ACTAS  
 
06/09/2014
Portugal no €uro: oportunidades e condicionamentos
 
Dep.Carlos Coelho

No currículo obrigatório da Universidade de Verão há sempre uma aula sobre Europa. Neste ano entendemos que se devia concentrar no Euro, que é um objetivo estratégico para o país. "Portugal no Euro: Oportunidades e Condicionamentos” é portanto o tema da aula da manhã e agradeço muito à Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças Dr.ª Maria Luís Albuquerque, o facto de ter aceitado o nosso convite para estar connosco.

A nossa convidada de hoje tem comohobbiea leitura, como comida preferida o bife na pedra (esperemos que coma a parte de cima)…

[RISOS]

O animal preferido é o gato; o livro que nos sugere é "Viva o Povo Brasileiro”, de João Ubaldo Ribeiro; o filme que nos sugere é "Extremamente alto, Incrivelmente perto”; e a qualidade que mais aprecia é a coragem – e trata-se, sem dúvida, de uma mulher corajosa. Dr.ª Maria Luís tem a palavra, muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito obrigada. Bom dia a todos. Estava aqui a decidir se falava sentada ou se falava de pé. Provavelmente mudo de ideias a meio e depois peço se posso falar de pé. Sobretudo quando estivermos na parte da conversa, que eu gostaria que fosse uma boa parte desta aula de hoje. Provavelmente já será tempo demais para estar aqui sentada porque nunca tive o hábito de dar aulas sentada.

 

Primeiro queria dar os bons dias a todos, dizer que é um enorme prazer estar aqui convosco. Já não dou aulas há muitos anos, não era exatamente neste formato, mas basicamente todas as aulas têm semelhanças entre si: o professor deste lado, os alunos desse lado. Acaba por ser uma boa forma de matar saudades dessa atividade que exerci durante tantos anos.

 

Quando o Carlos Coelho me falou da Universidade de Verão, e quando falámos sobre o tema, eu fiquei um pouco a pensar como abordar a questão das oportunidades e condicionamentos associados ao Euro ou à presença de Portugal no Euro. E quando comecei a fazer uma lista daquilo que poria de um lado e do outro, acabei por chegar à conclusão de que qualquer um dos itens dessa lista pode ser visto como uma oportunidade ou como um condicionamento, independentemente de onde o coloquemos numa primeira abordagem.

 

De facto, quando nós falamos de um país no Euro, numa moeda única, falamos de uma realidade de tal forma complexa – porque a presença no Euro depende de tantas coisas e faz depender dela própria tantas outras coisas – é razoavelmente fácil pensar em cada um desses elementos como sendo uma oportunidade ou um condicionamento. Tendencialmente eu gostaria que Portugal visse a generalidade das questões muito mais como oportunidades.

 

Não que vocês não saibam, não é propriamente uma novidade, mas pela idade que têm não viveram aqueles anos antes da adesão de Portugal ao Euro. Mesmo que se lembrem vagamente da existência do escudo, para as pessoas da vossa geração o Euro é um dado adquirido. Para as pessoas da minha geração não é de todo assim.

 

Começou por ser algo de que algumas pessoas falavam, mas que era absolutamente inconcebível; depois passou a ser um projeto em que alguns participariam, mas que certamente Portugal não estaria em condições; passando depois à fase em que claramente começámos a ter condições. A probabilidade de entrar no Euro com o primeiro grupo de países participantes foi aumentando, até que efetivamente entrámos no Euro.

 

Foi talvez o último período em que tivemos um desígnio, uma vontade, comum. Não necessariamente de todos os portugueses, como é óbvio, mas da esmagadora maioria. E mesmo dentro da política era um desígnio comum.

 

Tipicamente quando há muitas pessoas dentro de um país, mesmo com orientações políticas diferentes, que veem um objetivo como comum, isso motiva o país e torna o alcançar dos objetivos mais fácil – porque o "querer” é uma parte muito importante em tudo aquilo que se consegue; mas também faz com que atingir esses objetivos seja visto como uma vitória de todos. Desde a adesão ao Euro que não há verdadeiramente esse sentimento de desígnio comum nos portugueses.

 

Isso torna o exercício da política e porventura da cidadania mais exigente, mais difícil. É a sensação de que, mesmo que estejamos de acordo, grande parte de nós não consegue sentir que os objetivos traçados por quem está circunstancialmente no poder congregam um sentimento de unidade nacional em seu torno.

 

Eventualmente será responsabilidade de todos nós, eu estou a falar em particular dos políticos, quer dos que estão hoje no Governo, quer os que estão na oposição, de não conseguirem transmitir um sentimento aos portugueses de que há objetivos comuns para os quais vale a pena encontrar consensos e que isso não elimina as diferenças. Não faz com que os portugueses deixem de saber em quem votar, não faz com que não haja alternativa, mas faz com que as alterativas não sejam em torno daquilo em que estamos de acordo porque senão é uma discussão que acaba por se tornar um pouco inútil.

 

Voltando um pouco à memória desses tempos, foi um processo e um sentimento final de vitória quer política, quer económica, quer social quando Portugal se qualificou, utilizando uma linguagem futebolística, para entrar no Euro com o primeiro grupo de países.

 

Enfim, influenciada muito provavelmente não só pelo cargo que desempenho agora, mas também pelas funções profissionais que exerci ao longo de toda a minha vida, eu tendo a olhar muito para estas questões numa vertente financeira. Efetivamente aquilo que mais marcou esse período até à adesão ao Euro e todo o período que se lhe seguiu, em particular a primeira década deste século, foi de facto uma alteração profundíssima das condições financeiras. Não é preciso recuar muito quando pensamos nos anos 80 até ao início dos anos 90, o crédito em Portugal era escasso e era caro. A principal diferença que nós observámos, que todos os cidadãos e todas as empresas observaram à medida que nos aproximámos primeiro da adesão ao Euro e depois no Euro, foi esta alteração profunda das condições de financiamento.

 

Primeiro, nós deixámos de ter barreiras causadas por moedas diferentes, passámos a ter maior liberdade de circulação. O facto de ter uma moeda igual à dos nossos principais parceiros facilita as trocas comerciais, elimina muitos dos constrangimentos que anteriormente existiam e, sobretudo, como digo, passou a haver crédito abundante e barato à disposição das famílias, à disposição das empresas, à disposição do Estado. O que aconteceu foi que se criou de alguma forma, responsabilidade em grande parte das políticas públicas, mas um pouco num sentido de alguma euforia coletiva em alguns casos, um sentimento de que a situação que estávamos a atravessar seria uma situação de melhoria permanente. Ou seja, o rendimento ia aumentar sempre, a vida ia melhorar sempre.

 

Por exemplo, cada casa que se comprava, passados dois, três ou quatro anos valia muito mais, podia-se vender essa e comprar a seguir uma melhor e maior ou num sítio melhor, com o crédito mais barato. E este processo sucessivo criou nas pessoas alguma ilusão de que seria sempre assim.

 

Ora, se há coisa que a História nos ensina é que os períodos de crescimento ou de recessão nunca são eternos. Aquilo a que nós assistimos hoje, fruto de um conjunto de condições políticas e económicas, é que eles tendem a sem mais longos e tenderam durante muito tempo a ser menos acentuados, quer nos picos quer nas depressões. Mas eles existem sempre e houve a ilusão – causada em grande parte pela adesão ao Euro – de que isso não iria acontecer. Nesse aspeto a adesão ao Euro foi uma enorme oportunidade que se transformou num enorme condicionamento precisamente pela mesma razão.

 

Nós tivemos num período muito longo acesso a crédito fácil e barato, isso deu-nos a oportunidade de fazermos investimentos importantes, de criar uma economia mais produtiva, mais forte, mais competitiva. Aquilo em que acabou por resultar é que ao longo de todo este período, e agora refiro-me em particular à primeira década deste século, nós criamos uma economia onde as pessoas tinham mais bem-estar, sentiam maior bem-estar, mas que efetivamente não correspondeu a maior criação de riqueza, não correspondeu à acumulação de capital. Nesse sentido foi uma oportunidade perdida, aquilo que acabámos por ter foi um aumento de endividamento muito significativo das famílias, das empresas e do próprio Estado pela sensação de que a melhoria continua para o futuro permitiria sempre pagar as dívidas que se iam acumulando.

 

Essa foi uma grande oportunidade perdida para Portugal. Perdida porque perdemos competitividade, porque nos preparámos para enfrentarmos não só os desafios de uma zona Euro com uma concorrência mais forte entre todos os parceiros, mas também para os desafios de uma globalização mais abrangente.

 

A crise que começa em março de 2007, tem o momento mais significativo dessa fase inicial em agosto de 2007, mas provavelmente a generalidade das pessoas se lembraria em particular do que aconteceu em setembro de 2008, com a falência do Lehman Brothers. Quando essa crise surge, todos os problemas que se tinham vindo a acumular ao longo de mais uma década, de repente aparecem. E é muito importante que se perceba que os problemas não foram criados pela crise, ou melhor, a generalidade dos problemas não foram criados pela crise, eles foram revelados pela crise, mas já lá estavam.

 

E é importante perceber o que acontece porque essa compreensão é determinante para as soluções, para se perceber o que tem de ser feito, para se perceber o que é razoável esperar do trabalho que se faz e para se perceber que se nós tivemos um ciclo tão prolongado em que achávamos que ia sempre tudo correr bem, era muito difícil que a fase contrária do ciclo fosse demasiado rápida. Não é razoável esperar que assim seja, portanto é normal que a própria recuperação seja ela mesma demorada e que não seja necessariamente um caminho suave de recuperação. É normal que tenhamos avanços, que tenhamos recuos, uma trajetória claramente ascendente, mas não necessariamente um processo sem percalços, sem alguns sobressaltos, sem um passo atrás para dar dois à frente.

 

O que é que acabou por ser um condicionamento importante para Portugal? Foi o não termos aproveitado o tempo longo de crédito fácil e barato para tornar a nossa economia mais competitiva, mais sólida, mais virada para o setor não transacionável.

 

Portugal é uma pequena economia aberta, integrada no mercado europeu, somos um país que na Europa é geograficamente periférico e isso dá-nos vantagens e desvantagens. Primeiro, tivemos durante muito tempo – desde a adesão à então Comunidade Económica Europeia – provavelmente uma atenção excessiva na Europa. Ou seja, nós somos claramente um país europeu, de matriz cultural europeia, geograficamente na Europa, mas somos muito mais do que isso. Uma grande parte do tempo que decorreu até à história bem recente, desde a nossa entrada na Europa, nós virámo-nos completamente para a Europa e esquecemo-nos de manter, alimentar, muitas das outras relações que tínhamos e temos, felizmente e que são importantíssimas também para definir a nossa identidade, o nosso papel e a nossa importância dentro da Europa.

 

E habituamo-nos a ser conhecidos como um país periférico. De facto se considerarmos que a Alemanha é o centro, Portugal é periférico. Mas se pensarmos numa dinâmica mais global eu diria até que nós somos até bastante mais centrais do que a Alemanha, quer em termos de localização geográfica, quer em termos da teia de relações económicas que temos, fruto da nossa história passada e mais recente. Houve aqui também uma oportunidade que poderíamos ter aproveitado melhor com esse crédito, com o facto de termos uma moeda forte, com a credibilidade de pertencer a uma moeda forte, aceite e reconhecida internacionalmente.

 

Podíamos e devíamos ter começado mais cedo a focar a nossa atenção não apenas na Europa, em termos particulares de relações económicas e comerciais, olhando também para o que nós podemos potenciar nas nossas relações com o resto do mundo. Porque isso não só é bom para Portugal - por diversificar e por nos ajudar a atravessar situações em que a Europa esteja em crise, mas também porque isso faz com que Portugal seja muito mais importante para a Europa.

 

Quando nós vemos, por exemplo, o que aconteceu no processo de privatizações e o investimento que Portugal atraiu no âmbito desses processos é que nós percebemos que para muitos investidores não-europeus, Portugal tinha uma característica única: permitia a esses investidores aceder em simultâneo à Europa e, por exemplo, aos países africanos de língua portuguesa. Esta característica que é única, que mais ninguém oferece, é uma vantagem de localização de investimento que nós sempre tivemos, mas que talvez não tenhamos sabido explorar adequadamente no passado. É claro que agora temos outras dinâmicas económicas que os países que se apresentam para fazer investimento são aqueles que estão em melhores condições económicas e financeiras, fruto de uma dinâmica que vai muito para lá de Portugal, mas também nos cabe a nós ter um papel ativo e ser capazes de atrair essas oportunidades.

Aquilo que tipicamente é apresentado como condicionamento associado ao Euro é, em primeiro lugar, o facto de termos perdido instrumentos de política económica, a política monetária e a política cambial, naturalmente e também um conjunto de regras a que ficámos obrigados. Eu olho para essas questões mais como oportunidades do que como condicionamentos ou constrangimentos.

 

Há uma analogia que se referia à desvalorização cambial como forma de reforço de competitividade, de ir atirando boias a alguém que não sabe nadar. E quando a boia rebenta, atira-se uma outra boia. A ideia com o Euro é que tivéssemos aprendido a nadar, precisamente por isso é que podíamos prescindir das boias. E de facto isso é uma oportunidade e não um constrangimento: ter uma moeda forte significaria que deixávamos de ter a possibilidade de fazer uma desvalorização cambial.

Mas também significava que a competitividade teria de ser ganha à custa de fatores bem mais robustos do que tornar artificialmente mais baratos os nossos produtos. Era preciso crescer na cadeia de valor, era preciso direcionar a nossa produção de bens e serviços aos mercados alvo, era preciso fazer mais, fazer melhor e ter mais ambição.

Portanto, perder a política cambial é uma oportunidade porque nos obriga a ser mais exigentes em relação àquilo que nós queremos. E muito foi feito: as empresas nacionais fizeram muitíssimo esse caminho. Quando agora nós atravessámos a fase mais aguda desta crise, elas tiveram uma capacidade de – muito rapidamente – se virar do mercado interno para o mercado externo, de ganhar quota de mercado, mesmo quando o comércio internacional estava a diminuir, mesmo quando os países-destino das nossas exportações estavam em recessão ou em crescimento muito fraco. Isso mostra que há uma parte importante da nossa economia que conseguiu dar esse salto e que o fez.

 

Não é, infelizmente, o suficiente e é por isso que nós continuamos a ter alguma fragilidade no processo de recuperação porque há um conjunto de entidades que continuam a estar demasiado dependentes no mercado interno, demasiado dependentes dos setores não transacionáveis e daquilo que mais recentemente tem sido tão discutido que são as rendas.

Fala-se muitos das rendas da energia, das rendas das PPP, mas o conceito das rendas vai muito além disso. Esse tipo de rendas foi muito proporcionado por uma orientação política, pelo poder político. Muitas outras foram consentidas pelo poder político, mas há muitas outras formas de rendas que se criam quando, por exemplo, nós fazemos crescer serviços púbicos para além daquilo que seria necessário à prestação de um serviço eficiente.

 

Isso cria emprego e dá uma ilusão de que a situação está melhor: trata-se de uma forma de criar uma renda. Se nós, com menos pessoas, conseguimos fazer qualquer coisa bem, ou seja, gastando menos recursos, tudo aquilo que se gaste a mais funciona como uma renda nessa área específica. Ao funcionar como uma renda, significa que está a pôr um ónus específico em quem beneficia da produção desses bens ou serviços.

 

Isto foi apenas para vos dar uma ideia que de facto, quando falamos de rendas, não devemos olhar apenas para os casos óbvios: devemos pensar em todas aquelas áreas de setor público ou privado onde visivelmente se gasta mais do que o necessário para a produção de um determinado bem ou serviço. Se não há uma relação eficiente entre os fatores e o resultado: isso é uma renda.

 

Quando acontece no setor público, é uma renda que se traduz em custos acrescidos para os contribuintes; quando acontece no setor privado, ela só é sustentável se for num setor que está protegido da concorrência. Caso contrário, a concorrência acabará por esmagar as margens e retirar do mercado aqueles que sejam menos eficientes e que façam refletir essas ineficiências no preço. Portanto, uma excessiva proteção aos setores não transacionáveis induz um conjunto imenso de rendas dentro de uma economia que desviam recursos, (que são sempre e por natureza escassos), das aplicações que lhes deviam ser dadas.

 

O facto de nós termos tido a possibilidade de sustentar durante muito tempo este tipo de distorções da economia, fez com que tivéssemos perdido a oportunidade. E é muito importante pensar, por exemplo, no contexto em que estamos agora, de que forma é que a maneira como Portugal (e não só, outros países da Europa, eu diria que a maioria), perdeu essa oportunidade dos primeiros anos do Euro.

Para criar economias mais fortes e mais competitivas, qual é o risco de se voltar a repetir?

 

Quando nós olhamos, e é uma coisa que está muito no tema do momento, para a atuação do Banco Central Europeu, o que é que o Mario Draghi está a fazer desde 2010? Está a comprar-nos tempo, o que ele está a fazer à Europa é comprar tempo, é dizer que "eu vou usando os instrumentos que tenho à disposição, vou garantir que há dinheiro suficiente na economia, que há condições para conceder crédito, que o crédito é barato”. Mas atenção, este período em que estas facilidades são conseguidas tem de ser bem utilizado porque ele não pode ser eterno, sobretudo porque se não for bem utilizado, não tem qualquer eficácia.

 

O que quer dizer isto de ser bem utilizado? Isto tem sido referidonvezes, mas frequentemente ignorado. É preciso fazer as reformas estruturais, é preciso aproveitar este espaço e esta janela para, (mais vale agora que nunca), fazer as reformas que vão tornar a economia europeia mais robusta, mais resistente e mais competitiva. E é aquilo que alguns países fizeram mais do que outros.

Portugal fez. Fez por mérito próprio, fez também por imposição externa, mas quando nós comparamos o número e a abrangência das reformas estruturais que foram feitas em Portugal nestes últimos anos com aquilo que muitos dos nossos parceiros europeus não fizeram, claramente podemos dizer que estamos melhor nesse aspeto, que aproveitámos melhor esse período para fazer essas reformas.

 

O que é fundamental aqui é perceber que quando há este espaço, não pode ser utilizado da forma como que foi antes. Não pode ser utilizado para dizer "vamos então adiar os esforço, vamos adiar o resultado, já não é preciso fazer certas coisas, vamos empurrando com a barriga, porque, miraculosamente mais à frente, não sabemos muito bem como, as coisas hão de melhorar”. Não vai funcionar assim! E depois gastamos horas, dias, tempos infindos, aposto que no Parlamento Europeu também, a discutir exatamente o que se quer dizer com determinada afirmação, o que se pode encontrar de flexibilidade aqui ou ali.

 

A ideia no fundo, pelo menos como eu a entendo e ouvi com alguma atenção as mais recentes explicações, a ideia é bastante simples. Efetivamente, temos aqui um apoio do BCE para durante mais algum tempo termos condições para fazer as reformas que têm de ser feitas. Que não podemos de maneira nenhuma permitir que este tempo que nos é dado seja como desculpa para adiar essas reformas.

 

Este tema é importante em Portugal, mas Portugal fez muitas reformas recentemente. É particularmente importante para outros países e é por essa via muito importante para nós. Quando nós temos uma dependência tão grande da economia europeia - o que é absolutamente natural pela razões que já falei aqui hoje da integração económica, cultura, geográfica –, aquilo que acontece aos nossos parceiros é determinante para o que nos acontece a nós.

 

O que nós devemos fazer nesta fase é o nosso papel, garantir que aproveitamos também esta circunstância para que nos posicionemos melhor, para poderem aproveitar todas as oportunidades que o novo ciclo de crescimento trará. Porque vai haver um novo ciclo de crescimento, nós não sabemos exatamente quando. Não será provavelmente, como disse há pouco, um caminho sem sobressaltos, mas haverá um novo ciclo de crescimento e temos de estar preparados para o enfrentar.

 

O grande desafio, até pelas dificuldades políticas que impõem, é conseguir conciliar aquilo que são as expectativas das pessoas, nomeadamente relativamente ao que lhes é mais visível e que mais diretamente impacta na sua vida, que é a política orçamental com a componente fiscal, e aquilo que é o resultado que se pretende a médio prazo e o longo prazo.

 

Conseguir encontrar o equilíbrio adequado entre as expectativas das pessoas no curto prazo, no exercício orçamental anual, no espaço de uma legislatura, com aquilo que deve ser a âncora do espaço mais longo, é o desafio mais difícil.

Eu diria que se Portugal está preocupado com a competitividade, e está seguramente, podíamos olhar para os mais recentes resultados dorankingda competitividade e tirar daí algumas lições. Nós verificamos que, primeiro, subimos quinze posições, o que é em qualquer circunstância, sobre qualquer perspetiva o mérito do país que deve ser evidenciado, que deve ser realçado. Mas depois quando olhamos para os vários indicadores, percebemos que há alguns em que estamos muito perto do topo da tabela e ainda bem. Por exemplo, é de notar que em termos de Educação e Saúde subimos significativamente. Portanto, os alegados impactos muito negativos, as ameaças à escola pública e ao Serviço Nacional de Saúde e tantos chavões que ouvimos por aí, não têm tradução na realidade. Quando se vai comparar com outros países o que se vê é que Portugal melhorou nesses indicadores.

 

Mas depois olhamos para aquele em que fazemos francamente pior figura, que é na parte das finanças públicas. Quando olhamos para a nossa comparação com outros países em termos de défice e de dívida, de facto nós aparecemos no fundo da tabela. Se fizéssemos uma análise desapaixonada e apolítica do assunto, qualquer um responderia que esse seria o tema que teríamos de atacar pois, se é onde estamos pior, é com isso em particular que nos temos de preocupar. Eu acho que é verdadeiramente com aquilo que nos temos de preocupar, mas depois claro que divergimos dos partidos da oposição sobre o que é eficaz ou não para conseguirmos esses objetivos.

 

Claramente que a consolidação orçamental é e tem de ser um objetivo prioritário, a redução de dívida tem de ser um objetivo prioritário porque se olharmos para osrankingsda competitividade ou para qualquer outra medida, aquilo que verificamos é que esses são os elementos que mais nos puxam para baixo, que mais nos condicionam na ação política e no desenvolvimento de outros fatores. Aí temos de claramente concentrar as nossas atenções.

 

Isso liga-nos também à questão dos condicionamentos do Euro porque quando entrámos no Euro e beneficiámos das vantagens de ter uma moeda forte, credível, o acesso a um crédito abundante e barato… Por exemplo, talvez vocês não tenham essa consciência e seguramente não têm essa memória, mas nós chegámos a ter relativamente à dívida alemã a dez anos uma diferença de dez pontos base, chegámos no momento melhor a ter uma diferença tão pequena. O que significa que o mercado não distinguia riscos diferentes, as agências deratingtambém não faziam grande diferenciação. Achava-se que o conjunto de países que partilhava esta moeda e este conjunto de regras, devia ter um nível de risco semelhante e isso era uma enorme vantagem para nós. O choque do mercado foi descobrir que a dada altura isso não era verdade. Que apesar de o risco não estar refletido no preço, ele existia de facto.

Depois a reação claro que foi exagerada e demora muito tempo até encontrar o ponto certo. Mas o risco existia, sempre esteve lá, apenas foi ignorado durante demasiado tempo.

 

Quando nós olhamos para estas oportunidades que o Euro criou, olhamos também para os condicionamentos que habitualmente são vistos como um conjunto de regras a que estamos obrigados. Ter o défice até ao limite de 3%, a ter a dívida pública até ao limite de 60% do PIB, a ter de prestar contas a Bruxelas no sentido de serem escrutinadas as políticas económicas, as políticas orçamentais, de haver recomendações sobre o que cada país deve fazer. Isso é visto como um constrangimento, uma limitação.

 

Fala-se muito da flexibilidade dos critérios. Eu tenho alguma dificuldade em considerar inflexível um critério que Portugal, sendo membro do Euro há mais de quinze anos, nunca cumpriu. Nunca! Uma vez só! Nunca tivemos défice abaixo de 3% desde que entrámos no Euro, ora eu gostava de saber que critério rígido é este que nos permite estar no Euro mais de quinze anos sem nunca ter cumprido.

 

Já para não falar dos 60% da dívida, que são uma memória razoavelmente distante, que foi ultrapassado em 2004. Portanto, custa-me a perceber a noção de falta de flexibilidade, se não houvesse alguma flexibilidade nós já não podíamos estar no Euro ou os critérios tinham sido modificados. Nenhuma das coisas aconteceu.

Ora, o existir essa flexibilidade, o reconhecer que há circunstâncias especiais, que já ciclos económicos, tudo isso tem sido acomodado. Ás vezes nem sempre pelas melhores razões, mas tudo isso tem sido tem acomodado dentro da Europa, em relação a Portugal como em relação a muitos outros países.

 

Portanto, as regras que existem, (tendo sido reforçadas na recente crise porque se verificou que era útil que fossem reforçadas), são, como a evidência demonstra, flexíveis. Quando olhamos para as obrigações em termos de défice, nós vemos que aquilo que é verdadeiramente a obrigação de um país é naturalmente, para sair do procedimento por défice excessivo, passar a ter um défice inferior a 3%. Mas aqui é a obrigação dentro do pacto orçamental é conseguir em cada ano um ajustamento no saldo estrutural, ou seja, para fazer as contas desconta-se aquilo que é o efeito negativo ou positivo do ciclo económico e descontam-se as medidas de caráter extraordinário, aquelas que são irrepetíveis. O que se pretende é perceber qual é a tendência de fundo, em que sentido é que as finanças púbicas de um determinado país caminham. Essa flexibilidade existe.

 

Quando olhamos para o critério da dívida, que é muito pouco falado, nós estamos obrigados a reduzir em vinte anos o rácio da nossa dívida no PIB para os 60%. Como é que se observa o cumprimento deste critério? Temos de dividir o diferencial 60 até ao que temos por 20 e fazemos uma observação da média de três anos. Ou seja, não tem de ser todos os anos porque se reconhece que, pelos efeitos extraordinários ou pelos efeitos do ciclo, pode haver um ano ou outro que não se consiga. Mas numa média de três anos temos de conseguir.

 

Isto dá, pela própria definição das regras, flexibilidade. Portanto, a ideia de que as regras são rígidas, que são imposições, que não têm em conta a realidade, simplesmente não é verdadeira. Lendo as regras verifica-se que esse realismo existe.

 

E existe a preocupação de, enquanto se caminha neste sentido da consolidação orçamental, serem feitas as ditas reformas estruturais que melhorem a competitividade. Porque há uma óbvia interligação entre as coisas, claro que a consolidação orçamental num cenário de recessão persistente, prolongada, é um exercício muito mais difícil de obter. Mas olhando para o caso português essa recessão já passou.

 

Estamos com um crescimento baixo? Estamos! Não temos o dinamismo que gostaríamos de ter? É verdade, não temos! Mas não temos nós, não têm os nossos parceiros europeus e não tem neste momento o mundo em geral e o resto das economias. Não seria de esperar que sendo Portugal uma pequena economia aberta muito exposta ao exterior, conseguisse fazer tão melhor do que todos os outros. Mas mesmo assim fazemos.

 

Ainda ontem ou anteontem saíram os dados do Eurostat que mostram que a média de crescimento da Europa foi 0% e nós crescemos 0,6% no segundo trimestre. Nós conseguimos de facto fazer melhor, não tão melhor do que gostaríamos, mas fizemos melhor, o que significa que estamos a convergir para os níveis dos outros.

Eu não pretendo aqui dar uma visão demasiado otimista daquilo que tem sido conseguido, mas parece-me que uma visão demasiado pessimista não é construtiva e, sobretudo, não é justa. Fez-se muitíssimo em matéria de consolidação orçamental.

 

Eu posso-vos dizer pela minha experiência pessoal que no ano de 2011 e no ano de 2012 as surpresas eram permanentes. Apareciam constantemente coisas com que não estávamos a contar. Coisas que de repente apareciam nas contas públicas. Era mais uma dívida que por acaso ninguém sabia que existia, era mais um atraso de pagamentos escondido algures, que de um momento para o outro aparece refletido nas contas públicas, era mais uma entidade que escapava ao escrutínio e de onde surgiu de repente um problema pelo qual necessariamente as finanças públicas são responsáveis...

 

Hoje posso-vos dizer, sendo certo que as surpresas são coisas que não se antecipam por definição, que tenho uma grande confiança de que não há margem de grande dimensão a esse nível. Nós já conseguimos um grau de abrangência, de compreensão, de informação daquilo que é efetivamente o perímetro das responsabilidades públicas que temos muito mais espelhado nas contas, mas muito menos coisas à espera de nos saltar dentro de caixas, armários, gavetas e tudo quanto se abrisse.

 

É um progresso extraordinário porque mostra que os números que temos são números reais e que não vão mudar porque aparece uma surpresa amanhã e saltar não sei quantos pontos do PIB. Esse progresso é muito importante porque é a correção daquilo que foi feito no passado, dos processos de desorçamentação que faziam com que nós ficássemos menos longe dos objetivos traçados – realço o "menos longe” porque mesmo com a desorçamentação toda não os cumprimos -, mas de forma apenas aparente.

 

Quando fizemos políticas públicas de infraestruturação do país e pusemos a dívida na REFER nas Estradas de Portugal ou, no caso dos transportes, na CP, Carris, nos STCP, naquilo que era uma obrigação do Orçamento de Estado, que era onde essas despesas deviam estar refletivas porque eram investimento público e tudo isso estava fora do orçamento. Agora está tudo dentro, claro que isso fez crescer a dívida, claro que isso fez crescer o défice, mas isso está identificado, conhecido, registado, transparente. Obriga a um maior escrutínio, reduz os custos associados, aumenta a eficiência dos recursos. Está limpo que foi aquilo que nós encontrámos quando começámos o nosso trabalho.

 

Portanto, e andando muito aqui à volta do tema porque de facto tenho alguma dificuldade em espartilhar o tema dos condicionamentos e das oportunidades apenas numa lista, eu diria que nós temos um pouco tradicionalmente a tendência de olhar para qualquer coisa procurando sempre o lado negativo: "vamos ver de que forma é que este elemento particular me limita ou me constrange” e temos menos tendência a olhar para as coisas como oportunidades.

 

Há aqui também uma questão de atitude que vocês, a nova geração, podem fazer uma diferença importante, tentar olhar para os condicionamentos, como normalmente são apresentados, como oportunidades de fazer melhor e menos para os aspetos negativos que possam ter.

Eu recuso-me a acreditar que não seja possível a Portugal ultrapassar as dificuldades que tem em matéria de consolidação orçamental.

 

Quando eu oiço as discussões no Parlamento de que não podemos ter um saldo primário assim porque nunca tivemos, eu acho que dificilmente há argumento mais pobre. Não conseguimos porque nunca conseguimos antes? Então fazemos o quê? Desistimos? Qual é a alternativa que se coloca à frase de "não conseguimos”? Já ouvimos várias. Por exemplo: "não pagamos”, o que do lado dos credores pode ser um bocadinho desagradável... nós também não gostamos que não nos paguem aquilo que nos ficaram a dever.

 

E, sobretudo, falta o resto da conversa: o que fazer a seguir quando decidimos que não pagamos a dívida ou que a pagamos nas nossas condições impostas agora e não nas condições que contratámos na altura? Como é que nós vamos conseguir financiar as necessidades daqui para a frente? Como é que vai ser essa situação? Como é que nós vamos conseguir ter um orçamento mais equilibrado e o que é que vai alimentar o crescimento nessas circunstâncias?

 

A discussão só pode ser tida se for levada nos seus vários passos, não pode ser simplesmente "assim não conseguimos” ou "assim não pode ser”, "estamos sufocados pela dívida e portanto não pagamos”. E depois? Ninguém pode ter uma discussão séria se não discutir o que é que acontece depois. E eu, pessoalmente, acho que seria muito útil que essa discussão fosse tida no Parlamento.

 

Acho que o Parlamento seria o local certo para se fazer um debate sobre a dívida. Eu não lhe chamaria nem a renegociação, nem a restruturação, nem coisa nenhuma, falaria simplesmente da dívida. Cada um podia apresentar as suas soluções, mas de uma forma estruturada e de preferência com exemplo de países que o fizeram, onde correu bem e onde correu mal, e de que forma podem ser comparados ao caso português – porque há casos de sucesso e casos de insucesso e provavelmente todos têm lições importantes.

 

Recuso-me a aceitar que do conjunto de oportunidades e condicionamentos que representa a presença de Portugal no Euro, que os condicionamento sejam a parte dominante, que nos impeça de aproveitar as oportunidades e que simplesmente não há solução. Claro que há solução, mas claro que não há soluções mágicas, não há soluções fáceis e não há soluções sem sacrifícios, sem passar por fases complicadas. O que temos de saber fazer é geri-las o melhor possível, fazer com que os sacrifícios não sejam injustamente distribuídos, na medida daquilo que está ao alcance das autoridades e do Governo. Fazer com que os mais desprotegidos tenham os mínimos garantidos, mas não é possível conseguir equilibrar desequilíbrios profundos sem passar por uma fase razoavelmente longa e com dificuldades.

 

Isto não é dizer que não há solução, é exatamente o contrário, é dizer que há solução, que vale a pena trabalhar para ela e que somos perfeitamente capazes. Para o "dizer que não somos” é que eu não consigo encontrar justificação. Olhar para as metas e dizer que não conseguimos cumprir? Porquê? Os outros países cumprem e nós não conseguimos cumprir porquê? Não somos menos do que ninguém, não somos menos inteligentes, não somos menos capazes, não somos menos trabalhadores, não somos menos do que nenhum de nenhuma outra nação da Europa.

 

Todos os outros passaram por enormes dificuldades, alguns conseguiram superá-las e outros não conseguiram ainda, mas conseguirão certamente. Portanto, é sempre não desistir! Quando elencarem condicionamentos e oportunidades olhem para os condicionamentos como oportunidades porque essa é provavelmente a melhor forma de evitar que eles resultem naquilo que não deviam resultar, na desistência ou num acumular de problemas até ao momento em que deixam efetivamente de ter solução.

E agora gostava que pudéssemos interagir um bocadinho.

 

[APLAUSOS]

 
Hugo Soares

Muito obrigado, Dra. Maria Luís.

Vamos agora iniciar as perguntas do tempo regular e para a primeira pergunta tem a palavra o António Coutinho do Grupo Bege.

 
António Coutinho

Bom dia a todos, em especial à Professora Maria Luís Albuquerque pela sua presença e pela sua esclarecedora palestra.

Portugal após o 25 de abril de 1974 apresentou sempre défices orçamentais, tendo isto levado o país à atual situação financeira. Torna-se assim indiscutível a necessidade de reduzir os gastos públicos.

 

Sendo a esmagadora maioria da despesa pública constituída por despesas sociais, parece-me difícil manter o atual Estado Social. Como é possível manter o Estado Social e, simultaneamente, reduzir consideravelmente a despesa pública e a carga fiscal para incentivar o investimento privado e promover o crescimento económico?

É possível evitar o fim do Estado Social? Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito obrigada, António.

A sua pergunta é excelente e é em si mesma o tema de um debate inteiro ou vários, seguramente. Eu gostaria de lhe colocar a pergunta ao contrário, sem a consolidação orçamental como sustentar o Estado Social?

Nós tendemos a olhar para as medidas restritivas de despesa, ou muita gente tende a olhar, como uma ameaça ao Estado Social. O que realmente ameaça o Estado Social é a insustentabilidade das finanças públicas. Se não houver capacidade de manter orçamentos tendencialmente equilibrados, se não houver capacidade de recorrer ao financiamento, em particular nas fases em que a economia estiver a atravessar dificuldades, como é que nós mantemos o Estado Social?

 

A manutenção do Estado Social exige a redução da despesa, exige a redução da carga fiscal. Não é possível mantê-lo sem isso porque ele não se mantém apenas porque nós queremos, apenas porque está escrito numa lei por mais importante que essa lei seja. Não se sustenta só com isso.

 

Quando olhamos para a estrutura da nossa despesa verificamos que temos 70% da despesa em salários e pensões, sendo que as pensões, dada a nossa dinâmica demográfica, tendem a assumir um peso cada vez maior. Apesar das várias reformas que foram sendo feitas e do montante determinado por cada nova pensão, em comparação com o salário, têm vindo cada vez a ser mais baixas. Mas a própria dinâmica demográfica leva a que o peso das pensões vá aumentado.

 

Olhamos para esta despesa que tem 70% de salários e pensões e dizemos que temos de conseguir todo o esforço de redução da despesa nos outros 30%. Nos outros 30% estão muitas das despesas de saúde, alguma coisa de despesas de educação, a maior parte daí é salários e por isso uma boa parte já está nos outros 70%. Mas temos muitas despesas de saúde, temos os famosos e mal afamados consumos intermédios nas contas nacionais e aquisição de bens e serviços nas contas públicas, mas que estamos a falar essencialmente da mesma coisa. Temos naturalmente os juros da dívida, pois se a contraímos temos de arranjar forma de a pagar sob pena de não podermos continuar a financiar-nos.

 

Como é que conseguimos compatibilizar a necessidade de consolidar as contas públicas para preservar o Estado Social com o facto de não conseguirmos efetivamente ir muito longe nos 70% que estão de um lado e termos de concentrar todo o esforço nos restantes 30%? Não vai ser possível, eu estou convencida de que é apenas uma questão de tempo. Ao nível dos salários nós vamos conseguindo evoluções positivas, quer porque tem sido possível aplicar algumas medidas, quer porque não se coloca o problema de sustentabilidade da mesma forma. Nós vamos adequando os recursos da Administração Pública, poderemos vir a ter menos gente, podemos ter os recursos organizados de outra maneira e efetivamente não é um problema de sustentabilidade da mesma forma.

 

Quando olhamos para o caso das pensões, já estamos a falar de um tipo de problema completamente diferente. Ainda assim, fora destes dois itens já só temos 30%.

 

Se nós levássemos isto ao limite e pudéssemos cortar os outros 30%, nós estaríamos a pagar imensos salários a pessoas que não podiam fazer absolutamente nada. Pagávamos aos técnicos de saúde, mas não tínhamos dinheiro para os medicamentos, para os equipamentos. Pagávamos aos professores, mas não tínhamos dinheiro para manter as escolas abertas. Portanto, a margem de corte nos restantes 30% também tem limites, as ditas gorduras também têm limites. Portanto, quando olhamos para coisas com esta dimensão, é importante perceber que um resultado eficaz exige que se possa ter uma intervenção sobre aquilo que é a parte maior e isso, realço, a bem da manutenção do Estado Social.

 

A maior ameaça ao Estado Social é a insustentabilidade das contas públicas. Se nós voltarmos a chegar alguma vez à situação em que estivemos em 2011, à iminência de uma bancarrota, não há Estado Social. No dia em que não houver capacidade de endividamento ou de produção interna para manter essa riqueza, deixa de haver pensões e deixa de haver Serviço Nacional de Saúde. Simplesmente não há dinheiro para pagar.

 

Se queremos manter o Estado Social, e queremos, temos de consolidar as contas públicas e temos de responder à pergunta que é a mais difícil: O que é que nós queremos do Estado e quanto é que estamos dispostos a pagar para o ter? Porque uma coisa não se desliga da outra, não podemos dizer que queremos que o Estado nos dê tudo e que queremos pagar muito poucos impostos porque depois a equação não fecha. A aritmética tem destas coisas, obriga a que as somas batam certo. Como conciliar as duas coisas? A pergunta pode ser feita ao contrário, como preservar o Estado Social sem consolidar as contas públicas e garanto que para essa pergunta ninguém ter resposta, pelo menos uma resposta séria.

 
Hugo Soares
Grupo Laranja, António Afonso.
 
António Afonso

Bom dia a todos, cumprimento de um modo especial a Dra. Maria Luís Albuquerque.

Que medidas deve adotar o Banco Central Europeu para regular o sistema financeiro. Muito Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito obrigada, António.

O papel do BCE e do sistema financeiro é de facto muito importante. O BCE agora, como entidade que vai já assumir a partir de Novembro a supervisão dos bancos dos países da zona Euro e de mais alguns que aderiram ao mecanismo de supervisão único europeu.

A crise que estamos a viver hoje foi despoletada por uma crise no sistema financeiro que entretanto foi evoluindo para primeiro uma crise do sistema financeiro, uma crise de finanças públicas e uma crise na economia real. Mas não nos esquecemos, naturalmente, da origem desta crise e que o sistema financeiro foi ao mesmo tempo parte do problema e tem de ser parte da solução.

 

Independentemente das questões ideológicas, o sistema financeiro é absolutamente crítico em qualquer sociedade moderna e desenvolvida. Não podemos viver sem sistema financeiro. Portanto, não há aqui uma questão de juízos morais ou de outra natureza: é uma questão de evidência. Um país para ter uma economia saudável precisa de ter um sistema financeiro saudável.

 

O que é que o BCE pode fazer nessa matéria? Primeiro, todo o enquadramento de regulação tem vindo a ser profundamente alterado nestes últimos anos.

Têm sido acordadas na Europa várias diretivas, que depois são transpostas para o enquadramento legislativo nacional, relacionadas com o capital dos bancos, em particular com os requisitos de capital, com a forma de lidar com este tipo de instituições financeiras quando têm problemas. Pretende-se preservar, e isso tem sido uma ideia política muito vincada e que esteve na origem das alterações da legislação e que explica aquilo que aconteceu recentemente em Portugal, que é os custos do sistema financeiro não devem ser passados para os contribuintes. Obviamente que estamos a falar dos custos diretos porque se o sistema financeiro tiver problemas, a economia sofre e, por essa via, os contribuintes. Mas não devem ser os contribuintes a ser chamados diretamente a pagar.

 

Essa solução de emergência que foi encontrada no início da crise, foi substituída por outras soluções, que são aquelas que hoje existem, e que se destinam precisamente a retirar dos contribuintes o ónus de fazer face aos problemas do sistema financeiro.

 

Como é que o BCE pode contribuir para que esses problemas sejam minimizados, controlados para futuro. O mecanismo de supervisão única garante que existem regras comuns para todos os bancos supervisionados dentro da Zona Euro e mais alguns que se queiram juntar a este mecanismo. Essa harmonização de regras de supervisão torna o ambiente concorrencial mais saudável, o que é benéfico para a atividade.

 

Depois, temos um outro pilar que é o mecanismo de resolução: o acordo para um fundo de resolução único e que será mutualizado ao longo do tempo. Ou seja, uma situação como aconteceu em Portugal com o BES, neste Verão, cujo custo final, qualquer que ele seja, será suportado pelo sistema financeiro português. Se acontecer em qualquer país, em Portugal ou outro, daqui a dez anos, o custo é distribuído por todo o sistema financeiro da Zona Euro. Isto faz obviamente toda a diferença.

 

Estes dois elementos da União Bancária, a supervisão única e a resolução também única, são dois pilares essenciais para resolver um dos grandes problemas que nós temos neste momento que é o problema da fragmentação financeira e da diferença das condições de crédito entre os vários países da Zona Euro. O que o Banco Central pode fazer é continuar a monitorizar as regras e a ver se elas precisam de ser melhoradas e adaptadas, garantir que elas são efetiva e corretamente aplicadas em todo o espaço. Pôr o selo da sua credibilidade nessa verificação para todos os países. Eu não estou aqui a falar do caso português em particular, estou a falar do caso europeu em geral. Uma vez que esta supervisão é exercida ao nível central, é também puxado ao nível central a responsabilidade pelos problemas que surjam.

Falta um pilar nesta União Bancária que é fundamental, que é ter um sistema de garantia de depósitos também mutualizado. Ou seja, um banco num país qualquer, na França, na Itália na Espanha tem um problema e há um fundo europeu que responde para garantir esses depósitos. Isso ainda não existe, ainda não foi possível calendarizar a existência, foi uma discussão que teve de ficar adiada, mas qualquer dia temos de voltar. A União Bancária tem de ter estes três pilares e neste momento ainda só tem dois. Ainda assim, se olharmos para aquilo que era a situação há três anos, fizeram-se progressos absolutamente extraordinários e o que agora tem de ser feito é aplicar na prática e com rigor tudo aquilo que já foi decidido.

 
Hugo Soares
Do Grupo Azul, Rita Mouro.
 
Rita Mouro

Bom dia a todos. Quero cumprimentar a Sra. Ministra pela sua presença e a pergunta do Grupo Azul é a seguinte.

Sendo a Educação uma área de significativo interesse para o país, sobretudo no caso do Ensino Superior, que proporciona grandes centros de desenvolvimento tecnológico que representam o futuro do país em muitos e importantes aspetos, não considera que deveriam ser evitados os frequentes e sucessivos cortes nesta fatia do Orçamento de Estado? Qual a sua opinião? Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Rita.

Bom, eu teria várias outras áreas onde provavelmente se poderia aplicar o mesmo argumento. Ou seja, no ensino básico também não devíamos cortar verbas, o ensino básico é essencial. Aliás, ninguém chega ao ensino superior sem ter passado por lá. Embora nalguns casos pergunta-se como, mas enfim, não é suposto.

 

[RISOS]

 

Depois olhamos para a saúde e dizemos que não podemos cortar, não há nada mais importante do que a vida humana. Estamos todos de acordo. Depois olhamos para a cultura e levantam-se imensas vozes, e bem. A cultura é a alma do povo, é o nosso legado histórico e, portanto, aí também não devemos cortar. Depois olhamos para as pensões e dizemos que não, que aí também não pode ser porque as pessoas têm as espectativas formadas, são pessoas mais velhas.

 

Tudo isto são excelentes argumentos, eu não estou a dizer isto no sentido irónico, são objetivamente excelentes argumentos. E o mesmo se aplica à generalidade das áreas da despesa pública e aquelas para as quais eventualmente não haja um argumento com a mesma validade, são tendencialmente irrelevantes.

 

Se é possível evitar cortes no ensino superior? Não, nem no ensino superior nem no resto. O que é pedido ao ensino superior e ao resto é que façam mais e melhor com menos, mas não é só ao ensino superior, é ao ensino básico, à saúde, é à generalidade das áreas onde há uma intervenção pública. É pedido que sejam mais eficientes, que consigam produzir mais e melhores resultados com recursos mais reduzidos que obrigam também a uma melhor gestão.

 

O ensino superior tem uma extraordinária importância, tem tido uma evolução fantástica. Todos os dias vemos notícias que mostram como o nosso ensino superior está a ganhar reconhecimento internacional e tem tido também um enorme palco mediático que faz com que aquilo que parece ser, não seja necessariamente aquilo que é.

Portanto, eu diria que o ensino superior, como todas as outras áreas, vive num país que tem fortíssimas restrições de recursos e deve adaptar-se. Isso não lhe retira importância. Aliás, o facto de ser ensino superior dá-lhe uma responsabilidade acrescida porque estamos a falar da elite do país. Esses devem ser os primeiros a compreender as dificuldades e a estar do lado que quem as quer resolver. Obrigada.

 
Hugo Soares
Do Grupo Castanho, Miguel Mendes.
 
Miguel Mendes

Bom dia, Sra. Ministra. Antes de mais, tenho de elogiar a clareza na sua exposição.

O BCE é a entidade responsável pela condução da política monetária da Zona Euro que é constituída por dezoito Estados, responsável por dezoito políticas orçamentais distintas. Como é que se pode garantir a sustentabilidade da moeda única no longo prazo, sem uma política orçamental única para toda a Zona Euro? Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Muito boa pergunta. Espero que estejam a tomar notas para marcar debates porque as perguntas, cada uma delas, dava seguramente para ter um debate autónomo.

Como é que é possível? É um desafio maior ter uma política monetária única sem ter uma política orçamental única.

Se o caminho da Europa será uma política orçamental única ou não é algo que não podemos saber. Eu não acho que seja impossível, mas não é uma ideia consensual.

 

Há quem defenda um mecanismo mais federalista, em que haja uma política orçamental única, mesmo com a autonomia dos diferentes países. Há quem entenda que a política orçamental deve ser mantida no domínio nacional. Na verdade, aquilo que importa aqui é perceber quais são as diferenças entre as políticas orçamentais que podem ter impactos negativos na política monetária. Não são as diferenças pequenas ou as diferentes formas de chegar a um determinado objetivo, que necessariamente têm um impacto na política monetária.

 

Quando nós olhamos para a legislação mais recente que tem vindo a ser produzida, as regras têm vindo a ser reforçadas desde o início da crise. Vocês ouvem falar constantemente do pacto orçamental, do Two Pack, do Six Pack, do Semestre Europeu, dos procedimentos por défices excessivos, do procedimento dos desequilíbrios macroeconómicos excessivos, dos mecanismos de alerta, das recomendações aos Estados-Membros. São mecanismos, regras que existem na Europa para orientar as políticas orçamentais, em particular, de forma a que elas sejam coerentes entre si e não ameacem a política monetária.

 

É um exercício muito mais difícil, mas foi por isso que quando nós entrámos numa moeda única, decidimos à partida que iriamos cumprir um conjunto de regras comuns: iriamos ter o défice controlado até um determinado nível, que iriamos ter a dívida controlada até a um determinado nível. Todos nós entrámos voluntariamente no Euro e todos nós nos comprometemos a cumprir essas condições. Portanto, foi reconhecido desde o início que o controlo da política orçamental dentro de cada Estado-Membro era condição fundamental para uma política monetária única.

 

É possível, estou convencida de que é possível, ter uma política monetária e ter o Euro perene, que não volte para trás, com políticas orçamentais autónomas, mas é fundamental que as regras sejam cumpridas. Elas não foram estabelecidas por capricho, não existem por alguma noção de sadismo dos poderes públicos que gostam de introduzir restrições nos países, elas existem por muito boas e válidas razões económicas. A não ser assim, a política monetária única, a existência de uma moeda única fica claramente ameaçada.

 

Até que ponto é que a harmonização das regras constituem em si mesmo uma política orçamental única? Esta é uma segunda parte da questão. Em boa verdade, o cumprimento rigoroso das regras faz com que a política orçamental, não sendo única, seja muitíssima aproximada. A margem de manobra que fica fora disso não é tão significativa. E daqui a alguns anos poderemos estar a discutir em termos completamente diferentes e a transição entre aquilo que temos e aquilo que viermos a ter ser bem menos abrupta do que aquilo que as pessoas imaginam.

 
Hugo Soares
Grupo Encarnado, Tomás Portas.
 
Tomás Portas

Bom dia a todos, bom dia Sra. Ministra. Desde já, é um privilégio poder estar consigo novamente. Da última vez, foi na justificação do Orçamento de Estado na Distrital de Lisboa da JSD e na altura perguntei-lhe acerca do IVA na restauração, que é uma medida com a qual nunca concordei. Penso que já estava na altura e penso que já podia ser revisto em baixa novamente.

A minha pergunta era basicamente o que o meu colega perguntou, se valia a pena haver uma política monetária semelhante, sem sermos os Estados Unidos da Europa. Fui forçado a improvisar.

Falou nos critérios de convergência, é certo que os critérios para Portugal chegaram a duplicar. Na dívida ouvimos 60% e multiplicámos para 120%, o défice passou de 3% para 6%. Quanto à inflação e às taxas de juro pouco voláteis, não há grande coisa a dizer. Considera que foram demasiado benevolentes connosco e que o país podia não estar nesta situação se os critérios tivessem sido cumpridos?

Eu pergunto porque é que nos deixaram ser tão displicentes? Qual era o interesse que eles tinham em nos manter na Zona Euro? Sinceramente eu não consigo perceber muito bem.

A minha pergunta é: Considera que os critérios estão errados e que merecem ser revistos ou que devem ser implementadas coimas para quem não as cumpra? Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Eu diria que a nossa discussão sobre o IVA da restauração evoluiu pouco, ao contrário de outras coisas. Mantemos mais ou menos a mesma posição que na altura da apresentação do Orçamento para 2013.

 

Sobre se temos vantagens na alteração das regras, se deveríamos ter sido mais exigentes connosco com o cumprimento das regras? É importante percebermos que a dimensão de Portugal dentro da Europa faz com que aquilo que nos acontece tem relativamente menos importância do que aquilo que acontece a um país grande. Uma ameaça significativa à economia da França causa maiores preocupações à Europa do que uma ameaça à economia portuguesa. As coisas são o que são, ser pequeno tem vantagens e desvantagens como tudo na vida. Tem potencialidades e condicionamentos, tal começou a nossa conversa de hoje.

 

Se os critérios devem ser aplicados? Devem. É verdade que quando eles foram relaxados, eles não o foram por nossa causa, estávamos a falar de países grandes. Mas tal como aconteceu em 2009, tal como alguns quiseram interpretar, a propósito das palavras de Mario Draghi em Jackson Hole, há bem pouco tempo, é preciso perceber que os critérios são os mesmos, mas o impacto das decisões aplicadas em cada país não é o mesmo. O espaço orçamental não é o mesmo porque a nossa posição de partida não é a mesma. Era bem mais aproximada quando entrámos no Euro, mas a forma como cada um dos países aproveitou o tempo que decorreu entre 1998 e 2008 foi muito diferente. Nós chegámos em 2008, aquando do agudizar da crise, em situações muito diferentes, o que significa que não podemos pretender que haja soluções que sejam aplicadas da mesma forma, e produzam o mesmo resultado em todos os países. Não é assim!

 

Se os critérios devem ser outros? Eu acredito sinceramente que não. Acho que os critérios têm validade económica, são razoáveis, são fruto de um conhecimento empírico da economia europeia e das diferenças entre cada economia. Contêm em si mesmo margem suficiente para que se possam adaptar a realidades ou dificuldades específicas de cada país. Mas os critérios continuam lá, continuam a dever ser observados e devem ser impostos, no sentido e que todos os mecanismos que estão previstos na sua gradação e sequência temporal, devem ser postos em prática.

 

Eu diria que o custo de não o ter feito no passado foi enorme para Europa e continua a ameaçar-nos. O custo de termos permitido que nos afastássemos do que dava coerência e consistência à moeda única foi demasiado pesado. Nós permitimos uma total fragmentação financeira que persiste até hoje, nós permitimos sistematicamente défices demasiado elevados, permitimos dívidas crescentes e isso colocou-nos na situação difícil em que estamos perante as ameaças que enfrentamos hoje. Se nós chegámos até aqui porque entendemos que os critérios que tinham sido definidos podiam ser ignorados, eu diria que isso é um claro sinal que eles não devem ser ignorados daqui para a frente.

 

Antes que me acusem de ser fundamentalista, o ponto não é aplicar os critérios cegamente, antes pelo contrário, é aplicá-los da forma menos cega possível, mas nunca os perder de vista. E quando digo isto, não basta referi-los num discurso dizendo que sabemos que eles existem e são para cumprir, mas só teoricamente porque essa foi a conversa dos últimos quinze anos. Tem de ser um bocadinho mais sério do que isso, mas há espaço e há margem.

 

Se os critérios devem ser cumpridos? Devem ser cumpridos e todos os mecanismos previstos devem ser aplicados porque nós vivemos muito enquanto Europa e beneficiamos muito de todos os ganhos que tivermos de credibilidade. Se continuarmos a criar regras que, por uma razão ou por outra, dizemos que talvez não devam ser cumpridas ou que se calhar não é preciso cumprir ou que se calhar tínhamos previsto isto, mas afinal não vai acontecer, o dano que isso causa na credibilidade do projeto europeu tem muito mais prejuízos do que ganhos.

 
Hugo Soares
Gonçalo Marques – Grupo Roxo.
 
Gonçalo Marques

Bom dia, antes de mais gostaria de saudar a convidada Professora Maria Luís Albuquerque.

Poderia questioná-la sobre as condições que Portugal tem para acompanhar o resto da Zona Euro, em termos de estabilidade de preços ou mesmo sobre a falta de regulação em Portugal para oshort-selling, mas não.

 

Sra. Ministra, por que razão não houve uma aposta na emissão de dívida pública interna para toda a população, a partir de um determinado mínimo de obrigações por pessoa, seja ela coletiva ou individual, sabendo que o Estado exerceria controlo total ou quase total sobre a taxa de juro aplicável? Ainda assim, estes ativos teriam uma taxa de rentabilidade superior a um vasto leque de aplicações financeiras atuais.

Se achar pertinente também pedia para abordar as duas primeiras temáticas. Obrigado.

 

[RISOS]

 
Maria Luís Albuquerque

Gonçalo, eu vou responder à questão. Estou habituada a abrir caminho em perguntas que têm cinco ou seis perguntas. O Ministro Vítor Gaspar é que costumava contá-las, lembram-se? E eu contei três ou quatro. Eu não tenho hábito de dizer que as conto, mas conto.

 

[RISOS]

Em qualquer caso, vou responder à da dívida pública até porque me parece uma boa oportunidade para esclarecer o seguinte. Eu tenho falado do tema das obrigações no retalho há anos. Como saberão eu trabalhava no IGCP antes de vir para o Governo e este tema da dívida colocada no retalho, junto dos cidadãos, é um tema que eu debato há anos.

 

Primeiro, as obrigações podem ser compradas pelos cidadãos, que é um facto que a maior parte das pessoas desconhece. É possível a um cidadão deslocar-se ao balcão de um banco e dizer que quer comprar obrigações do tesouro. E o que o banco tipicamente faz é dizer que tem um produto que é muito mais jeitoso. Frequentemente também, convence o cliente a comprar uma outra coisa.

 

[RISOS]

 

Qual é o problema das obrigações enquanto instrumento financeiro colocado no retalho? As obrigações são emitidas a taxa de juro fixa e a sua rentabilidade varia com o mercado. Se eu comprar uma obrigação no momento em que ela é emitida e só procurar o seu reembolso na maturidade, vou receber exatamente a rentabilidade que corresponde ao cupão ou muito próximo disso. Se, no entanto, decidir no meio do processo vendê-la, isso pode significar que vai receber mais dinheiro do que pagou ou menos, dependendo da relação da taxa de juro de mercado e a taxa de juro fixa da obrigação.

 

É muito complexo explicar este mecanismo para a venda de produtos no retalho. É, para quem tenha conhecimentos na área financeira, muito fácil perceber por que razão esta relação pode ser no sentido de aumentar ou diminuir o valor que se recebe quando se vende antes da maturidade. A colocação no retalho não é necessariamente fácil, mas como digo, é possível comprar obrigações do tesouro no retalho.

 

Depois, já estudámos a possibilidade de fazer emissões especificas para colocar junto do retalho, em investidores individuais e que sejam cotadas na Bolsa. Mas a dimensão dessas emissões seria sempre relativamente pequena, a liquidez será sempre baixa e, por comparação com as alternativas, tenderão a não ser investimentos muito atrativos. As obrigações, ao contrário dos certificados de tesouro ou dos certificados de aforro, têm custos de custódia: eu tenho de pagar ao banco quando compro obrigações porque as obrigações têm de estar depositadas numa conta especial. Se eu tiver mil euros para investir, eu perco dinheiro a comprar obrigações porque os custos associados à detenção de obrigações são maiores que a rentabilidade que as obrigações dão.

Há um conjunto de razões técnicas que tornam mais difícil, mas continuamos e em particular o IGCP, a analisar a possibilidade de fazer esse tipo de coisas. Temos melhorado os instrumentos de retalho, que agora até estão um bocadinho caros face à evolução que entretanto aconteceu nas condições de mercado.

 

Relativamente à última parte da sua pergunta, se o Estado pode controlar o juro. O Estado pode oferecer o juro, mas não pode nunca (felizmente) impedir os aforradores de se deslocarem entre os produtos que o Estado oferece e aqueles que oferecem os bancos, as empresas e todas as outras alternativas de aplicação de poupanças.

 

Por outro lado, se o Estado assumisse essa posição de dizer que seria muito agressivo e puxar para si toda a poupança, atendendo que nós não concedemos crédito a PME, isso provavelmente seria um problema dentro do fluxo de financiamento da economia. Tendencialmente algumas pessoas dirão que queremos proteger os bancos para não fazerem concorrência. Não se trata disso, mas há uma parte importante da atividade dos bancos que o Estado não faz, o Estado não empresta dinheiro à economia real, não faz parte da sua função.

 

Portanto, a forma como os próprios recursos são alocados dentro da economia deve obedecer a equilíbrios. O Estado deve concorrer pela poupança dos cidadãos, mas deve concorrer de uma forma que seja equilibrada e adequada. Não deve usar um poder que é superior ao dos outros agentes porque isso não é do seu próprio interesse. Cria distorções de mercado que acaba por ter consequências negativas.

 

Isto dito, se olhar para as estatísticas da dívida pública verá que aumentámos muitíssimo a importância da dívida colocada junto de investidores nacionais e no retalho, com as iniciativa dos últimos anos. Revertemos muito rapidamente a tendência de queda da dependência da poupança nacional.

Já agora, ter produtos adequados e remunerados de forma atrativa, que não excessiva, é também um bom estímulo à poupança nacional. É um objetivo que devemos ter.

Obrigada.

 
Hugo Soares
Do Grupo Rosa, Luís Baltar.
 
Luis Baltar

Bom dia a todos. Em nome da Universidade de Verão agradeço à Dra. Maria Luís Albuquerque a sua presença.

Foi aqui salientado que o acesso ao crédito facilitado a preços nunca antes vistos, aquando da entrada no Euro, foi crítico para a atual crise. Atualmente a Banca está com excesso de liquidez e o Banco Central Europeu pondera penalizar as instituições financeiras que não colocarem esta liquidez no mercado.

Não iremos cair novamente no mesmo erro? Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada Luís.

Eu espero sinceramente que não, pelo menos não nos anos mais próximos. Enfim, seguramente que este tipo de erros repetir-se-á no futuro, provavelmente com aspetos um pouco diferentes, mas as coisas são cíclicas.

Não me parece que haja o risco imediato disso acontecer porque o mercado também tem memória. Pode não ser demasiado longa, mas tem. Não se vai voltar àquela fase em que se achava que não havia diferencial de risco. Temos é que encontrar um patamar de equilíbrio que seja razoável porque passámos por uma situação em que, no mínimo, chegámos a estar a dez pontos da Alemanha para uma situação em que estivemos a seiscentos e setecentos pontos, por aí fora. Embora nessa altura não se pudesse chamar a isso verdadeiramente mercado porque não havia transações.

 

Há um ponto de equilíbrio entre os dois que é o preço adequado do risco da economia nacional quando comparada com a economia alemã. Quem diz a alemã diz a francesa, a italiana e etc. A alemã é utilizada como referência pela dimensão da dívida, pela liquidez que tem e porque é a considerada a que tem menos risco dentro da Europa, embora também tenha algum.

 

O BCE tem feito um enorme esforço para colocar liquidez no mercado, mas esse esforço não se tem traduzido na concessão de crédito porque falta o elemento importante da confiança generalizada. Persiste também a fragmentação financeira de que já tinha falado.

 

O Banco Central Europeu dá liquidez a todos os bancos europeus, mas na verdade, enquanto em alguns países os bancos têm acesso ao financiamento do BCE, mas têm também acesso a outro financiamento de mercado em boas condições e em prazos mais longos, em Portugal não é esse o caso. É por isso que em Portugal se paga mais pelos depósitos a prazo do que em muitos outros países europeus, nomeadamente do centro. As alternativas de recursos para os bancos são mais caras em Portugal do que nos outros sítios.

 

Portanto, o que nós temos é uma situação de fragmentação financeira, que faz com que os bancos não consigam obter financiamento de mercado a preço e por prazo adequado de forma a poderem emprestá-lo às empresas para investir também por preço e prazo adequado. Esse é um aspeto muito importante porque um empréstimos de investimento não pode ser feito a três anos. Muito poucos serão os investimentos que dão retorno em três anos para permitir reembolsar o empréstimo. Tem de haver condições para financiamento em prazos mais longos, os bancos têm de ter um horizonte de poder ir ao mercado financiar-se e refinanciar-se a custos adequados para poderem assegurar esse crédito. E isso é mais do liquidez.

 

Há sistemas financeiros que têm esse acesso e esses devem emprestar mais, mas há outros que não têm tanto esse acesso e temos de procurar as condições necessárias para que eles possam emprestar mais. Precisamente nos países onde a fragmentação financeira persiste é que estas medidas são necessárias. A existência da fragmentação financeira corta o canal de transmissão em grande parte destas políticas. É por isso que Portugal se tem batido tanto pela União Bancária, é por isso que é tão importante continuar a dar passos nesse sentido, para que os canais de transmissão efetivamente funcionem.

 

Se me pergunta se há risco de isto vir a gerar um excesso de crédito, no imediato (não no crédito às empresas, mas sim na dívida pública)? Ou seja, a não conseguir-se o efeito de transmissão que se pretende há a criação de uma bolha em ativos que são considerados de menor risco, nomeadamente na dívida pública.

 

Voltamos ao ponto inicial: isto é uma oportunidade ou um constrangimento? Não pode ser nunca uma oportunidade para continuar a crescer indefinidamente a dívida. A dívida tem de ser reduzida e deve ser reduzida quando o preço está baixo porque quando o preço estiver alto, é objetivamente muito mais difícil.

Há uma combinação do esforço do BCE com a responsabilidade dos Estados, com o cumprimento das regras e com continuarmos a trabalhar muito ativamente para o fim da fragmentação financeira. É critico para que todos estes instrumentos funcionem.

 
Hugo Soares

Muito obrigado.

Grupo Amarelo, Rosina Pereira.

 
Rosina Pereira

Bom dia.

Eu gostaria de saber se considera que otimingde entrada no Euro foi o mais acertado, considerando que não tivemos capacidade de dar respostas aos crescentes desafios que nos eram exigidos. Quais deveriam ter sido os mecanismos implementados para que Portugal conseguisse ter marcado uma posição muito mais competitiva?

Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Rosina.

Se otimingde entrada no Euro foi o certo? Podemos discutir otiming, podemos discutir o preço a que entrámos – há muita gente que defende que a taxa de conversão não foi bem definida, não refletia as condições da economia portuguesa – mas efetivamente o problema foi muito mais o que se seguiu do que otimingou a definição dessa taxa.

E houve alguns comportamentos e já falei aqui hoje das rendas, mas lembram-se da estratégia dos campeões nacionais em que havia um claro apoio público às empresas de capital nacional. Objetivamente temos todos interesse em apoiar as nossas empresas e em defender as nossas empresas, mas nunca se isso for feito de forma artificial. Isso não é bom para as empresas e não é bom para o país porque não é sustentável, como aliás se viu. Ou seja, nós tínhamos grandes empresas nacionais, que eram campeões nacionais, mas que tinham o mesmo problema da generalidade da economia: pouco capital, demasiada dívida. Com esta estratégia dificultou-se investimento estrangeiro que poderia ter tido efeitos mais benéficos para a economia portuguesa.

 

Voltamos à história das boias ou do ensinar a nadar. Se nós estamos numa pequena economia aberta, integrados no mercado único, com uma moeda única, num mundo globalizado, temos de ser capazes e devemos procurar a concorrência. Devemos ser capazes de viver com a concorrência porque a concorrência nos defende. Se nós queremos voltar-nos para fora, se queremos exportar e sermos competitivos lá fora, queremos que a concorrência funcione porque naquilo em que formos melhores nos mercados de destino, devemos conseguir ganhar quota, produzir mais e vender mais.

 

Impedir artificialmente a concorrência não funciona, esse foi um dos grandes erros que nós cometemos: tentar evitar que as nossas empresas tivessem as mesmas condições de concorrência que outros.

Acredito que tenha sido feito com a melhor das intenções e dizendo que estávamos a proteger agora para que ganhem "músculo” e mais tarde possam fazer face à concorrência. Se essa era a intenção – e acredito que para muitos seria – devo dizer que não correu bem. Não ganharam esse músculo, não ganharam essa capacidade de concorrer, essa capacidade acrescida para fazer face aos novos desafios e acabaram por se deixar ficar confortavelmente a viver das rendas criadas até que elas simplesmente acabaram. E chegámos a uma situação de crise sem ter sabido aproveitar as oportunidades.

 

O que devíamos ter feito? Devíamos, primeiro, ter cumprido as regras e, em segundo lugar, aceitado que a concorrência nos é benéfica, mesmo que no processo algumas empresas não sobrevivessem.

 

Enquanto quisermos mantê-las artificialmente nunca seremos verdadeiramente competitivos e isso não é bom para ninguém, nem para as empresas sustentadas artificialmente, que acabam por morrer. É só uma questão de tempo, muito menos para aquelas que são eficientes e têm custos excessivos por esse facto.

Obrigada.

 
Hugo Soares
Sara Garcez do Grupo Cinzento.
 
Sara Garcez
Bom dia, "Sra. Primeira-Ministra” …
 
Hugo Soares

Pode vir a ser um dia.

 

[RISOS]

 
Sara Garcez

Peço desculpa. O Grupo Cinzento hoje está muito bom a trocar o nome a toda a gente. Não percebo, mas está a alastrar-se a todos.

Sra. Ministra, sobre as declarações que fez há pouco tempo relativamente ao BES, disse que os contribuintes não teriam de pagar essa fatura porque a lei não o permitiria. Eu gostava de pensar um pouco sobre o que se passou com o BPN e que nos explicasse porque é que desta vez é diferente.

Peço de novo desculpa pelo engano.

 
Hugo Soares

Era pior se chamasses outra coisa qualquer, deixa lá.

 

[RISOS]

 
Maria Luís Albuquerque

Isso provavelmente levava a uma longa discussão do que é que era pior, mas também não vamos entrar por aí.

 

[RISOS]

 

Relativamente à questão do caso BES e do caso BPN, o que é diferente? Quando eu disse e repito que mesmo que quiséssemos não podíamos passar essa fatura para os contribuintes, o que é que a lei europeia transposta para Portugal nos diz? Diz que quando há uma situação de dificuldade no sistema financeiro, há uma primeira condição, que tem sido referida porburden sharingque diz que o custo tem de ser repartido.Burden sharingsignifica repartir o fardo. Isso implica que qualquer solução que tenha intervenção pública – e por intervenção pública temos uma recapitalização pública ou uma resolução (decidida por uma autoridade pública, em Portugal é o Banco de Portugal), em qualquer uma destas soluçõesburden sharingtem de existir. Em qualquer uma destas situações, acionistas e credores subordinados são os primeiros que entram a pagar.

 

Portanto, qualquer intervenção no novo enquadramento, quer seja num contexto de recapitalização, quer seja num contexto de resolução, obriga a que acionistas e credores subordinados tenham perdas. Se essas perdas não forem suficientes, como foi o caso da solução que tivemos agora, então passa-se para a fase seguinte e quem é responsável por enquadrar esta solução da resolução e por financiar é o fundo de resolução. O fundo de resolução é uma entidade que foi criada em 2012, que já existe em alguns países europeus, mas não em todos, mas que vai ter de ser criada porque são estes fundos de resolução que a partir de 1 de janeiro de 2016 começam a ser mutualizados para distribuir por entre todo o sistema financeiro da Zona Euro o custo de situações como esta no futuro.

 

O que aconteceu é que a autoridade de resolução, que é o Banco de Portugal, encontrou uma situação grave que punha em causa o funcionamento do banco e aplicou, de acordo com os poderes que a lei lhe consagra, uma medida de resolução. Olhou para este banco, retirou do banco aquilo que é bom e colocou num banco de transição. Aquilo que é mau, (na definição mais abrangente, ou seja, créditos que não têm qualidade, responsabilidades de pessoas que estivessem envolvidas na gestão do banco) ficou no BES que vai tentar recuperar esses créditos e acabará por ser liquidado na totalidade.

O que vier a ser recuperado neste "banco mau” cobre, em primeiro lugar, perdas que eventualmente existam no lado bom. Depois, seria rateado pelos credores subordinados e no fim, pelos acionistas. É pouco provável que num cenário de resolução acabe por haver efetiva recuperação de valor para os credores subordinados e acionistas. Não é impossível, mas depende da eficácia da recuperação de valor dos ativos que lá foram deixados.

 

Quando se separa a parte boa para a criação do banco de transição, a autoridade de resolução, o Banco de Portugal, determina quais são as necessidades de capital. E quem tem de fazer a capitalização, no caso foram 4.900 milhões de euros, é o fundo de resolução. Se o fundo de resolução já lá tivesse dinheiro suficiente era só por aí, capitalizava o banco. Mas como não tinha, um dos mecanismos que a lei prevê, então é o Tesouro, o Estado, emprestar temporariamente ao fundo de resolução. São processos que decorrem num fim de semana, não se pode fazer um processo destes com as portas do banco abertas e na segunda de manhã o banco tem de estar em condições de funcionar e cumprir as suas responsabilidades, proteger os depositantes e com o capital necessário.

 

O Tesouro empresta ao fundo de resolução a parte que este não tiver; os bancos todos e outras instituições financeiras que alimentam o fundo de resolução ficam responsáveis por devolver esse empréstimo ao Estado. Isto está escrito na lei. Imaginem que por alguma razão o Governo dizia que não queria cobrar isto aos bancos: não seria possível, a lei não permite. Aquele empréstimo tem de ser devolvido pelo sistema financeiro que é obrigado a fazer contribuições regulares e podem ser determinadas contribuições extraordinárias.

 

Como aconteceu já em parte, os bancos podem dizer que emprestam ao fundo de resolução, o que na prática é uma espécie de adiantamento sobre contribuições futuras. Há um empréstimo agora e depois vai sendo descontado o dinheiro que tinha de lá pôr, é um mecanismo de encontro de contas. Qualquer destas modalidades é possível, mas efetivamente quem tem a responsabilidade por devolver o dinheiro ao Estado são as instituições financeiras no seu conjunto.

 

Quer isto dizer que não vai haver impactos gerais? Vai, com certeza. Em primeiro lugar, porque o problema ocorreu num grupo económico de grande dimensão e importante na economia portuguesa e problemas sérios em entidades desta dimensão têm repercussões económicas negativas. Quanto é que o sistema financeiro efetivamente vai ter de custo ou de perda? Depende do valor de venda do Novo Banco, se for vendido por mais de 4.900 milhões de euros há um ganho para o fundo de resolução. Passa para o lado mau porque é como se tivessem recebido ativos a mais e vai para o outro rateio. Se for menos, ficam os bancos responsáveis por cumprir a diferença. O risco verdadeiro para o sistema financeiro não se conhece ainda, só se conhecerá depois de vendido o Novo Banco, mas em qualquer circunstância a responsabilidade é sempre do sistema financeiro, nunca dos contribuintes por esta via direta.

 

Qual é a diferença para o BPN? No BPN o que se fez foi nacionalizar primeiro e separar depois entre "banco mau” e "banco bom”. Antes de se fazer a separação assumiu-se a responsabilidade pela parte má. O enquadramento legal era diferente, mas a diferença objetiva entre os processos é esta. Aqui a separação é entre "banco bom” e "banco mau” à partida, os prejuízos ficam em primeira linha com os acionistas e credores subordinados e haverá eventualmente ou não uma perda adicional para o sistema financeiro. No caso anterior, nacionalizou-se tudo, o Estado tornou-se responsável pelas perdas e pelos ganhos e como infelizmente vemos, as perdas foram muito maiores do que os ganhos.

 

Essa é a diferença essencial, é separar depois de já termos tido a responsabilidade deste lado. Era o mesmo que aconteceria se neste caso nós tivéssemos lá posto capital público, sob a forma de nacionalização ou de outros contornos. Teríamos assumido também a responsabilidade pela parte má, o que objetivamente não aconteceu.

 
Hugo Soares

Esta é a última pergunta do tempo regulamentar. Vamos entrar nas fases das perguntas docatch the eye.

Enquanto a Maria Goreti da Silva do Grupo Verde se prepara para colocar a pergunta, pedia a quem se quer inscrever para ocatch the eyepara manter o braço no ar.

 
Maria Goreti da Silva

Bom dia, Sra. Ministra.

Uma das questões que nos foi formulada na candidatura a esta Universidade de Verão foi o que gostaríamos de ser daqui a dez anos. Reformulando esta pergunta, que país gostava que Portugal fosse daqui a dez anos no que diz respeito às contas públicas?

Obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

No que diz respeito às contas públicas e a tudo o mais, como gostava que estivessem? Francamente melhor. Daqui a dez anos, de acordo com as regras que tanto tenho defendido, nós teremos excedentes orçamentais primários que nos permitem manter uma trajetória descendente da dívida.

 

Descontando ciclos económicos, estaremos com uma situação orçamental controlada, em termos de despesa primária teremos efetivamente um superavit que permite reduzir a dívida, teremos espaço para acomodar eventuais variações negativas do ciclo económico e teremos uma dívida significativamente mais baixa, mas ainda muito longe dos 60%. A não ser que entretanto encontremos petróleo ou qualquer outra coisa, eu sei que continua a haver gente que está à procura, mas eu não punha muita esperança aí e continuava a fazer o esforço naquilo que é certo: reduzir o défice para reduzir a dívida.

 

[RISOS]

 
Hugo Soares

Obrigado.

Grupo Encarnado, Ana Margarida Macieira.

 
Ana Margarida Macieira

Bom dia.

Antes de mais gostaria então de fazer um cumprimento especial à Ministra Maria Luís Albuquerque. Primeiro, por ser uma mulher na política e por ter chegado a onde chegou pelo trabalho que realizou. Segundo, por ser minha conterrânea, ser de Braga e mostrar o valor que as mulheres de Braga têm.

 

[APLAUSOS]

 

Considera que a entrada no Euro foi uma vantagem porque só com a disciplina externa poderíamos equilibrar as nossas finanças públicas? Ou por outro lado, a entrada no Euro foi uma ilusão?

Muito obrigada.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Ana Margarida.

Se o Euro é uma vantagem? Claramente que sim, sem sombra para dúvida. Se a disciplina externa é essencial? Tem sido. O que nós verificamos é que temos corrigido rapidamente quando somos forçados a isso. Tem sido essencial, mas não vejo nenhuma razão para que nós precisemos que alguém de fora nos obrigue a ter as contas em ordem, não consigo perceber por que razão é que havemos de ter esta incapacidade de o fazer por nós próprios.

 

Mas a disciplina é essencial, de facto. É particularmente relevante para nós, que temos tido problemas de finanças públicas, mas mesmo quando viermos a atingir esse equilíbrio passa a ser um trabalho contínuo. A consolidação das finanças públicas não é uma coisa a que se diz que já está feito, é um trabalho contínuo, é um esforço permanente. É uma condição necessária para que o resto corra bem, mas não tem é de ser a primeira das preocupações e o assunto mais falado. Só o é pelos problemas que causa a tudo o resto.

 

O que nós temos de garantir é que a consolidação orçamental volta ao seu papel mais discreto que deveria ter, deixa de ser o foco de todas as atenções porque deixa de ser um problema. Ela só deixará de ser o foco das atenções quando for um problema e a disciplina é essencial para o conseguir. As regras são externas mas ninguém nos obrigou, fomos nós que quisemos entrar no Euro, fomos nós que participámos na definição das regras, fomos nós que assinámos os tratados e pactos e que dissemos que queríamos cumprir. Elas não são importadas, foram voluntariamente assumidas por reconhecermos que é uma vantagem.

Claramente que sim, que o Euro é uma vantagem.

 
Hugo Soares
Luís Pinho da Costa do Grupo Castanho.
 
Luis Pinho da Costa

Bom dia, Sra. Ministra.

Gostaria de agradecer a sua presença e principalmente a exposição clara e pertinente que fez. Talvez tenha sido uma exposição mais curta, mas para mim a mais interessante.

Visto que falou no BES e visto que foi a primeira vez a que recorremos a este tipo de solução, não terá sido demasiado longo todo o período de incerteza? Nomeadamente, não ser feita a publicação das contas na sexta-feira para que fosse apresentada a solução e não poder haver toda a turbulência que ocorreu no mercado?

 

Se tiver oportunidade de responder a outra questão, seria relativa à curva de Laffer. Eu acredito na teoria – não sei se acredita – de muitos economistas que dizem que Portugal está para lá do nível máximo de fiscalidade. Acreditando na teoria, reduzir os impostos seria uma situaçãowin-wincom a qual só teríamos a ganhar.

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Luís.

Relativamente à primeira questão não me vou pronunciar. As decisões e otimingdas decisões sobre o BES não são, mais uma vez e de acordo com a lei, da responsabilidade do Governo. Não me parece adequado fazer comentários opinativos sobre esta matéria que é obviamente delicada.

 

No que diz respeito à curva de Laffer e se já atingimos ou não o limite. Há claramente um ponto a partir do qual o aumento da carga fiscal é contraproducente. Com ou sem curva de Laffer, é uma questão de bom-senso. A partir de um determinado momento torna-se um desincentivo à produção, torna-se um desincentivo ao cumprimento e acaba por acarretar perda de receita.

 

Se baixar os impostos seria uma situaçãowin-win? O ponto é que nós, neste momento, estamos numa situação em que temos metas para cumprir cujo cumprimento depende de forma crítica da nossa credibilidade. Ou seja, baixarmos os impostos teria provavelmente um impacto mais forte no consumo interno porque aumenta o rendimento disponível, o que do ponto de vista puramente da receita fiscal até poderia ter alguma compensação.

 

Mas, para onde é que vai uma boa parte desse consumo interno? Basta ver o que cresce ao mesmo tempo: importações. Uma grande parte do consumo interno cria investimento e emprego, mas não é em Portugal, é lá fora porque a nossa economia tem mais produtos nacionais a produzir para o mercado interno do que tinha antes, mas obviamente não tem todos nem faz sentido. Nós não temos um mercado com dimensão que justifique produzir tudo internamente, nem temos fronteiras fechadas para aplicar um modelo de substituição de importações, como algumas teorias económicas defendem e que em alguns países grandes, no passado, até fez sentido aplicar.

 

Quais são os efeitos benéficos de descer impostos? Aumentam a confiança. Quais são os impostos que importa baixar primeiro para ter as vantagens? Os impostos sobre as empresas. E note-se que este Governo começou pela reforma do IRC. Por baixar o IRC. Porque aquilo que queremos incentivar é o investimento e a criação de emprego. Não temos objeções ao aumento do consumo, mas o aumento do consumo – pelas características do consumo – não é motor que chegue.

 

Tanto não é, que tivemos um consumo muito elevado durante mais de uma década e nem por isso crescemos. E estamos, com o aumento das exportações, a dinamizar investimento e emprego nos países dos quais importamos.

 

Assim, nós começámos por reduzir a carga fiscal nas empresas – que é quem investe. Até porque fazem opções mais a prazo e tentámos (sendo esse o maior exemplo de consenso com o maior partido da oposição) uma perspetiva estável para o IRC que dá segurança às empresas nas opções de investimento.

 

Portanto, nós agora no Orçamento de 2015 continuaremos de ter um objetivo muito ambicioso em termos de défice, e teremos de ver qual o espaço que conseguimos obter para equacionar essas opções.

 

Não faz sentido dizer que se vai fazer isto ou aquilo. Naturalmente que sob o ponto de vista político todos gostamos de baixar impostos, com certeza que sim. São boas notícias e não há ninguém que não goste de as dar, mas temos de ser responsáveis. E há uma meta para cumprir. Aquilo que nos tem feito conseguir baixar os juros – e ainda nesta semana tivemos uma emissão a 15 anos a um juro historicamente baixo – precisamente porque temos essa credibilidade.

 

Se perdermos a credibilidade por tentarmos fazer as coisas depressa de mais, teremos imediatamente um aumento de custo nos juros e acabamos por tentar ganhar de um lado e perder do outro.

 

Reganhar a credibilidade demora muito mais tempo que perdê-la.

 
David Gonçalves Pereira

Bom dia, Sra. Ministra. Agradeço-lhe a clareza da sua aula.

Uma vez que vivemos num mundo cada vez mais globalizado, não lhe preocupa o facto de as pessoas estarem cada vez mais a comprar produtos na internet, contornando assim o pagamento de impostos em Portugal?

Já agora, o que é mais difícil para si: negociar o Orçamento de Estado com os Ministros ou a mesada com os seus filhos?

 

[RISOS]

 
Maria Luís Albuquerque

Se eles estiverem a ver isto, acho que terei problemas quando chegar a casa, porque eles ainda não tinham percebido que isso era uma coisa negociável.

 

[RISOS, APLAUSOS]

 

Já os Ministros, esses não foram educados por mim porque já eram crescidos quando os conheci.

 

[RISOS, APLAUSOS]

 

Falando agora a sério, é difícil negociar o Orçamento porque o Ministro das Finanças é o mau da fita. Por necessidade e por vocação, diria eu. Se não for por vocação o trabalho será difícil de mais.

 

A pessoa tem de acreditar que aquilo que está a fazer é muito importante e deve usar os mecanismos ao seu dispor para garantir o cumprimento das metas, que o Orçamento fecha nos termos em que é suposto fechar, para controlar a execução, controlar os desvios. Para ser, por vezes, um membro muito antipático do governo e não podemos ter preocupações relativamente a isso se não corremos o risco de sermos ineficazes.

 

Mas é uma tarefa sempre difícil. Conforme eu disse há pouco, há sempre imensas boas razões para que uma área tenha mais dinheiro ou menos cortes. E todas elas são válidas. O importante é que quando estamos a discutir esta matéria – e eu tenho dito sempre isso aos meus colegas, é que não seja uma discussão bilateral. Entre as Finanças e a Saúde, entre as Finanças e a Educação, etc. Porque todos os objetivos têm mérito. O que temos é decidir coletivamente quais os objetivos devem ser privilegiados coletivamente.

 

A apresentação do Orçamento de Estado é responsabilidade da Ministra das Finanças, o controlo também o é, já as decisões do Orçamento são do Governo todo. Porque é assim que deve ser e nenhum Ministro das Finanças deve consentir que seja de outra maneira.

 
José Ramos Andrade

Muito bom dia a todos.

Senhora Ministra, julga necessário reconsiderar a posição estratégica de Portugal na Europa? Quais os apoios que vamos ter para um maior desenvolvimento e crescimento da Economia Portuguesa? Muito obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Começando pela segunda parte da sua pergunta, nós temos um novo Quadro Comunitário de Fundos Europeus, que foi duramente negociado em Bruxelas pelo governo português, com resultados muito positivos.

 

É agora nossa responsabilidade dar a melhor utilização a esses fundos. Eu recordo que, desde que Portugal entrou para as comunidades europeias, em 86, temos sido beneficiários de montantes avultadíssimos de fundos europeus. Na esmagadora maioria, a fundo perdido para os beneficiários. Se há coisa de que não nos podemos queixar é de falta de solidariedade na Europa, de falta de contributo para o nosso desenvolvimento e crescimento.

 

Temos aqui um instrumento fundamental que nos cabe utilizar da melhor maneira e de forma reprodutiva.

 

Depois há um conjunto de projetos e ideias de nível europeu que pode e devem ser exploradas e que trazem benefícios. Por exemplo: o mercado único da energia e nas ligações para transporte de energia para toda a Europa. É que a Península Ibérica está completamente isolada nessa matéria. Este é um mega projeto europeu, cuja relevância é reconhecida por todos. Reduz a dependência excessiva de fontes energética de onde quer que seja, torna potencialmente a energia mais barata, reduz os nossos custos de periferia em matéria tão importantes para a produção como o preço da energia.

 

O que é que a Europa pode fazer para nos ajudar e ajudar-se a si mesma? Várias coisas: acabar com uma série de barreiras que ainda existem, ter uma agenda digital verdadeiramente abrangente, e fazer investimentos estruturantes que beneficiem o resto da Europa.

 

Sobre a posição estratégica na Europa: o valor acrescentado de Portugal na Europa é o relacionamento privilegiado que tem com outros países do mundo. Saber ser a ponte entre esses países e muitos países da Europa; saber aproveitar as nossas parcerias para reforçar, por exemplo, a nossa presença nos países africanos de expressão portuguesa...

Ser capaz de aproveitar essas nossas vantagens reforça a nossa posição estratégica na Europa. Quando países e empresas europeias quiserem apostar em países com Moçambique ou Angola, e procurarem um parceiro, é importante que o primeiro nome que lhes venha à cabeça seja Portugal. Temos de ser a resposta lógica.

 

E nós devemos estar preparados, devemos investir no nosso relacionamento com esses países, para podermos ser uma vantagem quer para esses países lusófonos que queiram entrar mais na Europa quer para a Europa que queira interagir com esses países. Essa nossa posição geográfica e geoestratégica é verdadeiramente única. Acho que esse é um dos reforços em que temos de claramente continuar a apostar para reforçar a nossa importância na Europa.

 
Rita Almeida Neves

Bom dia.

Relativamente a um assunto que tem sito muito debatido nas mais diversas áreas – e com dados recentes sobre a privatização dos CTT, pergunto quais são as mais-valias para o Estado se tiver lugar a privatização da RTP (que foi muito falada) e outras que podem acontecer.

Obrigado

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, Rita.

O projeto de privatização da RTP não está para acontecer brevemente. Não será no mandato deste governo.

Relativamente às mais-valias, há um argumento que no parlamento estão sempre a acusar de ser ideológico. E é ideológico. Ou seja: é acreditar qual a melhor forma de organizar a produção numa sociedade e numa economia para surtirem os melhores resultados para todos.

 

Aquilo em que eu acredito – e que este governo tem vindo a pôr em prática, é que a garantia da prestação de serviços públicos não impõe que a propriedade seja pública.

 

Do meu ponto de vista, aquilo que deve necessariamente ser público (porque não pode ser de outra maneira) são as funções de soberania. Essas não são alienáveis. Nós não podemos alienar a segurança, a defesa, a justiça. São funções de soberania que devem ser exercidas diretamente pelo Estado.

 

Quando estamos a falar de produção economia de bens ou de serviços, há várias forma de a organizar. Em muitos setores, a convivência entre produção pública e produção privada funciona pacificamente. Temos o caso da saúde, o caso da educação – com muita oferta pública e privada em ambos os casos. Podemos ter formas diferentes de organizar esses equilíbrios mas não há qualquer problema na convivência entre estar duas formas.

 

Há um conjunto de atividades prestadas como obrigação de serviço público que têm um caráter monopolista – pela sua natureza – e que tradicionalmente eram exercidas diretamente pelo Estado enquanto dono de empresas.

 

O Estado, como gestor de empresas, não é tipicamente muito eficiente. Ou seja, tipicamente os resultados não são muito bons. E os constrangimentos da gestão pública frequentemente atrapalham as empresas. A vida de uma empresa é difícil de conciliar com a Lei dos Compromissos, que reporta à Direção-Geral do Orçamento; com as limitações às remunerações aos gestores públicos; e muitas outras coisas que fazem com que a sua capacidade de produzir eficientemente e concorrer no mercado (concorrer para ter os melhores gestores, os melhores funcionários) fica dificultada.

 

Então, o que devemos assegurar? Que os serviços são prestados aos cidadãos, com o nível a qualidade exigidos. E custo razoável. Se conseguirmos eficazmente impor isso através da regulação, nós não precisamos de ser donos das empresas. Para quê? O que importa é que os serviços cheguem aos cidadãos, nas condições adequadas; que a obrigação de serviço público seja cumprida.

 

E notem que as empresas são vendidas mas o serviço público é concessionado. Ou seja: se o dono da empresa privatizada não cumprir essas obrigações, o Estado pode retomar a concessão e entregá-la a outra entidade.

 

Aquilo que nós vendemos é uma empresa que no momento tem um contrato de concessão mas só conserva essa concessão se cumprirem as regras. Essa é a filosofia subjacente: libertamos as empresas de algumas restrições de funcionamento inerentes ao serviço público, garantimos através da regulação e ficamos com aquilo que temos defendido que é um Estado mais pequeno mas mais forte.

 
Bárbara dos Santos Lopes

Bom dia, Dra. Maria Luís Albuquerque.

Antes de mais, gostaria de agradecer a sua presença. Repito as palavras da minha colega Ana Macieira: é um orgulho para mim ver o cargo de Ministra das Finanças ser ocupado por uma senhora da minha cidade.

 

Margaret Thatcher foi uma mulher de garra e ambição, apelidada de "Dama de Ferro”. Marine le Pen, apesar de despertar polémica na opinião pública, é reconhecida pela sua perseverança e capacidade de alcançar objetivos. O receio das mulheres em conseguir um papel objetivo na sociedade, apesar de ter diminuído, continua a ser desafiado pelo complexo, pela falta de crença na capacidade feminina.

Em julho de 2013, quando assumiu as funções de Ministra das Finanças, qual foi o maior obstáculo que teve pela frente?

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigado. O momento em que assumi funções foi interessante mas deixemos isso para outra conversa.

 

[RISOS]

 

É verdade que continua a haver alguma menor disponibilidade para que as mulheres ocupem determinadas posições. E essa indisponibilidade é tanto das mulheres como dos homens.

 

Note-se que somos nós que criamos os filhos e se eles são machistas, alguma culpa devemos ter no assunto. Não são os homens que são machistas: a sociedade é que atribuiu papéis diferentes ao homem e à mulher. O acesso das mulheres ao ensino superior, ao mercado de trabalho, à participação ativa, é relativamente recente na história de qualquer país.

 

É, por isso, natural que demore ainda algum tempo até que a sociedade se ajuste a um padrão diferente.

 

Eu costumo dizer aos homens, um pouco a brincar, que defendam as quotas, porque daqui a algum tempo lhes serão muito úteis.

 

[RISOS]

 

Porque é uma questão de tempo, e vai ser rápido.

 

Em qualquer caso, é diferente para uma mulher assumir este cargo. Atrai mais atenção, cria mais expectativas. Frequentemente é mais difícil corresponder, porque se torna um objeto de atenção maior e há os desafios habituais da sociedade.

 

Eu tenho a sorte de pertencer a uma geração em que essas dificuldade são menores e de ter um ambiente familiar que nunca – em altura nenhuma – me fez alguma vez sequer duvidar de que o género tivesse alguma coisa que ver com a capacidade, com as possibilidades, com aquilo que eu pudesse ambicionar. Os meus avós, os meus pais, o meu marido, nunca a ninguém passou pela cabeça pôr isso em dúvida.

 

Mas isso é um privilégio que muitos não têm. É preciso continuar a demonstrar que as mulheres podem fazer tudo tão bem como os homens. E que as equipas, com a presença de ambos os géneros, funcionam melhor. Nós temos maneiras de trabalhar diferentes maneiras de pensar diferentes, de estabelecer equilíbrios que são diferentes. E há beneficio claro, que está demonstrado, em ter homens e mulheres em conjunto nos órgãos de decisão. Seja do governo, seja de empresas, o resultado final é objetivamente melhor.

 

Portanto, quando eu estava a dizer que a quota é importante, é mesmo importante. Mesmo que haja mais mulheres, é importante que continue a haver homens por lá. Mas creio que a quota acabará por ser mais importante para eles que para nós.

 
João Pedro Lopes

Bom dia.

Eu sou aluno do primeiro ano do curso de Economia da Universidade Católica. E nós, muitas vezes, nas aulas, acabamos por pensar: "qual é a questão prática disto?”, "que tem isto de atualidade?”.

Perante a crise dos últimos anos, pergunto-lhe: será que os cursos de Economia e Gestão estão bem contextualizados com a crise que vivemos? Será que nos dão os know-how para, em casos de crise e situações difíceis como esta, estarmos preparados?

Obrigado.

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, João Pedro.

Correndo o risco de desiludir, não há cursos para isso.

Não há cursos que nos preparem para enfrentar as crises especificamente. Porque não há livros que possam servir verdadeiramente de guia.

A Economia tem uma série de modelos que têm uma série de pressupostos. E depois, na realidade, só por uma extraordinária coincidência, é que os pressupostos se verificam e os modelos dão aquilo que era suposto.

 

Contrariamente ao que muita gente acha ser uma obrigação do Ministro das Finanças, não é mesmo uma ciência exata. Independentemente da competência do Ministro.

É uma ciência humana. Estamos a falar de múltiplas variáveis a interagir em simultâneo. O que podemos fazer de melhor é tentar prever o que vai acontecer e sobretudo adaptarmo-nos àquilo que realmente acontece.

 

Em todos os cursos há imenso conhecimento sobre o qual os alunos se perguntam: "mas que me serve isto?”. E a resposta, frequentemente, só vem anos depois. É como achar que nós vivemos no interior de uma casa, portanto aquilo que nos faz falta são as janelas, as paredes, os interruptores, etc. As fundações, para a nossa vivência do dia-a-dia, não fariam falta. As canalizações, o que está dentro das paredes, poder-se-ia não perceber qual a sua utilidade, já que não o vemos.

 

Mas se não estiverem lá não funciona.

 

Muitas das coisas que vocês aprendem são destinadas a criar o enquadramento mental certo, a terem o vosso espírito preparado para pensar em problemas novos.

 

Na Universidade aprende-se "como se aprende”. Saímos da Universidade muito mais aptos a aprender do que aqueles que não passaram por lá, mas é exatamente isso. Aptos a aprender.

 

Porque aquilo que vamos encontrar na vida real fatalmente vai ser diferente do que encontrámos nos livros. E é tanto mais verdade nas ciências sociais.

 

Mas estou em crer que os médicos que estudam por modelos dos livros de anatomia, com aulas práticas, depois no quotidiano encontram imensas coisas de que os professores nunca lhes falaram. Mas têm o enquanto mental e o conhecimento certo para depois poder lidar com as situações.

 

Se os cursos estão preparados? Eu diria que pela evolução que temos no ranking, certamente que sim, e produzimos economistas de excelente qualidade. Isso significa que vocês, quando de lá saírem, vão conseguir resolver as crises complicadas – se assim for, eu amanhã mesmo vou procurar mais gente para o meu gabinete. Porque me dava muito jeito.

 

[RISOS]

 
João Pedro Oliveira

Senhora Ministra, deixe-me agradecer a sua presença aqui em Castelo de Vide e dizer-lhe que esta era a aula mais aguardada.

 

Na sequência do repto lançado pelo Dr. Daniel Bessa na quinta-feira nesta UV, tendo tido muito destaque mediático.

 

Quão benéfico será para Portugal antecipar, assim que possível, o pagamento do programa de assistência procurando por sua vez obter mais financiamento no mercado, onde é possível encontrar taxas de juro mais baixas mas com prazos inferiores?

 

Poderá esta medida ter um efeito positivo no relançar da economia ou ainda não estamos capacitados nem com a credibilidade necessária para lidar com possíveis contratempos ?

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada, João Pedro.

O pagamento de que estamos a falar é ao FMI.

Já tenho ouvido falar sobre isso em comentários pouco rigorosos, nomeadamente da televisão.

 

Do que estamos a falar? Como sabem, o financiamento do programa tem uma componente europeia e outra do FMI. A do FMI corresponde, ou correspondia, a 26 mil milhões de euros. Um pouco menos porque não fomos buscar a última tranche. E tem condições diferentes das dos empréstimos europeus.

 

Quando foram assinados os contratos, ficou lá uma cláusula chamada de "pari passu”. Ou seja, se nós reembolsarmos os empréstimos do FMI antes da maturidade, os credores europeus têm o direito de exigir o mesmo.

 

Ou seja, se a Europa quiser, em vez de devolvermos os 25 mil milhões de euros ao FMI, temos de devolver os quase 76. Ou seja: o que está aqui em discussão – suscitada pela Irlanda?

 

Saber se os europeus abdicam desse direito "pari passu” e aceitem que reembolsemos primeiro o FMI. Essa discussão vai ainda ser tida e não está resolvida.

 

A nossa situação é diferente da da Irlanda. Os empréstimos deles foram mais cedo – ou seja, foram mais caros. Eles têm um financiamento do mercado que é mais barato que o nosso. E têm um perfil de amortizações que é diferente do nosso.

 

O facto de nós termos capacidade de ir buscar dinheiro ao mercado a taxas mais baixas – que é mérito nosso e reflexo de melhores condições financeiras nos mercados – não é infinito.

 

Ou seja, se eu disser ao IGCP: "olhem que boas que estão as taxas. Vão lá nesta semana buscar 25 mil milhões ao mercado, se fazem favor, a esta taxa baixinha”. Isso não acontece. Não é um recurso ilimitado.

 

Não basta dizer: eu agora vou devolver este dinheiro que está mais caro por este que está mais barato. Porque o mercado não está lá para nos dar o dinheiro que queremos ao preço que queremos.

 

É preciso perceber que a Irlanda tem mais vantagem (por circunstâncias específicas) do que nós; que tanto nós quanto a Irlanda dependemos da autorização para fazer um reembolso antecipado que não obrigue ao reembolso total.

 

E depois, não basta olhar para o mercado e ver que a taxa está mais baixa. É preciso ser capaz de ir buscar a essa taxa mais baixa. Porque há que perceber que quando formos ao mercado buscar muito dinheiro, a taxa sobe.

 

Oferta e procura... é uma lei até bastante simples. Ir buscar 3 mil milhões é uma coisa, buscar 25 é outra. Primeiro porque não sei se seria possível. Depois, não a este preço.

 

Que temos interesse em apoiar os Irlandeses, com certeza! É uma opção que tem valor. E isso não significa que quiséssemos reembolsar os 25 milhões. Temos de começar pelas primeiras tranches – que eram mais caras.

 

Claro que tem valor e estaremos ao lado dos irlandeses a apoiar esta iniciativa na Europa.

 
Gonçalo Lopes de Andrade

Bom dia, senhora Ministra.

Tendo a UE 28 países, e desses 28 há 18 com moeda única, como vê as ameaças do Reino Unido abandonar a UE? Acha que nos pode afetar?

 
Maria Luís Albuquerque

Acho que a saída de qualquer país da UE ou do Euro nos afeta.

Estes processos não foram feitos para ter retorno. Não é suposto sair da UE ou da moeda única. Não é suposto!

 

Lembro de algo que foi dito e repetido no início da crise: o Euro é uma porta de sentido único. Entra-se, não se sai.

 

Objetivamente, depende da vontade soberana de cada país decidir se continua ou sai da UE. A saída de qualquer um será prejudicial para a coesão do conjunto e, estou em crer, que para o próprio.

 

Portanto, eu desejo que o Reino Unido não saia e estou convencida de que não sairá. Isto dito, que vale o que vale, e a decisão é soberana do Reino Unido, acho que eles têm muito a perder e creio que sabem disso.

 
Dep.Carlos Coelho

Muito bem, chegámos ao fim da nossa aula da manhã.

Quero agradecer, em nome de todos, à senhora Ministra de Estado e das Finanças o facto de ter arranjado tempo para estar connosco, para discutir e aprender mais sobre o Euro, suas oportunidades e condicionamentos.

 

O Hugo Soares e eu vamos acompanhar a nossa convidada, os avaliadores vêm para aqui.

Senhora Professora, muito obrigado.

 

[APLAUSOS]

 
Maria Luís Albuquerque

Obrigada a todos.

Foram uma audiência muitíssimo interessante. Isto é um sábado de manhã: é duro. Mas espero que tenha sido útil.

 

Eu gostei muito de falar convosco, alguns já não pela primeira vez. Algumas respostas mudaram, outras nem por isso, mas foi um prazer. Obrigada.

 

 

[APLAUSOS]