tolerância? Como é que reagiriam as populações europeias se fosse necessário mandar os nossos filhos e as nossas filhas morrer numa guerra em nome de valores? Qual é o limite de tolerância dos povos europeus?

 

De facto, o conforto deste tempo de paz, o conforto de viver nesta zona de segurança fez com que as ameaças e os riscos ficassem muito longe. Eu bem sei que aqui todos nós conhecemos pessoas que serviram numa missão de paz, todos nós conhecemos histórias de pessoas que combateram num ou noutro conflito, mas nos últimos anos os empenhamentos de forças nacionais têm sido exclusivamente ou quase exclusivamente em missões de paz que não têm implicado combates. Como bem sabem, as vítimas que nós temos tido são vítimas verdadeiramente acidentais.

 

Aqui a questão coloca-se. Houve agora uma espécie de tremor em alguns Estados, devem ter acompanhado também, houve capacetes azuis, soldados que estavam em missão das Nações Unidas, que foram tomados reféns mais uma vez na zona do Médio Oriente. Foi muito engraçado acompanhar, por exemplo, a imprensa filipina, porque muitos deles eram filipinos e havia um grande contingente das Fiji, e houve verdadeiramente um tremor dentro daquela sociedade. Não é expectável que quando se enviam capacetes azuis para missões de supervisão ou de monitorização que se envolvam em conflitos, que se envolvam em combates.

 

Essa era uma das perguntas que podíamos começar por fazer a nós mesmos, qual é o nosso limite de tolerância? Eu dizia isto a propósito de uma das mensagens de Mandela, quais são as causas pelas quais nós, decisor políticos, cidadãos, estaríamos dispostos a dar a nossa vida? Porque no fim da linha é a isso que se resume, quais são as causas que para nós valem mais do que qualquer outra coisa?

 

Dito isto, se houver uma escalada do conflito na região não me parece que se vá alastrar para o resto da Europa e para o resto do mundo, como acontece nas outras das guerras mundiais que foram exatamente, como estava a dizer, foram guerras europeias mundializadas. Mas não me parece que vá acontecer porque o cenário é bastante diferente e até a capacidade e intervenção é bastante diferente, a capacidade de conter um conflito deste tipo é muito maior. Para começar, não acredito que vá acontecer uma escalada ali na região e se houver, que não se alastrará, mas reunimo-nos daqui a uns meses para ver como estão as coisas.

 
Hugo Soares

Desafio aceite.

 

Marisa Rito, Grupo Verde.

 
Marisa Rito

Boa tarde a todos.

 

Fazendo a ligação entre a aula de hoje e a aula de terça-feira do Eng. Carlos Pimenta subordinada ao tema "Energia e Clima: O que não podemos adiar”, e estando à vista de todos que os conflitos atuais estão brutalmente a contribuir para o agravar das mudanças climatéricas, existe alguma ideia em cima da mesa ou o pragmatismo sobrepõe-se ao futuro do planeta? Obrigada.

 
Mónica Ferro

Esta pergunta foi feita com a qualidade de alguém que é de Mação. É assim, não é Duarte?

 

[RISOS]

 

Marisa, é muito interessante. Há um debate grande sobre se as alteração climáticas têm o potencial de gerar mais conflitos e há já um grande consenso em torno disto. Se olhar para alguns conflitos vai ver que eles já são na sua origem provocados pelas consequências das alterações climáticas e dou-lhe um exemplo ou outro. As alterações climáticas, como a subida do nível médio das águas do mar noutras regiões, com o aumento da temperatura média, provocaram uma competição muito maior por fontes de água potável, terra arável, provocaram em algumas regiões o desaparecimento de determinadas espécies sejam elas da fauna, sejam elas da flora. E isto tem em si um potencial para gerar conflitos.

 

Se for a ver, o conflito do Sudão é um conflito que tem de ver com o acesso a recursos naturais, tem que ver com o acesso ao gás, mas é um conflito que tem que ver também com o acesso a terra arável. A diminuição da terra arável disponível tem que ver também com a exaustão dos solos, mas também com as alterações climáticas.

 

Eu muitas vezes uso o argumento de que temos de pensar no quanto vale a biodiversidade, o quanto vale manter as reservas que temos, pelo menos pensar que há aqui um impacto na segurança que é inegável. Há algo que se está a tentar fazer, a União Africana está a trabalhar ativamente no sentido de ter um conceito novo que é o conceito de refugiado ambiental. Nós consideramos refugiado, como sabem, pessoas que são obrigadas a deixar o seu país de origem e que não podem voltar a esse país de origem por razões de perseguição e temem pela sua própria vida. A União Africana está a tentar trabalhar este conceito do ponto de vista ambiental, aquelas pessoas que são forçadas a sair dos países onde viviam, das regiões onde viviam porque as alterações climáticas lhes provocaram a extinção do modo de subsistência: extinguiram-se as reservas piscícolas e eram povos que pescavam e não têm reservas, o aumento do Sahel que está de facto a fazer com que algumas populações que viviam da agricultura não possam viver naqueles territórios.

 

Há claramente um potencial nas alterações climáticas para gerar conflitos. Por outro lado, depreendi pela maneira como colocou a questão, que os conflitos provocam degradação ambiental nas zonas onde ocorrem, essa é outra das facetas do problema. Essa, diria eu, talvez seja mais fácil de se perceber quando se olha para um conflito, mas eu lembro-me há uns anos atrás, quando eu estava nas Nações Unidas num dos projetos que tentei que fosse patrocinado, era exatamente um projeto que ligava as alterações climáticas ao potencial para conflitos. E nessa altura ainda havia quem achasse, eu vou-vos reproduzir a frase porque traduzida não tem piada, eu estou a tentar "vender” um projeto e a pessoa a quem estou a tentar vender o projeto diz-me "Isso das alterações climáticas éwell-educated guesswork”. Ela pelo menos admitia quewell-educated, que era de malta que até pensava, que tinha refletido. Estamos a falar em 2007/2008, ainda havia pessoas que achavam que as alterações climáticas era uma coisa de palpites de uma malta que estudava e sistematizava as coisas, mas erawell-educated guesswork. Acho que agora, em 2014, estamos um bocadinho mais avançados nesta discussão, mas ainda não chegámos lá. Ainda não percebemos a dimensão do problema.

 
Hugo Soares
José Aberto Ferreira, Grupo Rosa.
 
José Alberto Ferreira

Muito boa tarde a todos.

 

Dra. Mónica Ferro, colocando o cenário otimista que uma solução institucional é encontrada para a Ucrânia e que a integridade territorial até é respeitada, mesmo assim não será o futuro deste país seriamente comprometido? Isto na medida em que o país sairá com graves cisões internas, não só leste/oeste, mas também entre gerações com os mais velhos pró-russos e os mais novos pró-ocidente?

 

Não poderá esta situação minar o sucesso da Ucrânia como nação no longo prazo e mesmo a sua eventual adesão à União Europeia? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Sim, sim, sim! Esse é de facto o grande problema, nenhum país que viva o que está a acontecer na Ucrânia, mesmo que a solução, como o José Alberto diz, seja a que todos nós esperamos, que haja uma solução pacífica, que o Estado ucraniano se mantenha uno, independente e livre. A verdade é que se abriram feridas que vão demorar muito tempo a passar. Penso que, por exemplo, nos protestos em Kiev, em que pessoas na mesma cidade estavam literalmente em lados opostos da barricada e isso tem de gerar feridas abertas.

 

Acho que põem muito bem a tónica na questão das gerações também porque de facto as gerações mais velhas são gerações que eram russas.

 

Eu nunca vivi noutro país que não Portugal, vivi em Bruxelas uma temporada, mas Bruxelas é uma espécie de ambiente cosmopolita onde toda a gente se sente bem, diria eu. Mas, imagine o que é o José Alberto viver num país e de um dia para o outro lhe dizem que afinal aquilo é outro país. Tem outro passaporte, tem outra nacionalidade, outro hino, outra bandeira.

 

Eu estou a dramatizar, mas como sabem as repúblicas socialistas soviéticas tinham alguma autonomia, a Ucrânia era membro das Nações Unidas com uma admissão separada da União Soviética que englobava a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia. Já havia identidade nacional, mas é de facto um choque que vai demorar anos a absorver e esta crise não vai ajudar este processo de, e eu vou dizer, pacificação, mas mais do que pacificação é uma espécie de reconciliação nacional. É um instrumento que é muito utilizado depois deste tipo de crises, fazer comissões de verdade e reconciliação para que se possa criar mecanismos inclusivos, etc. Mas é muito interessante essa abordagem.

 
Hugo Soares
Gormicho Duarte, Grupo Amarelo.
 
Gormicho Duarte

Boa tarde.

 

Esta é a minha primeira intervenção aqui na Universidade de Verão e eu queria perguntar à Dra. Mónica Ferro o seguinte: Como referido à pouco o Estado Islâmico tem uma forma de combater diferente da Al Qaeda. Mesmo assim, de que forma o Estado Islâmico pode afetar Portugal, tendo em vista que nós somos uma porta para a Europa? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Afeta-nos, Gormicho. É assim que se diz, "Gormicho”? Pode ser Miguel? Boa.

 

Afeta-nos, já aqui falámos hoje e até mais do que uma vez, dos portugueses que estão nas listas dos combatentes do Estado Islâmico. Eu gosto de pensar que, embora acredite que alguns deles forma alvos de radicalização e isto diminui sempre o livre arbítrio, estão lá por iniciativa própria.

 

A verdade é que a desestabilização naquela região do mundo e em qualquer região do mundo nos afeta direta e indiretamente. Afeta-nos desde logo porque é uma zona do mundo que está instável e que tem sempre uma repercussão evidente e vou lhe dar dois exemplos de caráter completamente diferente. O número de refugiados que está a gerar e de pessoas internamente deslocadas que fogem do conflitos - como sabem se passarem fronteiras são refugiados, se não passarem fronteiras são internamente deslocados – e que são pessoas que vão precisar de apoio internacional. Portanto é uma das áreas onde Portugal provavelmente também se vai ter de envolver com apoio humanitário, até recebendo um ou outro refugiado porque, como sabem, recebemos cá há pouco tempo estudantes da Síria que vieram e que fugiram do país porque não era seguro, temiam pelas suas próprias vidas e recebemo-los em Portugal para que pudessem vir continuar o seu ensino superior. Portanto, desse ponto de vista afeta-nos.

 

Afeta-nos também porque, como sabe, qualquer desestabilização naquela zona do mundo tem um impacto, por exemplo, no preço do petróleo. Isto é evidente, é cru, é duro de ouvir, mas essa é uma preocupação. Os relatos que temos até agora e têm surgido algumas informações até muito interessantes, têm dito que uma das fontes de financiamento do Estado Islâmico, as refinarias que eles controlam, primeiro controlavam só poços, agora diz-se que estarão a contratar pessoas que sabem fazer todo o processo de refinamento e estarão a controlar já refinarias. Estarão a vender o barril de petróleo muito mais barato do que estão os Estados da OPEP a pôr o barril de petróleo no mercado. Isto que até nos pode parecer uma boa notícia, não é uma boa notícia porque, primeiro não compramos petróleo em mercado paralelo e depois porque é uma área tão sensível para a economia e para a estabilidade mundial, basta pensar nas crises petrolíferas e o que elas provocaram, que nós queremos que seja uma área que esteja perfeitamente estabilizada e perfeitamente controlada.

 

A outra área que nos afeta tem que ver com a nossa posição no mundo e aquilo que nós definimos como os valores e vetores da nossa política externa. É defender os direitos humanos em todo o lado, defender a liberdade de expressão em todo o lado, defender a paz a democracia em todo o lado. E a verdade é que estemodus operandido Estado Islâmico, a vossa colega Lara perguntava pelas mães dos jovens radicalizados, e eu pergunto-vos se têm noção do que está a acontecer às mulheres nesta zona, que os homens estão a ser executados, fuzilados, alguns deles decapitados e exibidos na praça pública, as mulheres das minorias estão a ser violadas, estão a ser vendidas como escravas sexuais por 150 dólares. Isto afeta-nos a nós imediatamente enquanto membros de uma comunidade internacional que queremos que viva em democracia, em liberdade e em paz.

 
Hugo Soares
Romão Afonso, Grupo Rosa.
 
Romão Afonso

Muito boa tarde a todos.

 

Uma das lições que julgo que as Relações Internacionais retiraram da Primavera Árabe foi o poder das redes sociais, em que nos apercebemos da envolvência que poderia ter. Eu entendo do que se está a viver no Médio Oriente e na Síria também é muito promovido pelas redes sociais, se eles não conseguissem mostrar ao mundo o que fazem lá, não o faziam simplesmente. Muito também da questão de que vemos jovens portugueses, ingleses, holandeses a serem recrutados através das redes sociais.

 

Portanto, a minha pergunta é se podiam haver leis mundiais e restrições nas redes sociais, Facebook, Twiter, etc., para conseguir estagnar essa onda e se isso eticamente é possível.

 
Mónica Ferro

Falou do papel das redes sociais no desencadear das Primaveras Árabes, acompanhou com certeza o que aconteceu no Egipto, da capacidade de mobilização através do Facebook.

 

É muito engraçado, e eu não vou desperdiçar os dois minutos que vou conseguir roubar, no Egipto foi impressionante verificar como o aumento do preço dos alimentos, para mim, está na raiz da crise no Egipto. O que aconteceu, não sei se têm bem a noção, em 2008/2009 o preço dos alimentou picou, o trigo, o arroz, os cereais atingiram um pico e isso foi o suficiente para provocar em países, como o Egipto que tem o pão subsidiado, que o Estado subsidiasse menos pão. Isso provocou verdadeiras revoltas nos países que foram muito facilitadas por essa capacidade brutal de enviar umtwiter, de pôr umpostno Facebook e reunir um grupo de manifestantes.

 

Estas redes sociais servem para ampliar este repúdio, esta revolta contra determinados acontecimentos e aí são muito importantes.

 

No que pergunta, eu acho que esse tema é verdadeiramente dilacerante em termos de reflexão, que é os terroristas e os movimentos terroristas usarem os movimentos de comunicação social para chocar, o valor choque. Aquilo que vos dizia há pouco, o facto de termos vistos televisionada duas execuções, eu sei que em Portugal o vídeo da execução não passou até ao momento em que encostam a faca ao pescoço, eu não vi em lado nenhum. Eu acho bem que não passe, mas a imagem da possibilidade fez-nos soar todos os sinais de alerta e não foi preciso termos visto para ficarmos chocados.

 

A pergunta que aqui é colocada - e têm vários profissionais da comunicação social aqui convosco, podem-lhes fazer as perguntas lá fora - é o que é que vale mais, a nossa liberdade de informação e a liberdade dos meios de comunicação de informar e disseminarem a informação sabendo, em algumas situações, que estão a jogar o jogo dos próprios movimentos que querem que sejam televisionados, que querem que sejam exibidos ou vamos permitir que, por essa razão, nos reduzam o acesso à informação? Eu perante uma dúvida dessas eu confesso que prefiro continuar a ter acesso à informação e ser eu a fazer a minha triagem. Prefiro, mas compreendo que é um risco e sei que os nossos profissionais da comunicação social estão bem alertas para este riscos. Quando decidem cobrir um atentado terrorista, quando decidem passar determinadas imagens eles próprios estão conscientes que o seu dever de informar poderá estar a ser usado com outro objetivo. Percebe o que é que lhe estou a tentar dizer? Este dilema está presente nas nossas cabeças, mas está presente também nas pessoas que têm responsabilidade de decidir as linhas editoriais, de decidir o que é visto e o que não é visto.

 

Nós tivemos este agora, tivemos há uns anos a execução de Sadam Hussein, que também foi bastante questionada porque houve televisões que passaram a parte em que ele fica de facto suspenso na corda. É portanto, uma questão que se coloca. Eu continuo a preferir a minha liberdade de informação, mas compreendo que é realmente com isso que os terroristas jogam.

 
Dep.Carlos Coelho

Eu queria completar aquilo que a Dra. Mónica Ferro acaba de dizer para sublinhar o seguinte. Todos os instrumentos podem ser utilizados para o bem e para o mal. A energia atómica: sem a descoberta da radiação não teríamos o Raio X e a capacidade de descobrimos doenças, mas também descobrimos o poder destrutivo, sobretudo na II Guerra Mundial com Hiroshima e Nagasaki e depois tudo aquilo que se fez.

 

A mesma coisa com as redes sociais. A Professora Mónica Ferro recordou há pouco que as redes sociais foram fatores de libertação dos jovens na Primavera Árabe que contra aquilo que era a censura dos governos, só tiveram as redes sociais para se organizar. Portanto, fugiram ao controle governamental em nome da liberdade e em nome da democracia, graças às redes sociais.

 

É verdade que outros com má intensão podem aproveitar as redes sociais, mas qual é a resposta? A resposta tem de ser aquela que nós temos na nossa vida em sociedade. Isto é, eu tenho o direito de usar a minha liberdade de expressão para dizer aquilo em que acredito, mas se usar a minha liberdade de expressão para cometer um crime, eu sou suscetível de ser chamado a responder em tribunal. É a mesma coisa com as redes sociais.

 

Agora, defender em nome do combate ao terrorismo, por exemplo, que os governos devem ter a capacidade de censurar as redes sociais é reinstalar a censura, é limitar a liberdade. É dizer que nós não somos capazes de fazer a nossa própria triagem, como a Mónica Ferro estava a dizer. Portanto, pesado tudo, aquilo que importa acautelar é a nossa liberdade essencial e temos, no âmbito da justiça, ferramentas eficazes para perseguir judicialmente aqueles que abusam dessa liberdade, mas não é por essa razão que nós vamos estar privados daquilo que são as nossas liberdades essenciais. Isso vai impedir que outros utilizem esses bons instrumentos para lutas que merecem a nossa simpatia, designadamente aqueles que lutam contra ditaduras em nome da liberdade e em nome da democracia.

 
Hugo Soares
Tomás Portas, Grupo Encarnado.
 
Tomás Portas

Boa tarde. A minha pergunta era bastante semelhante a esta, mas como está dividida em três, pode ser que a consiga aproveitar apenas a última parte.

 

Eu falei do mediatismo nas redes sociais, nosmediae, por último, queria perguntas a sua opinião pessoal à cerca dossitesde recrutamento de jovens que falou. De que forma, no curto prazo, é que estessitespodem ter influência nos jovens portugueses que se encontrem desempregados, completamente desesperados e que todos os dias ouvem notícias, de certa forma, traumatizantes e desestabilizadoras e que possam fazer com que eles se juntem a estas organizações?

 
Mónica Ferro

Obrigada, Tomás. Deixe-me só aqui secundar o que o Eurodeputado Carlos Coelho acabou de dizer. É de facto o problema que nós muitas vezes temos de resolver, o dilema que temos de resolver é quais são os limites que nós admitimos à nossa liberdade e aqui a questão é muito essa.

 

Na questão dossites, repare que quando digo que o recrutamento se faz sobretudo em jovens que se sentem desenraizados, aqui a ideia não é fazer de cada jovens que está desempregado, que está sem frequentar qualquer tipo de escolarização como sendo um potencial radicalizável. É algo mais profundo, é algo mais profundo!

 

Mas mais uma vez, não tem maneira de impedir que estessitesexistam e apareçam e estejam acessíveis nos nossos computadores, é o preço da democracia. E como alguém disse, cujo nome mais uma vez não me lembro, peço desculpa, "se acham que o preço da democracia é alto, experimentem o preço de uma ditadura”. Para mim, a resposta à sua questão está em sintonia com a do seu colega, é um dos custos que nós temos de pagar por vivermos neste ambiente democrático de liberdade e de circulação de informação.

 
Hugo Soares

Muito Obrigado.

 

Jéssica Mendes Ferreira, Grupo Azul.

 
Jessica Mendes Ferreira
Boa tarde, Dra. Mónica Ferro. Eu gostaria de perguntar até que ponto os interesses económicos justificam o uso da força em detrimento da solução diplomática? Obrigada.
 
Mónica Ferro

Jéssica, eu gostava de lhe responder que nunca, que a economia nunca é um motivo suficiente para fazer desencadear o uso da força, mas nós temos vários exemplos ao longo da História da humanidade que foi exatamente pelo interesse no acesso a uma determinada matéria prima, do acesso a um determinado ponto estratégico porque permitia controlar rotas comerciais como o canal do Suez, o acesso ao petróleo, acesso aos diamantes, o acesso ao ouro que tem gerado muitos conflitos.

 

E aliás, mais uma das teorias pouco politicamente corretas que eu tenho defendido é que se olharem para omapa-mundie puserem um pontinho em cada sítio onde há recursos naturais e depois lhe puserem por cima um mapa com sítios onde houve conflitos, irão ver que as coincidências são muitas. O que serve cada vez mais para justificar aquela expressão deliberadamente paradoxal da "maldição de recursos”, parece que é uma maldição que os países que mais têm recursos são os países que mais conflitos experimentam, mas serve também para explicar muitos dos conflitos que nós olhamos e não vemos quais são as linhas de fragmentação que geraram conflito.

 

Eu gostava que a resposta fosse um claro e inequívoco "nunca justifica”, mas já tem justificado muitas vezes.

 
Hugo Soares
Tomás Roque da Cunha.
 
Tomás Roque da Cunha

Obrigado pela palavra. Primeiro gostava de agradecer à Dra. Mónica Ferro pela presença nesta conferência e depois gostava de fazer duas perguntas.

 

Não pensa que neste cenário geoestratégico é bastante parecido com o da pré-II Guerra Mundial? Isto é devido, por exemplo, à anexação de regiões fronteiriças, como é o caso da Crimeia e sempre com o suposto objetivo da defesa das populações "russófonas” ou germânicas, mas também à degradação do poder da ONU, na altura Sociedade das Nações. Agora qualquer problema que aconteça à ONU nunca tem uma palavra forte e não é dada nenhuma importância à ONU, como no conflito que está a acontecer no Iraque e na Síria. E, por último, a existência de uma crise económica, porque alguns anos antes da II Guerra Mundial tinha havido a Grande Depressão.

 

Em segundo lugar, gostava de perguntar se o comércio europeu e americano com ditaduras como é a chinesa não ajuda também a engrandecer o gigante, ou seja, se através do comércio a Europa e os Estados Unidos não estão a dar poder militantes, aumentando o poder económico de países ditatoriais? Não acha que os países que são ditaduras deviam ou não pertencer à OMC? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Tomás, nos últimos tempos têm surgidos muitas comparações entre o cenário pré-II Guerra Mundial e este, têm surgido também muitas tentativas de comparar o cenário da Guerra Fria com este que estamos a viver agora, dizendo que estamos na eminência de uma das duas coisa: de um conflito generalizado ou então de uma guerra que fique paralisada no tempo.

 

Eu dir-lhe-ia que não acho que haja condições para que se repita um cenário semelhante ao da II Guerra Mundial. Há alguns paralelismos, há algumas coincidências, mas eu também acho que é muito importante ler a História. Um povo que não conhece a sua História não se consegue preparar para o futuro porque não conhece a sua capacidade de resposta, não conhece a sua capacidade de reação, os seus valores. E, portanto, é sempre muito importante não só para conhecimento, para construção de memória, mas até para preparar o que vem a seguir. Eu acho que embora haja muitas semelhanças, há muitas diferenças e há sobretudo algo que é quase intangível que é os europeus terem percebido o valor da paz, o que significa viver num mundo em paz e eu acho que essa noção, porque nunca deixou de haver conflitos nas outras partes do mundo, é algo que para os europeus se tornou um valor fundamental, o de construir a paz e de construir segurança.

 

A questão das ditaduras é sempre uma questão que está em cima da mesa em vários cenários. Por exemplo, falou na Sociedade das Nações, falou da Organização das Nações Unidas. Tentou-se no desenho de ambas as organizações que só Estados democráticos pudessem fazer parte da organização, não se conseguiu. Alguns invocavam que isso limitaria o número de potenciais membros, outros invocaram que isso limitaria o próprio dinamismo interno dos Estados, mas a verdade é que eu tenho sempre favorecido e a União Europeia têm-no feito também, alguma condicionalidade nas relações comerciais e alguma condicionalidade na ajuda pública ao desenvolvimento. A condicionalidade aqui significa que a relação de cooperação e a relação comercial se mantém desde que a outra parte cumpra padrões mínimos de respeito pelo Estado de Direito, de salvaguarda dos direitos humanos e a União Europeia também. Se a União Europeia prevaricar nestes capítulos, o outro parceiro também pode dizer que não quer continuar a cooperar com a União Europeia porque não cumpre os requisitos aos quais se obrigou.

 

É um debate sempre muito interessante. Os Estados muitas vezes decidem que pontualmente é preferível comercializar do que ostracizar o país acreditando que trazendo os países para os grandes fóruns internacionais, provocam mudanças internas pelos facto de pertencerem a organizações internacionais é deper sium facto que influencia a política interna dos países. Mas eu dir-lhe-ia, e é a minha opinião e é a que eu lhe posso dar, que acho que os países têm todo o direito e todo o interesse em colocar este tipo de enquadramento nas suas relações comerciais. Dizer que comercializo com países que façam estas mudanças, de países que tenham estas regras e este valores até porque é da soma de todas estas peças que se faz opuzzleglobal e, diria eu, que todos desejaríamos que fosse de direitos humanos, de Estado de Direito, democracia, etc.

 
Hugo Soares
Última pergunta, Luís Serras de Sousa do Grupo Encarnado.
 
Luis Serras de Sousa

Antes de mais, muito boa tarde. Obrigado pela excelente palestra e pelo tema em si também.

 

Eu queria trazer aqui um denominador um bocadinho diferente daquilo que a gente tem falado no termo da guerra em si. Falámos de guerra com provisões económicas, políticas, religiosas, mas quero trazer aqui uma ideia de guerra da informação. É um conceito que não é novo e nós podemos começar, também dentro deste tema, em pensarmos na guerra dentro da Europa ou fora dela.

 

Há bem pouco tempo surgiram as primeiras notícias que os Estados Unidos e também um bocadinho antes, com o caso Wikileaks e Julian Assange, por exemplo, temos a célebre questão das escutas entre Estados Unidos da América e Alemanha, entre Estados Unidos da América e a França. Portanto, tudo perto do centro da Europa. A questão aqui é quando nós falamos nas guerras do leste, nas guerras africanas, Portugal continua ali muito sossegadinho no seu canto e nada nos parece afetar.

 

Mas o que é importante e relevante é se este tipo de fenómenos continuarem, e isto foi muito abafado, pouco ou nada se soube sobre isso, qual deve ser a posição da Europa, qual deve ser a posição dos aliados de sempre e qual a nossa reflecção, visto que isto pode ser um tema que pode despoletar outras sinergias – e eu sei que a Dra. disse que as suas previsões normalmente são ao lado -, qual é o nosso pensamento e como é que nós devemos ficar relativamente a estas notícias? Obrigado.

 
Mónica Ferro

Vou tentar não são ser muito ao lado agora.

 

Há uma dimensão da sua questão para a qual eu tenho uma posição refletida e definida e que falou de passagem da Wikileaks. Eu aí acho que é condenável essa fuga de informação, permitiu-nos ficar a saber o que é que os nossos vizinhos diziam de nós, permitiu-nos ficar a saber o comentário do embaixador do país A ou do país B acerca dos governantes portugueses, acerca de deputados. Não me parece interessante e condenei na altura, até porque algumas destas coisas foramfait diverse foram casos caricatos, mas a verdade é que houve informação sensível que pôs em causa pessoas que estavam no terreno. E além disso, confesso que o meu carácter profundamente institucionalista me leva a condenar esse tipo de ações.

 

Outra coisa é, como diz muito bem, esta ideia que se generalizou de que toda a gente escuta toda a gente e que isso está tudo bem. De que Estados Unidos escutavam a Alemanha, de que os Estados Unidos escutavam o Brasil, que escutavam todo o mundo e que era perfeitamente aceitável num mundo como o nosso. E o Luís usa aí duas ou três palavras com a quais eu concordo completamente que é a definição de aliado é a definição para alguém em quem nós confiamos e isso traduz uma quebra na perceção da confiança mútua que, como eu respondi ao seu colega há pouco, vai demorar a sanar. A relação de aliança pressupõe confiança e aqui há de facto uma quebra de confiança.

 

Até lhe vou dizer mais, eu duvido que essas escutas sejam muito produtivas. Porque além de se ficar a saber determinados detalhes sobre um ou outro negócio, sobre uma ou outra conversa, a utilidade marginal, a utilidade de formação de pensamento estratégico… Imagine que me estão a escutar e que me ouvem dizer "O Presidente do Estado A é um idiota”. Isto tem algum interesse para a formação de uma política externa? Isto tem algum interesse para a formação de uma posição? E depois custa-me pensar que ou as escutas foram usadas para coisas tão comezinhas como estas ou forma usadas para coisas absolutamente fundamentais e aí é única e exclusivamente responsabilidade daquele Estado e não temos de estar a ouvir.

 

Eu acho que a sua reflexão e a sua ponderação sobre aquilo que é verdadeiramente importante e aquilo que está muitas vezes aqui em causa em relações de aliados é fundamental. É esta ideia da confiança, esta ideia da confiança que é construída e destruída e que uma vez destruída não se pode voltar atrás, é a questão da palavra dita que nós falávamos antes.

 

A perspetiva que nós temos sobre os conflitos depende, como bem dizia, do grau de informação que nós temos. E muitas vezes o que mais me assusta quando nós temos informação e quando vamos recebendo informação sobre conflitos é como ela é tão desvalorizada. Se reparar e se estiver a ver um noticiário qualquer de televisão, vai reparar que as notícias sobre conflitos e sobre as pessoas que estão a sofrer destes conflitos vêm depois das notícias sobre futebol, sobre futebol, futebol e há de haver mais qualquer coisa que se mete no meio antes de chegar à atualidade internacional. E isso também contribui para o certo grau de alheamento. Se vir, é isto que acontece muitas vezes e há muitas vezes também um concentrar no que é negativo e não no que é positivo. Onde é que está o pecado original? Somos nós que queremos ver o alheamento assim ou é o alinhamento que é feito para nos levar a ser assim? Essa é outra das questões. Muito obrigada pela sua pergunta.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem. Cabe-me em nome de todos agradecer à Dra. Mónica por duas coisas. Primeiro, a bateria de perguntas a que deu resposta, foi até agora a nossa convidada que respondeu a mais perguntas. E, sobretudo, a circunstância de ter aceite este nosso desafio num temporecord, em 48 horas disponibilizou-se para estar aqui connosco e preencher uma lacuna que existia no nosso programa que era um angulo de observação da realidade internacional e destas realidades mais dramáticas de tensão internacional.

 

E dito o muito obrigado em nome de todos, vou acompanhar a nossa convidada à saída evocês vão prosseguir com os vossos trabalhos.

 

[APLAUSOS]