Toda a gente já conhece esta tradição menos o nosso convidado de hoje. O Dr. António Vitorino já nos deu o privilégio da sua presença mas num contexto diferente: deu uma aula e não um jantar-conferência.
Os jantares-conferência da Universidade de Verão são iniciados com um momento cultural que se traduz na escolha pelos grupos de um poema e sua leitura. Temos hoje as escolhas do Grupo Encarnado e Grupo Bege.
O Grupo Encarnado, através doTomás Portas, vai ler uma poesia de Fernando Pessoa, "O dos Castelos”. Este poema alude às partes do corpo da mulher, personificando a Europa.
"A mulher, símbolo da coesão familiar, deverá representar a união enquanto escudo protetor da discórdia. Portugal assume neste poema o rosto e identidade da Europa. Cabe-nos, enquanto cidadãos de tão nobre país, revestido da relevância histórica face àqueles que fizeram os descobrimentos, assumirem um papel ativo e contributivo no contexto europeu atual. Particularmente relevante num momento em que constituímos a Comissão Europeia.”
O Grupo Bege, através doDiogo Pessoa Freire, escolhe um excerto do poema "Lamento para a Língua Portuguesa” de Vasco Graça Moura.
Diz o Grupo Bege que "nos 40 anos de democracia, Portugal perdeu – para além de uma figura importante na política, um grande escritor português: Vasco Graça Moura. Escolhemos este poema porque se assume com um poema de intervenção mas também como ode ao valor da nossa língua e do nosso património. A sua poesia apresenta a marca do multiculturalismo, tendo bem demarcada a sua ironia. Pretendemos com este poema prestar homenagem ao seu autor e reforçar a sua mensagem. Todos devemos intervir para defender os nossos ideais.”
Vamos, portanto, ouvir as escolhas dos grupos Encarnado e Bege.
Pedro Carvalho Esteves
Boa noite.
António Vitorino, político e advogado português, licenciou-se em Direito na Clássica de Lisboa, onde fez Mestrado e onde foi Assistente.
Tem especiais interesses pelo Direito Constitucional, pelo Direito Internacional e pelo Direito da União Europeia.
António Vitorino, de todos os cargos públicos que desempenhou, os que mais se destacaram foram o de Juiz do Tribunal Constitucional, entre 89 e 94, cargo de que abdicou para ingressar como Eurodeputado, no Parlamento Europeu, em 94-95, e onde presidiu à Comissão de Liberdades Cívicas e dos Assuntos Internos.
António Vitorino foi também Comissário Europeu da Justiça e dos Assuntos Internos entre 99 e 2004. Foi, de resto, o único Comissário Europeu, até ao momento, ligado ao PS, tendo sido a escolha de António Guterres. Romano Prodi liderava a Comissão Europeia.
António Vitorino foi para Bruxelas quando tinha 49 anos e foi o terceiro Comissário Europeu português. Precederam-lhe os sociais-democratas Cardoso e Cunha e João de Deus Pinheiro. António Vitorino tem em comum com os seus antecessores o facto de todos terem sido Ministros.
Pelo seu brilhante contributo ao país, por ser um defensor da liberdade e da democracia e por ser também um construtor da União Europeia, um brinde a António Vitorino.
[BRINDE, APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, Pedro, pelo brinde, que assinalou, e bem, um percurso de carreira notável, de um Homem que começou muito cedo e que chegou muito alto, que eu tive a oportunidade de acompanhar em Portugal e na Europa.
Foi um Homem que honrou Portugal na forma brilhante como exerceu as suas funções de Comissário Europeu. É um Homem que tem uma inteligência notável, um sentido de humor invulgar, com quem é um prazer estar de acordo e de quem é muito estimulante discordar.
E é a segunda vez que aceita o nosso convite. Esteve aqui em 2008, deu-nos uma aula memorável sobre a Europa e hoje aceitou o nosso convite para vir a este Jantar-Conferência. Agradeço-lhe muito essa disponibilidade.
Dr. António Vitorino, eu tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta: as últimas eleições europeias marcaram um fenómeno que já vinha sendo identificado por analistas, mas que teve uma expressão eleitoral gritante, que foi a emergência de partidos radicais. Associado a esse fenómeno eleitoral há uma explosão de movimentos que têm um caráter extremista. E se é verdade que na lógica puramente eleitoral para o Parlamento Europeu podemos considerar que o aumento da expressão de alguns partidos radicais pode ser uma consequência da alta abstenção, isto é, da circunstância dos partidos chamados "mais clássicos” não conseguirem mobilizar o seu eleitorado, não é menos verdade que isso não explica todos os fenómenos. E não explica também a circunstância de em muitos países da Europa estarem a aumentar fenómenos de natureza nacionalista com a recusa clara do projeto europeu.
Ora, o nosso convidado hoje (uma coisa que o Pedro não disse, mas que é importante) é também o Presidente da Associação Notre Europe, fundada por Jacques Delors, e agora presidida por um português.
Não há muitas pessoas na Europa, para não dizer no Mundo, por razões evidentes, que associem uma carreira política como aquela do Dr. António Vitorino, e a experiência europeia e o conhecimento que tem, a janela de observação que tem sobre a realidade. E é por isso que lhe pergunto: qual é a sua opinião sobre este fenómeno que estamos a assistir de grande radicalismo na política europeia? É um fenómenoconjuntural? É uma coisa provisória? Ou é algo para durar e para continuar?
Minhas Senhoras e meus Senhores, para responder à minha pergunta, e às vossas perguntas, no segundo jantar da Universidade de Verão de 2014, o Dr. António Vitorino.
[APLAUSOS]
António Vitorino
Muito boa noite.
Em primeiro lugar queria agradecer ao Carlos Coelho o convite, agradecer a generosidade do brinde. É de facto a segunda vez, como o Carlos acabou de recordar, que eu venho aqui, o que apenas prova que ele ainda não perdeu a esperança de ver se eu acabo por aprender, finalmente, alguma coisa.
[RISOS]
Bom, mas o Carlos Coelho gosta de correr riscos calculados. E, por isso, o tema que me propôs foi este, o crescimento do extremismo na Europa. Um tema, em princípio, suficientemente afastado das agruras e desagruras da vida nacional para eu não ter oportunidade [RISOS DO ORADOR] de dizer alguma coisa que pudesse incomodar a assistência. Vamos ver se vai ser assim…
[RISOS]
Ou "comme le meme”, vice-versa. Quando o sol nasce é para todos.
[RISOS]
Para lhes dizer a verdade, a resposta à pergunta que o Carlos acabou de colocar, eu encontrei-a, desde logo, numa série de Conferências que fiz nos Estados Unidos da América antes das eleições para o Parlamento Europeu, onde fiquei surpreendido com o facto de na assistência, composta sobretudo pelos poucos americanos que ainda se interessam pela Europa, haver a convicção de que as forças extremistas estavam à beira de ganhar as eleições para o Parlamento Europeu. Essa era a convicção generalizada.
E, na realidade, eu na altura esforcei-me por demonstrar que não era assim, mas também porque os resultados das eleições europeias vieram demonstrar que, aquilo que se podem considerar os partidos do "mainstream” da política europeia, isto é, os partidos que integram as famílias do Partido Popular Europeu, dos Socialistas e Democratas, dos Liberais e dos Verdes, têm cerca de 2/3 dos assentos no Parlamento Europeu.
E que houve, de facto, uma subida de representação dos partidos dos extremos, quer à Direita, quer à Esquerda, digamos mais até à Direita do que à Esquerda, que atingiram cerca de 30% dos votos.
Mas, verdadeiramente, aquilo que me interrogo hoje, é saber se aquilo a que nós chamamos "extremismo”, está em crescendo? Ou, se a verdadeira ameaça à Democracia Liberal e ao Projeto Europeu, não vem, não apenas desses setores ultra radicalizados que defendem uma política de ódio e que acham que é legítimo recorrer à violência, mas se o risco não vem mais do crescente caudal de populismo, que vai perpassando, não apenas num conjunto de partidos políticos relativamente marginais em relação ao centro, mas que vai também campeando, na posição política de alguns partidos do centro, em certas áreas políticas particularmente sensíveis.
Na realidade, o que nós assistimos nas eleições para o Parlamento Europeu, é apenas o corolário de um movimento que tem, pelo menos, 15 anos na Europa. 15 anos na Europa!
E se olharmos para a composição dos governos nacionais dos Estados Membros da União Europeia, podemos dizer que hoje há menos partidos populistas, ou extremistas, com presença nos governos dos Estados Membros da União Europeia, ou com influência na vida governativa dos Estados Membros da União Europeia, do que havia há 15 anos atrás.
Tudo começou na Áustria, com a chegada do partido do Sr. Haider a uma coligação, mas também tivemos a Liga do Norte Italiana, num governo de coligação liderado pelo Berlusconi. Houve mais de duas legislaturas onde o governo Dinamarquês era condicionado pelo Partido do Povo Dinamarquês. Os partidos radicais anti-islâmicos da Holanda, primeiro do Pim Fortuyn e depois o do Geert Wilders, estiveram em coligações de governo na Holanda e hoje não estão.
Portanto, do ponto de vista da composição dos governos, eu devo dizer que hoje há muito menos partidos radicais com influência governativa do que havia há 10 ou há 15 anos atrás.
Há uma exceção, de facto. Há uma exceção que é um partido "mainstream”, que em meu entender fez uma deriva populista absoluta e perigosa e preocupante do ponto de vista da democracia, que é o partido de governo da Hungria, o Fides, que, paradoxalmente, pertence ao Partido Popular Europeu, mas que é, hoje, talvez, única força política que está no poder num Estado Membro da União Europeia que se pode considerar uma força radical e uma força extremista.
Dito isto. Nós não nos devemos deixar, contudo, iludir com o facto de que há uma tendência para a perda relativa de apoio e de confiança nos partidos, que eu chamo do "mainstream”, e não lhes chamo do centro de esquerda e do centro de direita, porque aqui em Portugal há uma nomenclatura pejorativa sobre o "centrão” e eu não quero subscrever esse tipo de nomenclatura.
Portanto, eu prefiro designá-los por "mainstream”.
Mesmo aqui em Portugal, nas eleições para o Parlamento Europeu, nós temos que reconhecer que os partidos do "mainstream” tiveram menos 20% do que historicamente tinham em eleições nacionais.
E, aqui ao lado, em Espanha, os dois partidos da governabilidade espanhola, o Partido Popular e o Partido Socialista Operário Espanhol juntos ficaram inclusivamente abaixo dos 50% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu.
Bem sei que são eleições onde está extraído o sentido do drama da escolha de um governo. E isso não é de somenos importância.
A escolha para o Parlamento Europeu é uma escolha, digamos, do ponto de vista da dinâmica eleitoral, menos dramática do que quando se trata de escolher o governo. Isto é, quem vai presidir aos destinos de um país.
Mas não nos iludamos, não nos iludamos.
Há um crescendo de populismo na Europa e esse crescendo de populismo, tem, em meu entender, quatro manifestações fundamentais.
A primeira é que há na Europa Continental, sobretudo, uma grande desconfiança em relação à globalização. Uma rejeição da ideia de globalização que leva à defesa de políticas identitárias e, até, protecionistas.
É verdade que, nos menores de 30 anos, os europeus, mesmo do Continente, têm uma posição mais favorável à globalização do que os que têm mais de 30 anos.
Mas a globalização é uma grande linha divisória hoje na Europa, entre aqueles que veem o projeto europeu como um projeto cosmopolita aberto ao Mundo e aqueles que veem o projeto europeu como um projeto meramente defensivo, virado sobre si próprio e que deveria ter uma função protecionista.
E nós europeístas (eu considero-me como tal, e sei que o Carlos Coelho também partilha comigo este epíteto), nós europeístas, não fomos capazes de fazer a demonstração do valor acrescentado da União Europeia como um instrumento fundamental para os Estados Membros e para os povos da União Europeia na regulação da globalização e, pelo contrário, nós temos de reconhecer que os populistas, vendem melhor a ideia de que a União Europeia é um cavalo de tróia da globalização ao serviço de interesses transnacionais.
E esta é uma primeira grande linha de divisão e é a primeira ameaça ao projeto europeu, que vem desta corrente populista.
Há um corolário, a meu entender, é que estas políticas identitárias, que o Carlos Coelho referiu há pouco, reforçam os nacionalismos. Tendem a sublinhar as diferenças e têm um bode expiatório fundamental que é normalmente a imigração. Com i, os imigrantes. Manifestações racistas e xenófobas, a desconfiança em relação àquele que é diferente de nós e a rejeição dos imigrantes.
E, nesse aspeto, permitam-me que lhes diga que Portugal é uma ilha no contexto europeu. A Espanha também, de facto. Isto é, Portugal e a Espanha são dois dos países onde a questão da imigração felizmente, e sublinho muito felizmente, não foi transformada num instrumento de luta política interna. E esse não é um tema que divida os portugueses, nem que divida os partidos políticos portugueses. Mas atenção há um efeito "spill over” perverso desta anatemização do aspeto da imigração, que já vamos ver no contexto europeu, que é a crítica de alguns partidos à liberdade de circulação de cidadãos europeus.
Se acompanharem o que é o debate hoje no Reino Unido, veem que há uma tentativa de criar uma suspeição sobre os europeus que exercem o seu direito à livre circulação no espaço europeu.
E isso para nós, portugueses, é particularmente importante.
Nós temos cerca de 120 mil cidadãos nossos que vivem no Reino Unido. Temos cerca de 120 mil que vivem na Suíça, onde houve um referendo exatamente contra a imigração que também tem consequências na liberdade de circulação.
E, infelizmente, devo dizer que esta tendência no Reino Unido não é apenas dos conservadores. É também dos trabalhistas, e aqui estou particularmente à vontade, também têm posições nestas matérias muito próximas dos conservadores.
E passa aqui a segunda grande linha de divisão, a questão da tolerância em relação à diversidade étnica, à diversidade linguística. Não é que a imigração não coloque problemas sérios de integração, claro que coloca. Mas a solução não é a anatemização dos imigrantes, nem a hostilização dos imigrantes. Esta é a segunda grande linha de divisão.
Há obviamente uma terceira linha de divisão importante.
Não pensem que foi a crise financeira dosubprimee suas sequelas na crise do euro que agravou a situação na Europa a ponto de levar ao crescimento dos populistas.
Não. Eu creio que as ansiedades culturais, económicas e sociais que os europeus se colocam são mais fundas, vêm de trás, e estão para além dos efeitos da crise. A crise agravou-as, mas não são, não têm origem apenas na crise.
Só vos dou este exemplo, vocês sabem que em França o partido que ganhou as eleições para o Parlamento Europeu foi a Frente Nacional.
A Frente Nacional é claramente um partido extremista, um partido radical, um partido que legitima o uso da violência, um partido racista e xenófobo, um partido antissemita.
Pois bem, a Frente Nacional ganhou as eleições e cresceu significativamente o seu resultado eleitoral e as circunscrições eleitorais onde a Frente Nacional mais cresceu foram naquelas circunscrições onde tradicionalmente eram bastiões fortes do partido comunista francês. E eram regiões fortemente industrializadas com indústrias clássicas em acelerado declínio.
Mas mais, eu acho que sobre isto Marx deve dar voltas na tumba: entre os operários de hoje em França, os operários franceses, o partido mais votado foi a Frente Nacional, com 31% dos votos. Mais do que a média nacional que a Frente Nacional tem.
Se isto não for suficiente para chamar a atenção de que há aqui um problema social fundo, grave... De gente que se sente deserdada pela modernização, deserdada pela globalização, perdedores a prazo e que manifestamente os partidos do "mainstream” não têm uma capacidade de captação e de dar um horizonte de esperança.
E essas pessoas, desesperadas, são as presas mais fáceis dos partidos populistas, radicais e extremistas.
Cereja em cima do bolo. Bom, o discurso populista é um discurso simplista.
É um discurso que tem o condão de transformar problemas complexos, em problemas aparentemente simples e, sobretudo, de propor para esses problemas soluções simples que são vendidas como soluções indolores, que não têm custos. Esta narrativa populista é uma narrativa particularmente preocupante.
Desde logo, porque é uma narrativa que visa dividir a sociedade entre o povo no seu conjunto puro, nobre e que está a ser enganado e ludibriado, por uma elite que é desinteressada, egoísta, indiferente ao destino do povo e, muitas vezes, corrupta. Quer uma elite económica, quer financeira, quer política.
Este maniqueísmo populista é uma expressão de uma ideologia que visa reintroduzir na sociedade uma dinâmica repurificadora e moralizadora, que nós, infelizmente, já conhecemos, noutros tempos históricos, com resultados dramáticos para o respeito pelos direitos das minorias e para a própria democracia.
Então a pergunta é: que respostas a isto?
Eu vou tentar manter-me dentro do tempo.
Que respostas a este crescendo populista que se verifica, de facto, na Europa?
Têm sido encontradas três respostas.
Uma é a teoria do cordão sanitário. É dizer com esses partidos não há nada a fazer. É ostracizá-los, metê-los num gueto e não permitir qualquer tipo de cooperação.
Esta teoria do cordão sanitário teve um resultado, um resultado de facto positivo, na Flandres, em relação ao Vlaams Blok que foi isolado muitos anos e que foi perdendo dinâmica. Foi substituído por um partido populista mais moderado, digamos assim, mas manifestamente não resolveu o problema definitivo. Não funcionou em mais nenhum sítio.
Foi tentado em França com a Frente Nacional e rapidamente vimos que alguns dos temas da Frente Nacional, designadamente o tema da imigração, passaram a ser recuperados por alguns partidos do "mainstream”.
Segunda estratégia possível: estratégia da diluição do populismo nos partidos "mainstream”.
Foi uma experiência seguida em vários países de coligações de governo. A realidade provou que até certo ponto esta estratégia resultou. Porque quando os partidos populistas são associados a maiorias do governo, ou a governos, o teste ao simplismo das suas soluções é feito em termos que, a prazo, perdem apoio popular.
E é por isso que o FPO austríaco está hoje na oposição.
É por isso que a Liga Norte Italiana está hoje na oposição.
É por isso que partidos como o do Sr. Geert Willems, na Holanda, estão hoje na oposição.
Mas a verdade é que esta é uma estratégia que envolve enormes riscos. A estratégia da cooptação, absorção, para depois remetê-los de novo à oposição é uma estratégia que não resolve o problema de fundo.
Então qual é a única estratégia, em meu entender, que resolve o problema de fundo?
Bom, é a estratégia de, primeiro, não subestimar os problemas que estão na base do populismo. Não os ignorar.
Isto é, reconhecer que há grandes ansiedades nas sociedades europeias, que resultam da desindustrialização, que resultam do declínio demográfico, que é um elemento extremamente importante do ponto de vista estratégico para um continente, como o continente europeu.
Que resultam, também, do facto de haver uma fratura social crescente, isto é, um aumento das desigualdades.
Não é preciso subscrever exatamente todas as conclusões do livro do Piketti para reconhecer que há hoje a sensação, no continente europeu, de que vocês, a vossa geração, vai ser a primeira geração que não vai forçosamente viver melhor do que a geração anterior.
Porque até aqui, o elevador social sempre garantiu que a uma geração se sucederia outra com melhores condições de vida.
E, pela primeira vez, em função do comportamento do mercado de emprego, em função da concorrência acrescida à escala global, em função das condições objetivas de desenvolvimento da economia europeia, há a sensação de que o elevador social deixou de funcionar como funcionou no passado.
E, portanto, cabe aos partidos do "mainstream” assumirem os temas difíceis, os temas que causam ansiedades nas opiniões públicas. E que têm a ver com a sustentabilidade do Estado Social, com a solidariedade intergerações, com a inovação necessária para competir num Mundo global, com uma visão tolerante e cosmopolita do Mundo em que vivemos, aceitando que outros têm valores diferentes dos nossos, e que nós temos de respeitar esses valores, porque essa é a condição para exigir que respeitem também os nossos valores.
E isso aqui também é verdade em Portugal.
Uma das questões que vai aparecer, eu não sou adivinho, vai ser a teoria de que as agruras por que passámos seriam mais fáceis se nós estivéssemos fora do Euro.
E nós temos que aceitar esse debate. Não devemos fugir dele.
Devemos exigir é que esse debate seja feito com base em factos, em argumentos, e nós, europeístas devemo-nos mobilizar para contrapor factos e argumentos à teoria populista de que tudo se resolveria se saíssemos do Euro, pois acabaríamos por deixar de ter o espartilho do Pacto de Estabilidade e Crescimento e poderíamos viver alegres e felizes.
Esse é, na minha opinião, a curto prazo, o principal combate contra o populismo em Portugal.
A defesa sustentada do projeto europeu e da pertença de Portugal ao Euro, como um projeto com futuro e que é aquele que melhor serve a modernização da sociedade e da economia portuguesa e que melhor garante um futuro para Portugal.
Existe um populismo em Portugal?
A minha resposta é: existe um populismo inorgânico, ou até há pouco tempo inorgânico.
Se vocês virem os programas dos fóruns, nas telefonias, os programas de opinião pública nas televisões, certa comunicação social, até com muitas vendas, muitas tiragens, ou mesmo as redes sociais, vocês veem que os argumentos populistas vão fazendo caminho nesses meios e é ai que também se tem de dar o combate.
Um combate cultural em primeira linha, mas também um combate de propostas políticas sobre a economia e sobre a sociedade, sobre a sustentabilidade do estado social, sobre a solidariedade intergeracional, é ai que se tem de travar um combate ao populismo.
Eu não creio que em Portugal, nós estejamos confrontados com uma deriva populista séria.
O risco existe, mas em meu entender, nós não estamos na véspera do dia em que as teorias populistas acabarão por dominar a cena política nacional.
É, aliás, interessante ver, que a crise não pode ser considerada responsável por esta situação internacional. Na realidade, se nós olharmos para os países que estão mais expostos à crise, a Grécia, Portugal, a Espanha e a Irlanda, verificaremos que apenas na Grécia, houve um crescimento do populismo à direita, através da Aurora Dourada, que é um partido extremista radical, e também, há que dizê-lo, à esquerda, com o Syriza, que ganhou as eleições para o Parlamento Europeu, e que esteve nas eleições legislativas à beira de poder ser um partido de governo.
Mas, em países como Portugal, a Espanha e na Irlanda, não só não houve nenhuma emergência de forças extremistas e radicais antidemocráticas, como, inclusivamente, a expressão eleitoral populista, mesmo em eleições para o Parlamento Europeu, foi uma expressão eleitoral relativamente controlável, relativamente diminuta.
Agora, isto não nos deve fazer descansar.
E, por isso, os partidos do "mainstream”, nas suas diferenças, convém sempre recordar isto, nas suas diferenças, com diferentes sensibilidades e diferentes entendimentos, o que é legítimo e salutar. Mas os partidos do "mainstream” têm uma responsabilidade histórica de demonstrarem que o populismo não é uma alternativa, e que é possível construir uma base social e política alargada para garantir não apenas a estabilidade governativa, o futuro da democracia liberal em Portugal, mas também um projeto que dê esperança ao povo português, que dê esperança à sociedade portuguesa. E nessa esperança está a nossa participação plena, a igualdade de direitos e deveres no contexto europeu e incluindo no euro.
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, Dr. António Vitorino.
Vamos iniciar um bloco de perguntas, vamos começar com duas perguntas dos Grupos Castanho e Encarnado.
Agradeço ao Grupo Castanho o convívio simpático na vossa mesa durante o jantar.
E convido o Luís Pinho da Costa do Grupo Castanho e a Ana Margarida Macieira do Grupo Encarnado a fazerem as suas perguntas.
Luis Pinho da Costa
Boa noite.
Acho que é sempre um prazer termos aqui uma pessoa como o Dr. António Vitorino, ainda por cima, não da nossa área política. É sempre bom receber conhecimentos diferentes e ver que há tantos pontos em que nos tocamos.
A minha pergunta tem a ver, também no contexto europeu e no que referiu, se o crescimento do populismo e deste extremismo na Europa, não estará também relacionado com uma fraca liderança na condução da Europa, ao invés do que aconteceu com outros Presidentes míticos que, tanto do lado da Alemanha, como do lado da França, conduziram os destinos da Europa de uma forma fantástica para um verdadeiro projeto europeu? Apesar de eu acreditar piamente que é para continuar, já não vemos a mesma força. Se calhar, não será isso que condiciona o próprio crescimento da europa?
Obrigado.
Ana Margarida Macieira
Boa noite a todos, principalmente ao nosso convidado, Dr. António Vitorino.
Eu acho pertinente, ainda mais porque trouxe à baila a Frente Nacional francesa, perguntar-lhe o seguinte: tendo em conta a ascensão política da Frente Nacional francesa será que os seus ideais de hoje em dia são iguais aos ideais da sua génese?
Obrigado.
António Vitorino
Muito obrigado.
Em relação à questão das lideranças, nós não podemos comparar lideranças que viveram em ambientes políticos, económicos e sociais completamente distintos.
Isto é, nós podemos viver na mítica recordação dos tempos em que havia na Comissão um Delors, em que a Alemanha era liderada por um Kohl, que a França era liderada por um Mitterrand, mas a verdade é que as condições dessa época são substancialmente distintas das condições em que vivemos hoje.
Está na moda criticar a Alemanha, é um dos desportos preferidos hoje na Europa, e eu acho que há questões da política europeia alemã que merecem crítica. Mas há uma coisa que eu também digo sempre nestas circunstâncias, a nossa grande felicidade é não haver na Alemanha uma Senhora Le Pen com 24%. Isso tem um preço.Isso tem um preço.
Às vezes a condução da política europeia por parte da Senhora Merkel parece hesitante, tímida, com pouco "drive”, com pouca estamina, para utilizar uma expressão portuguesa.
Ou seja, com falta de liderança, aquilo que podemos dizer, com falta de liderança.
Mas a verdade é que, nós temos de reconhecer que, com erros, a Senhora Merkel conduziu a política do principal país europeu, em linha com os interesses europeus, e no sentido de preservar o projeto europeu.
E nós devemos-lhe isso e, pelo menos, não é justo criticar a Alemanha sem reconhecer, também, o mérito que a Alemanha teve em garantir o projeto europeu agregado.
É óbvio que nós poderíamos desejar outras lideranças, mas as lideranças que temos são aquelas que foram legitimadas democraticamente pelos povos e nós não temos nenhuma superioridade moral para julgar os povos nas escolhas que eles fizeram. Quando muito podemos dizer é "entre o material disponível, foi o que escolheram”, podemos desejar que houvesse outras hipóteses que não surgiram, mas as escolhas democráticas têm de ser respeitadas.
Portanto, em meu entender, a responsabilidade não está nas fracas lideranças. A responsabilidade está em nós, no nosso próprio compromisso com o projeto europeu e com as dificuldades com que o projeto europeu se confronta.
Eu vou-lhes só dar um exemplo, aqui há uns 10 anos atrás, se nós perguntássemos aos europeus quais eram as suas 5 primeiras prioridades, todas elas tinham diretamente a ver com o projeto europeu, em que em relação à União Europeia era possível responder efetivamente no contexto europeu.
Hoje, se nós perguntarmos aos europeus quais são as 5 primeiras prioridades, quatro delas, são, essencialmente, no âmbito da política nacional.
Apenas o ambiente é que pode ser considerada uma prioridade que está muito em linha com as competências da União Europeia.
Mas quando falamos da qualidade do sistema de educação, quando falamos da sustentabilidade das pensões, quando falamos do sistema de saúde, e do emprego, se quiserem, porque os mercados laborais são mercados nacionais, nós estamos a falar de prioridades que não são essencialmente da responsabilidade da União Europeia, são da responsabilidade dos governos nacionais.
E, portanto, é ao nível do debate político nacional, que nós temos que reverter, e não fazer da Europa o bode expiatório fácil de questões que têm a ver com as insuficiências das nossas próprias democracias nacionais.
Quanto à sua pergunta sobre a Frente Nacional, estou totalmente de acordo consigo, e é ai que está a fonte da minha preocupação, para lhe ser totalmente sincero.
Isto é, a Frente Nacional, originariamente, era um partido radical, extremista, racista e xenófobo, antissemita, profundamente antissemita.
O que nós hoje assistimos é que com esta nova liderança, a filha do fundador, Marine Le Pen, a Frente Nacional fez uma recuperação inteligente dos temas sociais, da agenda social.
E, portanto, hoje, a própria Marine Le Pen faz um esforço enorme por silenciar o pai, ver se o pai não fala, sobretudo se não diz aquelas enormidades que o pai costuma dizer que denunciam o caráter racista, xenófobo e antissemita da Frente Nacional clássica e hoje os temas que ela coloca em primeira linha são temas sociais que se dirigem aos desesperados, aos deserdados da sorte e da fortuna.
E é por isso que o combate a esse populismo tem de ser dado nesse terreno, no terreno das políticas sociais, no terreno das propostas que os partidos do "mainstream” deem às questões sociais que afetam as sociedades europeias, designadamente a sociedade francesa.
E, sobretudo, sem criar ilusões. Porque o problema que alimenta o populismo é o irrealismo de certas propostas que depois não têm correspondência na prática governativa.
E, portanto, eu creio que esse combate em França é um combate decisivo, porque, de facto, há dois países centrais da União Europeia, na minha ótica, a França e o Reino Unido, que os resultados nas eleições europeias evidenciam uma subida significativa dos partidos populistas, que constituem uma ameaça, em primeira linha, às suas respetivas políticas nacionais, mas também à continuidade do projeto europeu.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Passamos para o segundo bloco de perguntas.
Grupos Roxo e Rosa. Convido a usar da palavra a Filipa Antunes e o Luís Baltar.
Filipa Antunes
Muito boa noite Dr. António Vitorino.
Aproveitando a sua presença neste jantar, nesta conferência, optámos por executar uma pergunta a nível de política nacional: o Tribunal Constitucional têm vindo nos últimos tempos a praticar ativismos judiciários quando chumba certas medidas de relação da despesa em sede de fiscalização abstrata da constitucionalidade.
Enquanto ex-Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, qual a sua posição em relação à politização do poder judicial?
Obrigada.
Luis Baltar
Boa noite a todos em nome daUniversidade de Verão e em especial ao Dr. António Vitorino.
Atualmente no quadro europeu em vigor cada país indica um Comissário Europeu. Mas o Tratado de Lisboa prevê que, no futuro, a Comissão Europeia seja constituída por um número de Comissários correspondentes a 2/3 do número dos Estados Membros.
Visto sermos confrontados diariamente com o projeto europeu, pelo menos em termos de comunicação social, que consequências pode esta alteração ter na Europa? Em especial na coesão europeia?
E já agora, quanto à representação portuguesa, se considera que Carlos Moedas seja um bom candidato?
Obrigado.
António Vitorino
Ora bem, quanto à pergunta do Grupo Roxo, vamos lá ver, eu tentei fugir à política nacional. [RISOS] Todos são testemunhas.
Bem, o Tribunal Constitucional é um tribunal político, é um tribunal que faz interpretação do direito político, que é o direito constitucional por definição.
Portanto, todos nós teremos nas nossas opiniões políticas, que se traduzem em interpretações de princípios constitucionais.
Tem uma grande margem de subjetividade? Tem.
Não creio que isso seja suficiente para falar de politização do poder judicial.
Isto é, não é possível levar a mal o Tribunal Constitucional que faça a aplicação do direito político, quando na essência da função do Tribunal Constitucional, está a interpretação da lei fundamental do país, que é um exercício que tem a ver, obviamente, com a política.
Portanto, eu não subscrevo a sua tese da politização do poder judicial.
Em primeiro lugar porque o Tribunal Constitucional não é o poder judicial, é uma instância do poder judicial.
Mas, felizmente, nós temos um poder judicial muito mais amplo e não creio que seja possível dizer que outras instâncias do sistema judicial sejam politizadas. E também não deveriam ser, porque também não têm a responsabilidade última de interpretação da Constituição.
Portanto, eu não vou por aí, tenho muita pena.
Em relação à questão da doutrina do Tribunal Constitucional, eu vou dar uma resposta tão diplomática quanto possa dar neste ambiente, jogando "fora de casa”.
[RISOS]
Sabe, a minha tese é assim, eu acho que o governo tentou testar os limites do Tribunal Constitucional. O que é legítimo.
E quando se testam os limites, há duas hipóteses, ou se ganha, ou se perde.
É verdade que algumas vezes perdeu, mas também lhe devo dizer, algumas vezes o governo ganhou. E não creio que seja justo, passada esta agitação toda, que as coisas provocam, quando a história nos der o distanciamento, não creio que seja justo dizer que o Tribunal Constitucional foi uma força de bloqueio, ou uma força de oposição.
E até porque, para lhe ser sincero, se me perguntar "e subscreve toda a jurisprudência do Tribunal Constitucional?”, eu digo-lhe "não”, até porque antecipo que algumas das decisões do Tribunal vão criar problemas para um próximo governo. Não lhes escondo quem é que eu espero que esteja no próximo governo, não é?
[RISOS]
Portanto, esta minha preocupação não é totalmente altruísta.
[RISOS E APLAUSOS]
Portanto, eu creio que, quando eu fui Juiz do Tribunal Constitucional, este tipo de decisões políticas mais sensíveis, eram sobretudo as decisões da fiscalização preventiva.
As de fiscalização sucessiva, normalmente, são menos polémicas do ponto de vista político.
E também não posso deixar de chamar a vossa atenção, de que, as decisões que foram tomadas, mesmo as mais polémicas, foram, com uma exceção, decisões com uma maioria alargada, portanto, não me parece, também, justo que se façam interpretações sobre as origens dos Juízes.
A minha experiencia pessoal, é a de que, a partir do momento em que se está num órgão como o Tribunal Constitucional, o debate das questões jurídicas, sobreleva sobre as origens políticas.
Agora, ninguém é bacteriologicamente neutro. E, portanto, os juízes do Tribunal Constitucional não são feitos numa proveta, não são inseminados artificialmente. São homens e mulheres que têm uma mundividência e essa mundividência é obviamente tributária de certas leituras da vida e do Mundo que têm a ver com a política, como é óbvio. Fui diplomata, ah?
[RISOS]
Espero que apreciem isso.
[RISOS, APLAUSOS]
Sobre o Grupo Rosa, há pouco, quando o vosso Colega descrevia a sucessão dos Comissários Europeus Portugueses, eu de repente tive uma estranha sensação de me sentir como se fosse uma ilha, um socialista rodeado de sociais-democratas por todos os lados.
[RISOS]
Rodeado é a expressão mais elegante…
[RISOS]
Podia dizer "ensanduichado”!
[RISOS]
Mas eu também posso ver uma vantagem nisso. Faz de mim um ser único, não há outro!
[RISOS]
Eu já disse publicamente que eu acho que o Eng. Moedas tem as qualidades pessoais e a experiência internacional não só que o qualificam para ser Comissário, como inclusivamente, para fazer um bom lugar como Comissário Europeu. Não tenho sobre isso a menor dúvida e já o disse até publicamente, para que não se venha dizer que eu disse isto porque estava com medo de não conseguir chegar à porta… até poder meter-me no carro e fugir.
[RISOS]
Não, já disse isso publicamente.
Sobre a composição da Comissão, eu vou-lhe confessar uma coisa, que, se calhar, não devia confessar em público. Há poucos problemas na vida pública, são poucos, mas existem alguns onde eu cheguei à conclusão de que não há uma boa solução. Não há boas soluções. Só há a menos má.
E uma das questões para as quais eu acho que não há uma boa solução é a composição da Comissão.
Isto é, há argumentos muito ponderosos a favor de uma Comissão alargada, com um Comissário por Estado Membro. Assim como há argumentos ponderosos a favor da tese de uma Comissão reduzida.
A citação que fez do artigo do Tratado de Lisboa, que é, aliás, uma cópia do artigo do Tratado Constitucional, é de que o número de comissários seria inferior ao número de Estados Membros, mas que se salvaguardaria um princípio de rotação igualitária.
Esse ponto é um ponto muito importante e uma coisa não pode ser vista sem a outra.
Atenção. Nunca fiquem pelo meio da frase, a frase tem de ir até ao fim.
Isto é, se em cada quinze anos só houver dez anos um Comissário português significa que nesses quinze anos também só há um Comissário alemão durante dez anos.
E que não há, portanto, Comissários de primeira e de segunda, e países que têm direito a uma espécie de Conselho de Segurança das Nações Unidas que são permanentes e outros que rodam.
Essa é que é a questão.
Mas do ponto de vista pragmático e para fazer aprovar o Tratado de Lisboa pelos irlandeses, o Conselho Europeu sob Presidência francesa adotou uma regra, segundo a qual, a Comissão mantem a composição clássica, ou seja, um Comissário por Estado Membro. E não há redução do número de Comissários.
O que esta decisão coloca é um problema complexo, podemos ver como é que o Juncker o vai resolver, que tem a ver com o funcionamento colegial da Comissão.
Uma Comissão de 28 membros é uma Comissão muito difícil de operacionalizar, muito difícil de operacionalizar. 28 membros não é um órgão executivo, 28 membros é quase um Senado. E, portanto, vai ser necessário estruturar internamente a Comissão para garantir que ela desempenha as suas funções essenciais e que, ao mesmo tempo, preserva o princípio da colegialidade, ou seja, que todos os Comissários têm uma palavra a dizer sobre todos os assuntos que são decididos pela Comissão.
E esse é um exercício bastante difícil.
Vamos ver como é que o Presidente Juncker se vai desenvencilhar, desse desafio para que está convocado.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Terceiro bloco de perguntas, os Grupos Amarelo e Cinzento, dou a palavra ao Gromicho Duarte e à Sara Garcês.
Gormicho Duarte
Ora, muito boa noite, é um prazer estar aqui na presença do Dr. António Vitorino, para o qual eu tenho uma questão que penso ser pertinente.
A solução para a atual crise na Europa passará pela criação de um Estado federal, estilo Estados Unidos, onde os cidadãos... criariam um Estado soberano e depois... já me atrapalhei... Isto é, estou um bocado nervoso, já está a perceber a influência que tem perante os jovens políticos.
[RISOS, APLAUSOS]
Concluindo, defende um Estado Federal onde os cidadãos elegem diretamente o governo?
Muito obrigado.
[APLAUSOS]
Sara Garcez
Boa noite a todos, em especial ao nosso convidado.
A questão que eu queria colocar é muito direcionada a si, mas também no contexto do que temos estado a falar.
Eu gostava de saber qual seria ainda o seu contributo, tendo em conta a perda de votos que temos vindo a registar do bloco central e o que o Senhor ainda poderia fazer para a política portuguesa?
Obrigada.
António Vitorino
Muito obrigado.
Eu, em relação ao Grupo Amarelo, devo confessar que percebo perfeitamente porque é que se encontra intimidado, com um tipo da minha altura só podia sentir-se intimidado.
[RISOS, APLAUSOS]
Olhe, a resposta à sua pergunta é um rotundo não. Não. Não é esse o caminho.
Eu, por exemplo, comparando aqui com o Carlos Coelho, eu sou, se calhar, menos federalista que ele, mas eu não creio que a saída seja criar uma ficção que seja os Estados Unidos da Europa.
Creio que algumas competências têm de ser federalizadas, mas noutras matérias, pelo contrário, eu acho que o papel essencial deve continuar a estar na esfera dos Estados Membros.
E se acho que, por exemplo, para resolver a crise, é preciso haver coordenação das políticas económicas, e designadamente as políticas orçamentais. Também acho, sinceramente, que as matérias de solidariedade social e intrageracional não vão ser comunitarizadas. Não haverá um sistema redistributivo para esse fim.
E, portanto, não faz sentido imaginar um Estado centralizado, com um governo em Bruxelas, eleito diretamente pelo conjunto dos cidadãos, porque a União Europeia é uma união de cidadãos, mas também é uma união de Estados. E nós não podemos nunca pensar em prescindir da mediação dos Estados.
Há uma tese muito popular, que é a tese de que os tratados deviam ser objeto de um referendo. Um referendo em toda a Europa, no mesmo dia e ao mesmo tempo. O resultado disso é introduzir um fator de diferenciação significativa entre os Estados da União Europeia. Porque nesse referendo votariam 88 milhões de alemães e 10 milhões de portugueses. Enfim, estou a dar-vos os números da população como os números de eleitores.
Eu creio que nós temos que manter a natureza dupla da União Europeia.
Uma união de cidadãos, com certeza, e por isso temos direitos de cidadania europeia. O direito à liberdade de circulação sendo um direito fundamental. Mas ao mesmo tempo é uma união de Estados. O peso dos Estados tem que continuar a contar para o futuro, o futuro do projeto europeu.
E, portanto, eu sinto desiludi-lo, porque, se calhar, estava à espera de uma resposta mais entusiasta no sentido federalista, mas eu de facto, nunca fui federalista.
Eu nunca acreditei num modelo federalista integral que fosse substitutivo da democracia nacional, nada substitui a democracia nacional.
Como a democracia nacional, aliás, também não substitui a democracia local. A imediação.
E, portanto, eu propunha-lhe uma via oposta: é fazer entrar no debate político nacional os temas europeus de forma mais sistemática e mais organizada. O que obriga os políticos nacionais a não poderem prometer aquilo que não podem fazer. Porque muitas das coisas que prometem que vão fazer, não fazem, por causa do contexto europeu.
Eu até tenho uma piada que costumo contar aos meus alunos da Universidade. Quando eu andei a estudar Direito Constitucional, havia um livro de um clássico do Direito Constitucional que era do Dicey, que dizia, "o Parlamento britânico pode fazer tudo, menos transformar um homem numa mulher”. Como sabe, hoje o Parlamento britânico já pode fazer isso com a lei da transexualidade.
[RISOS]
Isso já pode fazer, agora há muitas outras coisas que historicamente fazia e deixou de poder fazer.
E, portanto, é preciso é que a democracia nacional tenha maior porosidade em relação aos temas europeus.
Mas isso não significa substituirmos a democracia nacional por uma democracia supranacional, porque se perde a proximidade e a imediação, que continua a ser um elemento fundamental da vida coletiva ao nível de cada um dos Estados.
Já agora só para lhe recordar. Eu fui candidato ao Parlamento Europeu em 94, onde isso já vai, há muitos anos atrás… e nessas eleições para o Parlamento Europeu, o meu principal adversário não era, lamento, o PSD. Porque entre mim e o saudoso Eng. Eurico de Melo não havia também grandes contradições. Mas era o Dr. Manuel Monteiro, que na altura era o líder do CDS. Foi naquele período em que o CDS era eurocrítico, ou eurocético. Agora parece-me, ouvi dizer, que está eurocalmo.
[RISOS]
E nessa altura, o Manuel Monteiro era muito contra a Europa. E depois o Manuel Monteiro esticava assim o dedo e dizia "vocês os federalistas”; e eu dizia "Oh Manuel, eu não sou federalista”. E ele dizia "não, não, mas para este debate fazer sentido você tem de ser”.
[RISOS]
Era o mais próximo de federalista que se conseguia arranjar.
Mas eu de facto nunca fui federalista, nem acredito nuns "Estados Unidos da Europa”.
Em relação à pergunta do Grupo Cinzento, agora é que me desmascarou, não é? Ao perguntar qual é o meu contributo pessoal.
Sabe, nós, no Partido Socialista, somos um partido muito organizado…
[RISOS, APLAUSOS]
E, por isso, a mim, a tarefa que me atribuíram e o meu contributo, é pôr assim um ar moderado para ser convidado para as Universidades de Verão do PSD e lançar-vos a confusão no vosso seio.
[RISOS, APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Quarto bloco de perguntas, Grupos Verde e Bege.
Convido a usar da palavra o Gonçalo Lopes de Andrade e o Alexandre Duarte Silva.
Gonçalo Lopes de Andrade
Boa noite Dr. António Vitorino.
Em linha do que referiu, em Portugal e Espanha não se tem verificado um ambiente tão hostil em questões raciais ou de imigração, como noutros países da Europa.
Vejamos o caso da Grécia, que também está em crise e beneficiou igualmente de um plano de reajustamento recentemente, como Portugal. E onde a extrema direita ganhou eleitorado.
Que razões aponta para tal sucedido?
Alexandre Duarte Silva
Boa noite, antes de mais, felicito o Dr. António Vitorino pela excelente intervenção e pelo facto de ter colocado humor neste jantar em tais níveis ainda não igualáveis.
A equipa Laranja, e muito bem, antecipou parte da minha pergunta sobre a politização do Tribunal Constitucional, por isso tenho de deixar o resto da pergunta que me sobrou.
Assim, aproveito o facto, do Professor ter sido Juiz do Tribunal Constitucional e pergunto se não seria mais fácil para todos nós aceitar que os Juízes do Tribunal Constitucional fossem juízes de carreira e que lá chegassem por concurso e por avaliação e, assim, independentes de qualquer nomeação política?
Obrigado.
[APLAUSOS]
António Vitorino
Muito obrigado.
Eu, em relação à questão da imigração, eu acho que a resposta a essa pergunta é uma resposta complexa.
Há uma coisa muito importante na minha opinião, a circunstância de países como Portugal e a Espanha, serem países de emigração, agora com "e”. Emigração, isto é, origem de fluxos migratórios, com uma memória relativamente recente dessa dinâmica.
Lá está, que me vai dizer, eu sei, também é a Grécia.
É verdade, é também a Grécia, portanto não é isto que distingue Portugal e a Espanha da Grécia.
Mas este facto, em Portugal e em Espanha, creio que predispôs a sociedade portuguesa e creio que também a espanhola, para uma melhor compreensão dos fluxos migratórios. Mesmo quando esses fluxos migratórios têm como destino esses países, como Portugal e como Espanha.
O caso português, é, aliás, um caso muito importante, porque nós tivemos uma primeira onda de regressados do Ultramar, das ex-colónias, em 74, e fez-se um primeiro processo de integração.
Depois tivemos sempre um fluxo contínuo de imigrantes oriundos das ex-colónias portuguesas, que tinham em comum connosco a língua portuguesa.
Depois tivemos um fluxo importante de imigrantes vindos do Brasil, que não se pode dizer que seja uma colónia recente, já tem bastantes anos de independência.
E mais tarde tivemos um importante fluxo migratório oriundo dos países da Europa central e do leste.
E ao longo deste processo todo, a sociedade portuguesa ainda que com contenções, com certeza, com algumas manifestações, por vezes, de intolerância, mas de uma prova admirável, de uma enorme capacidade de absorção e de integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento.
Nem tudo é perfeito nessa matéria, com certeza que não. Há manifestações racistas, pois há, manifestações racistas e no mercado habitacional. Há alguns grupos estigmatizados, há. Muitas vezes os ciganos são uma minoria muito estigmatizada.
Mas, a verdade é que, em Portugal nós nunca corremos a tentação de fazer dos imigrantes uma tropa de choque do nosso combate político interno, e isso faz toda a diferença.
E eu devo dizer que, independentemente das diferentes conceções que existem nos vários quadrantes políticos, este é um dos poucos pontos que atravessa a sociedade portuguesa e o espectro político português de uma ponta à outra no essencial. No essencial, é evidente que há nuances.
Mas, por exemplo, um dos fatores que eu acho de importante integração é o papel dos sindicatos, é uma coisa que muitas vezes é subestimada.
Porque os imigrantes, muitas vezes, são fonte de trabalho clandestino.
Não há nada mais disruptor, quer do mercado de trabalho, quer da livre concorrência entre as empresas, do que a existência de um "exército de reserva”, para utilizar a expressão do velho Marx, de um "exército de reserva clandestino” que não tem direitos e que obviamente recebe um salário muito substancialmente inferior ao salário em princípio praticado para o trabalho "legal”.
Ora, eu acho que o trabalho que os sindicatos tiveram em Portugal, de combate ao trabalho clandestino é muito importante para este resultado que estamos agora a beneficiar, que é, de apesar de todas as dificuldades financeiras que tivemos, a sociedade portuguesa não fez dos imigrantes um bode expiatório. E sempre soube respeitar o princípio de que, aqueles imigrantes que contribuíram com impostos, ou com as suas contribuições para a Segurança Social, em situação de risco social, também têm o direito a receber os mesmos benefícios que os cidadãos portugueses.
Isso é um grande adquirido do ponto de vista da maturidade do povo português.
E não é permanente, temos de estar sempre muito atentos a toda e qualquer manifestação nesta área.
Mas que distingue claramente, distingue clarissimamente o que é a capacidade de integração das sociedades ibéricas, e aí a Espanha tem muitos pontos em comum com a sociedade portuguesa, do que se passa, por exemplo, em França, ou mesmo no próprio Reino Unido.
Há uma segunda razão, em meu entender importante, que é a questão da imigração ser acima de tudo uma questão cultural e aqui em Portugal a extrema-direita radical tem muita dificuldade com este tema, com o tema da imigração.
Bom, isto agora é uma explicação mais rebuscada, eu peço desculpa, a esta hora da noite, isto não vai sair muito claro, mas é assim.
A extrema-direita portuguesa histórica, viveu durante muito tempo no mito do Quinto Império, já que houve aqui um poema do Pessoa.
Isto é, Portugal era antes do 25 de Abril um país multicontinental e plurirracial.
E, portanto, não há nada que contradissesse mais a lógica da plurirracialidade, do que ser-se racista.
A extrema-direita clássica portuguesa tem dificuldades em ser racista, por razões que têm a ver com o seu próprio fundamento ideológico, e origem histórica.
É evidente que nós sabemos que antes do 25 de abril, os cidadãos das colónias, os indignas das colónias, nativos das colónias não tinham cidadania portuguesa plena. Aquilo era uma construção ficcional.
Mas, a verdade, é que na retórica do regime havia uma plurirracialidade integral na sociedade portuguesa.
Quem ainda se revê nesses valores, tem hoje muita dificuldade em fazer o salto para uma posição racista pura.
Não é que o racismo não exista difuso, existe, com certeza, a sociedade portuguesa não é feita de material diferente das outras sociedades, e é por isso que eu digo que é essencialmente uma questão cultural.
Mas verdadeiramente, tirando um partido, cujo nome, eu agora até nem me lembro, que existe aí, que tem 0,00 não sei quanto por cento,… verdadeiramente nenhum partido existente em Portugal, mesmo legalizado, tem um discurso racista e xenófobo, como infelizmente tem a Frente Nacional em França.
E, só de pensar que, há mais deputados da Frente Nacional francesa no Parlamento Europeu, do que todos os deputados portugueses juntos, é uma coisa que me deixa, para ser sincero, completamente arrepiado.
Em relação aos Juízes do Tribunal Constitucional, estou a ver que o Tribunal Constitucional é uma instância muito popular…
[RISOS]
Vamos lá ver. Se me provar que os juízes de carreira são feitos numa fábrica por métodos totalmente asséticos e que não têm nenhuma, nem a mais leve tentação de terem uma mundividência que possa conspurcar-se com valores políticos, vamos a isso.
Mas eu não acredito.
Isto é, os juízes de carreira são homens e mulheres como os outros juízes.
Até lhe vou dizer uma coisa, até lhe vou confessar uma coisa, quando eu fui Juiz do Tribunal Constitucional, eu sabia perfeitamente que as minhas posições como juiz do Tribunal Constitucional seriam objeto de um escrutínio muito mais severo, do ponto de vista dessa leitura, do que dos meus colegas que eram juízes de carreira.
E, portanto, eu tinha o dobro do cuidado que eles tinham, nas posições que tomava no Tribunal Constitucional.
E, portanto, eu não creio que haja uma solução mágica, dizendo subtraindo à legitimidade democrática, e fazendo apenas a escolha dos juízes do Tribunal Constitucional, como um puro processo de juízes de carreira. Isso não criaria um Tribunal que não existe em nenhum lado do Mundo, assético, puro, bacteriologicamente não contaminado por qualquer tentação política.
Mas podemos discutir as fontes de legitimidade.
Como sabe, nos Estados Unidos da América, é aliás um debate muito recorrente, toda a gente diz "ah a Constituição devia ser como a Constituição Americana que é curtinha e fácil de entender”. Por amor de Deus, a Constituição é curtinha sim e tem 200 e não sei quantos anos, mas todo o edifício constitucional americano foi construído com base na jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que fez a integração da Constituição escrita americana.
Ou, se quisermos, até mais radicalmente, no Reino Unido, nem Constituição escrita existe. Tudo o que é Constituição britânica, é pura e simplesmente fruto das práticas e das praxes e procedentes criados do ponto de vista jurídico e judicial.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal Americano é um Tribunal de designação política. É um Tribunal de designação política, é o Presidente dos Estados Unidos que propõe e é o Congresso que tem de fazer audições e que no final aprova ou reprova.
A generalidade dos Tribunais Constitucionais europeus têm fontes de legitimidade democrática, ou parlamentar, ou mista entre o parlamento, o Conselho Superior da Magistratura respetivo e às vezes o próprio Chefe de Estado.
Eu estou disponível para discutir se o sistema atual, 2/3 no Parlamento para os 10 primeiros e os 10 primeiros cooptam ostrêsseguintes, se é o melhor sistema, ou se não é o melhor sistema.
Agora, o que não me parece justo é criar a ilusão de que há um qualquer sistema tão puro, tão puro, que seria possível implantar na escolha dos juízes do Tribunal Constitucional.
E depois vejam a vantagem, vejam a vantagem. Depois, quando o PSD passar à oposição, vocês vão-se divertir imenso, com o que o Tribunal Constitucional vai fazer ao governo do PS.
[RISOS, APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Dr. António Vitorino, nós temos uma praxe de cortesia que é deixar a última palavra ao nosso convidado e, portanto, eu não torno a usar a palavra e a ocupar este microfone depois de si, e é esta, portanto a oportunidade que tenho, para uma vez mais e publicamente para lhe agradecer a vinda aqui à nossa Universidade de Verão de 2014. Agradecer-lhe todas as respostas que nos deu e ainda as duas últimas que nos vai dar.
Recordar-vos a todos, que amanhã recomeçamos os nossos trabalhos às 10h da manhã com a aula de economia com o Professor Daniel Bessa.
E convido a usarem da palavra os Grupos Laranja e Azul, a Ana Lourenço e o Tiago Pinto Reis.
[APLAUSOS]
Ana Lourenço
Boa noite Dr. António Vitorino.
A pergunta do Grupo Verde é sobre a sua experiência como eurodeputado, Laranja, peço desculpa…
[RISOS, APLAUSOS]
Foi só porque estávamos a falar em economia sustentável e eu lembrei-me do "verde”.
A pergunta é, quais são as maiores dificuldades de um Eurodeputado português, na defesa dos interesses nacionais de um país mais de periferia perante um grande número de deputados de países continentais, ou seja, do centro da Europa?
Obrigada.
Tiago Pinto Reis
Boa noite, desde já gostaria de cumprimentar o nosso convidado, Dr. António Vitorino e dizer-lhe que é sempre um prazer tê-lo cá, embora numa tentativa, agora não tão secreta, de nos desorganizar.
[RISOS]
Eu devo confessar que também temia um bocado quando o Grupo Amarelo fez a pergunta deles, mas pelos vistos não, só abriu um bocadinho o caminho para a minha.
Bem e começa assim: como será do seu conhecimento, em Janeiro, a Comissão Europeia enviou para os 28 países da União Europeia umas propostas, ou umas recomendações para os países redobrarem os esforços contra o combate na luta contra a violência extremista.
E não estando nós num regime federalista, e muito menos havendo umas leis comunitárias que nos previnem contra isso, como poderão os Estados Membros aplicarem medidas comuns, eficazes, para conter o radicalismo, não violando as suas leis nativas?
Obrigado.
[APLAUSOS]
António Vitorino
Muito obrigado.
Bom, o problema, neste momento, é que existe uma certa confusão no meu partido, não sei se já repararam, se aquilo já estivesse estabilizado, eu hoje até já levava um "mais” na caderneta, porque conseguir que alguém confunda o laranja com o verde (!)
[RISOS]
Vamos lá, minha querida, não leve isto a mal, eu não estou a querer pô-la em cheque. Eu depois deixo aqui uma palavra simpática aqui ao Reitor.
[RISOS]
É só porque eu achei que era uma oportunidade de aqui dizer uma boa piada.
[RISOS]
Quanto às dificuldades de um Eurodeputado português, é evidente que algumas dificuldades existem específicas.
Por exemplo, a necessidade de os Grupos Parlamentares portugueses cobrirem todas as Comissões fundamentais do Parlamento Europeu, nós só temos 21 Deputados, distribuídos por vários partidos, felizmente.
E, portanto, há ai uma dificuldade de poder acompanhar todas as Comissões que têm relevância para a vida política nacional.
De todo o modo devo dizer, e falo aqui ao lado de alguém que podia responder melhor que eu a essa pergunta, primeiro porque foi sempre o melhor Deputado Europeu do que eu, e em segundo lugar porque tem uma longa experiência de Deputado Europeu.
Mas eu acho que nós não podemos, o primeiro requisito para ser eficaz é recusar terminantemente a ideia de que somos um deputado da periferia. Recusar terminantemente. Não temos nada a dever aos outros, nem que pedir licença aos outros, estamos ali com a mesma legitimidade e com a mesma vontade política de evoluir na construção do projeto europeu.
[APLAUSOS]
E a partir dai é o que cada um souber pedalar. É evidente que há uns que pedalam melhor que outros, isso é óbvio, mas isso faz parte das regras da vida…
O que talvez seja a minha mágoa em relação ao Parlamento Europeu é que nós nunca conseguimos, nem mesmo nestas últimas eleições, fazer passar junto da opinião pública portuguesa a importância efetiva que o Parlamento tem nas nossas vidas coletivas.
E, portanto, o síndroma das eleições de segunda classe, que está presente nas eleições para o Parlamento Europeu, não corresponde hoje à realidade efetiva do que se passa, do que são os poderes do Parlamento Europeu e de como eles têm impacto na nossa vida quotidiana.
E esta distância que existe em relação ao Parlamento Europeu por parte dos cidadãos, e vice-versa, é talvez a maior dificuldade que um Eurodeputado português tem, como é a maior dificuldade que tem um Eurodeputado italiano, um Eurodeputado sueco, ou um Eurodeputado britânico.
Quanto à questão da luta contra a violência extremista.
Repare, eu acho que se fizeram alguns progressos nesse sentido.
Porque, por exemplo, hoje existe uma legislação europeia que criminaliza o racismo e a xenofobia, em todos os Estados Membros da União Europeia, com uma moldura penal relativamente aproximada e que impõe que as autoridades nacionais e as autoridades europeias cooperem na troca de informações sobre os grupos racistas e xenófobos, designadamente aqueles que recorrem a métodos violentos.
Isso atinge um conjunto de áreas, não só o racismo e a xenofobia, mas o terrorismo em primeiro lugar, e nos dias em que estamos a falar, este é um fator de grande perturbação.
Na Europa, nós temos um fenómeno complexo do chamado "home grown terrorism”, o terrorismo nativo, o terrorismo gerado aqui, no próprio continente Europeu.
Os três terroristas que fizeram o atentado de Londres, em 2005, por exemplo, eram cidadãos britânicos, nascidos no Reino Unido.
Tinham feito toda a sua vida escolar e até profissional também no Reino Unido.
E que tinham sido doutrinados para o radicalismo islâmico, nas mesquitas clandestinas de Londres e que depois foram fazer uns estágios de treino nas madraças do Paquistão e fizeram os atentados terroristas de Londres de 2005.
Dai para cá a situação piorou, porque hoje a doutrinação já não é mais feita em mesquitas clandestinas, nas garagens dos subúrbios de Londres.
Hoje em dia, o principal instrumento de radicalização é a internet, é a rede de contactos e de sites que promovem a radicalização e a adesão ao fundamentalismo islâmico.
E, hoje, infelizmente, há um conjunto de sítios, onde há campos de treino para terroristas, designadamente na Síria, no Iraque, ou na Somália, depois de terem existido durante muitos anos no Afeganistão e agora, provavelmente, vão voltar a surgir no Afeganistão.
O problema é que, fechados nas nossas fronteiras e confiando apenas nos nossos polícias, ou nos nossos serviços de informações nacionais, nós nunca seremos capazes de enfrentar esta ameaça transnacional, que é o terrorismo.
E, portanto, eu penso que também neste setor, a União Europeia tem um contributo importante a dar.
Enfim, foi uma parte da minha responsabilidade enquanto eu fui Comissário, e continuo a pensar que continua a ser um dos valores acrescentados que a União Europeia pode dar às nossas democracias e à paz e à estabilidade do continente europeu.
Dito isto, queria só dizer, que espero que o facto da última vez que eu cá estive foi para uma conferência, e, desta vez, terem decidido oferecer-me um jantar revele um "improvement” da minha parte…
[RISOS]
… um esforço que eu fiz para melhorar a minha "performance” e que, portanto, a persistência do Carlos Coelho tenha sido recompensada por um aluno atento e aplicado.