Não é a primeira nem a segunda vez que a Dra. Leonor Beleza cá está. Já conhece as regras da casa e sabe que começamos os jantares sempre com um momento cultural. A escolha de um poema pelos participantes da Universidade de Verão.
Hoje é a vez dos Grupos Laranja e Roxo.
O Grupo Laranja, pela Rita Rebelo, vai ler-nos a "Ode à Alegria”, cantada na Nona Sinfonia de Beethoven, que é também o hino da União Europeia.
"Expressa os ideais da liberdade, de paz e solidariedade; traz uma visão da espécie humana como irmandade. Também são estes os ideais do PSD. Escolhemos este poema porque acreditamos numa maior união e solidariedade entre os Estados-Membros, numa União plena, porque somos todos irmãos”. O grupo finaliza o seu texto explicativo com umas palavras simpáticas para mim.
O Grupo Roxo, pela voz da Rita Couto Serrenho, traz o "Fado Português”. É um poema de José Régio cantado por Amália Rodrigues. "Esta voz da natureza foi além-mar, mostrando ao mundo que Portugal é orgulhoso do seu passado, do seu presente e do seu futuro. OFado Portuguêsé um exemplo rigoroso de patriotismo que nos enche de saudade de um passado glorioso,por mares nunca de antes navegados. Retrata uma realidade do povo lusitano, em que os homens partiam à descoberta, sem saber se alguma vez regressariam. Partiam com incerteza quanto ao futuro e com o desejo de algum dia reencontrar os seus ente-queridos e o cenário das suas origens – de que tanto se orgulhavam.
Vamos ouvir os grupos Laranja e Roxo.
[LEITURAS, APLAUSOS]
Filipe Moreira
Minhas senhoras e meus senhores, boa noite. Gostaria de deixar um cumprimento especial ao Carlos Coelho e a toda a equipa da organização da Universidade de Verão, pelo exemplo que está a ser e pelo significado que está a ter para nós.
Um cumprimento especial também para a nossa convidada, Dr.ª Leonor Beleza.
Antes de mais, começo por partilhar convosco o privilégio que é para mim ter sido escolhido pelo meu Grupo Azul para realizar um brinde esta noite.
Acerca da distinta convidada desta noite, poderia optar por destacar o seu papel como Ministra da Saúde no X e XI governos constitucionais. Da sua vida académica, seria óbvio enaltecer que se licenciou em Direito na Faculdade de Direito de Lisboa, tendo dado aulas na mesma.
Dos cargos de relevo que ocupou, seria lógico realçar a título de exemplo, Presidente da Mesa, do Congresso Nacional e do Conselho Nacional, e Presidente do Conselho de Administração do Instituto Sá Carneiro.
Poderia até dizer que atualmente é Presidente da Fundação Champalimaud, função que desempenha desde 2004. Mas não. Vou optar por não dizer nada disto. [RISOS]
Vou apenas e somente cingir-me ao facto de ter feito tudo isto sendo mulher numa altura em que a política era dominada por homens. Por isto, gostaríamos humildemente de lhe oferecer simbolicamente esta flor em sinal de apreço que nós jovens sentimos pelo seu contributo no desenvolvimento do país.
[APLAUSOS]
Um brinde à saúde de Leonor Beleza.
Leonor Beleza
Obrigada e, já agora, à do PSD.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Sr.ª Dr.ª Leonor Beleza, vamos começar esta parte do jantar de forma diferente dos outros jantares-conferências. Antes de lhe fazer a primeira pergunta, vamos assistir a um pequeno filme.
[VÍDEO]
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Vou seguir o exemplo do Filipe e também não vou falar da Dr.ª Leonor Beleza nem do quanto admiro esta mulher. Vou seguir o exemplo do Filipe e não vou dizer que gosto muito mais dela do que da Angela Merkel.
Vou seguir o exemplo do Filipe para não vos dizer, ao longo dos anos, o quanto apreciei a combatividade, a inteligência, a capacidade de mudar, que a Dr.ª Leonor Beleza teve em todas as funções por onde passou.
Vou seguir o exemplo do Filipe e não vou dizer a honra e o privilégio que constituiu para mim trabalhar com ela na Assembleia da República enquanto deputado, no Conselho de Administração do Instituto Sá Carneiro a que ela presidiu e em muitos outros momentos.
Filipe, tenho este privilégio de formular a primeira pergunta à nossa convidada e no ano em que comemoramos 40 anos da democracia em Portugal e 40 anos da história do PSD que é um partido que foi fundado por este homem que morreu em Camarate em 1980. A minha pergunta inicial, Dr.ª Leonor Beleza, é muito simples: Francisco Sá Carneiro era mesmo um homem extraordinário, ou foi um homem que o mito agigantou por causa da morte em Camarate?
Minhas senhoras e meus senhores, para responder à minha pergunta e às vossas, a Dr.ª Leonor Beleza.
[APLAUSOS]
Leonor Beleza
Boa noite a todos. Quero retribuir ao meu caríssimo amigo Carlos Coelho as palavras tão simpáticas que ele acaba de me dirigir e dizer-lhe como aprecio infinitamente o trabalho que ele tem realizado há muito, muito, tempo no nosso partido e, em particular, este trabalho de conceção, montagem e direção minuciosa da Universidade de Verão do PSD.
É um trabalho muito importante para o nosso partido e tem ajudado outros partidos a compreender como este tipo de ações têm relevância, dá visibilidade, mas sobretudo ajuda a formar quadros entre os nossos mais jovens para que eles possam também participar de maneira mais empenhada e mais conhecedora na vida política.
Porque nós precisamos muito da vossa participação. Quando digo "nós”, é Portugal, o nosso país, enfim, não estou a tentar falar em nome dos outros mas digo que todos nós, portugueses, precisamos muito que os mais novos entendam que a política é uma atividade nobre a que vale a pena dedicarmo-nos. Devemos gastar algum do nosso tempo e fazê-lo de uma maneira informada e educada; é esse o sentido da Universidade de Verão.
Portanto, não posso deixar de lhe prestar homenagem por mais uma vez ter montado esta Universidade de Verão e agradecer-lhe ter-me convidado mais uma vez, gosto muito de vir, gosto muito de vir a este distrito. Gosto muito de vos encontrar e este é um bocadinho o meu ato de militância, o que também tem um grande significado para mim, que sou militante de base do PSD.
Disse ao Carlos, quando ele disse que quereria que eu falasse sobre o Dr. Francisco Sá Carneiro, que há certamente pessoas mais capazes de falar sobre ele, que o conheceram melhor do que eu, que estiveram mais perto dele e acompanharam-no mais.
Ele disse-me que queria que eu falasse do que é o Dr. Sá Carneiro para mim. Isso sou capaz de fazer. Não sou capaz de falar dele como se tivesse sido íntima ou muito próxima, porque não fui.
Aliás, saí do partido no fim de 1975 e não estive no partido nem perto dele durante a maior parte do tempo em que ele foi líder do PSD. Agora, conheci-o de perto numa fase curta e de longe como muitos portugueses, que certamente seguiam-no com um enorme empenho e uma enorme admiração.
Ainda hoje me lembro daquele momento trágico em que soubemos o que tinha acontecido. Foi e ainda hoje, acho eu, uma grande desgraça para o nosso país.
Sá Carneiro foi um homem extraordinário, ou é um homem feito por um mito e por uma história também ela própria extraordinária?
Compreenderão que eu acho, como acho que todos nós no partido estamos convencidos, que ele foi um homem extraordinário. Vou tentar explicar isso a quem não tinha nascido ainda quando ele morreu e portanto não pôde ver de perto, acompanhar, ouvir, num tempo em que a Comunicação Social não seguia tão de perto e tão em cima os acontecimentos.
Portanto, havia um tempo maior de reflexão e de compreensão das coisas. Aquele filme que acabámos de ver e que acho absolutamente notável, sublinha os momentos fundamentais da vida de Sá Carneiro, sobre os quais queria conversar um bocadinho convosco.
Quando ele foi deputado na Assembleia Nacional, foi candidato pela União Nacional, o tal partido único. Embora na verdade aquelas eleições tenham sido disputadas por apenas deputados da União Nacional que foram eleitos em 1969 para a Assembleia Nacional. Ele aceitou fazê-lo naquele enquadramento, publicando inicialmente um texto em que dizia as condições em que aceitava colaborar com o regime para o modificar por dentro. A ideia de reformismo, já de determinada maneira, em que muitos acreditaram e eu também naquela altura.
Acreditámos que alguma coisa podia ser modificada por dentro. Ele acreditou e bateu-se valorosamente para que assim fosse, com as suas armas e com as suas competências extraordinárias de jurista. No filme também se diz que ele trabalhou muito enquanto foi deputado. Era um grande deputado, um grande orador e um bom jurista. Era advogado, com uma vida profissional muito segura e muito estabelecida naquela altura e usou muito essas suas capacidades e conhecimentos enquanto esteve na Assembleia Nacional.
Bateu-se, enquanto acreditou que valia a pena bater-se, a partir de certa altura foi ele próprio o líder do grupo chamado de ala liberal na Assembleia Nacional e conquistou na altura a admiração de todos nós que queríamos uma alteração no regime que estava a ocorrer.
Acreditámos numa fase que ela podia ocorrer de uma maneira reformista e depois compreendemos que assim não podia ser. A discrição e a forma como ele atuou nessa fase e como renunciou a certa altura o mandato, compreendendo que não era possível fazer as modificações que se impunham naquele contexto.
Suscitou a admiração de muita gente, de todos nós, e fabricou de certa maneira, aos olhos da opinião pública, aquele que estava em condições de ser o líder na altura em que a liberdade política permitiu que houvessem partidos políticos em Portugal.
Este foi um momento muito marcante. Ele tinha 35 anos quando isto tudo começou. Nasceu em 1934, portanto antes da II Guerra Mundial. Era um jovem cheio de força e de convicções quando se candidatou à Assembleia Nacional.
Já na altura com muita vontade de participação política e é por isso que aceita esse desafio, fazendo-o com uma grande coragem e grande clareza, explicando ao que vinha.
Ninguém, naquelas circunstâncias, deixou de perceber que ele e os outros vinham para mudar por dentro. Não conseguiram mudar por dentro, foram-se embora, fecharam a porta com um estrondo e permitiram ao País compreender de uma maneira muito mais óbvia que aquele regime estava podre e incapaz de fazer, ou construir, de acordo com as ambições dos portugueses.
Quando foi o 25 de Abril era bastante evidente para todos nós que tínhamos acompanhado aquele processo, que Francisco Sá Carneiro tinha condições únicas para liderar uma força política que pudesse aparecer no nosso espectro político.
Encarnou em 1972, ainda quando era deputado, e tinha dito publicamente que a social-democracia era a sua perceção do mundo da política; que era isso que ele era e que era esse o modelo político em que acreditava e em que estava disponível para avançar, para ajudar e para trabalhar.
Imediatamente a seguir ao 25 de Abril, como saberão porventura, havia o Partido Comunista que tinha vivido muitas décadas na clandestinidade e havia o Partido Socialista que tinha acabado de se formar também na clandestinidade, porque até ao 25 de Abril não era possível que houvesse partidos políticos. Naturalmente, muitos de nós ambicionávamos que houvesse outra coisa, outras escolhas e que era preciso que outras escolhas aparecessem e rapidamente.
Compreendíamos que havia alguns - eu acreditava que um - podiam liderar naquela altura essa alternativa política que era tão necessária.
Acho que sabem todos que o PSD não se chamou assim no princípio porque havia um outro partido com nome similar. Naqueles primeiros dias imediatamente a seguir ao 25 de Abril apareceram muitos partidos. Apareceu um partido que se chamava Partido Social Cristão Democrata que tinha que ver com o Prof. Palma Carlos, salvo erro, e retirou o espaço a Francisco Sá Carneiro e aos outros fundadores para se chamar PSD ao partido logo no dia 6 de Maio quando ele é efetivamente constituído.
Posso, depois, se quiserem, contar os episódios relacionados com o esforço que então fizemos para que as pessoas compreendessem bem o que era isso que o PPD significava, era o espaço que ocupava entre nós. Houve episódios inúmeros para tentar que fôssemos efetivamente reconhecidos de acordo com aquilo que era a nossa matriz ideológica, que foi abertamente expressa por Sá Carneiro bem antes do 25 de Abril que era isso que ele queria.
A constituição do partido ocorreu em dias turbulentos como hoje acho que até temos dificuldade em compreender. Ele impôs a vida do partido que nos primeiros anos foi muito difícil e muito complicada, tendo havido inúmeros episódios relacionados com os congressos, com os conselhos nacionais, com a liderança do partido.
Houve fases em que nem era ele pessoalmente que estava à frente do partido mas ele era sempre aquele para quem os militantes do PSD e aqueles que se encontravam na nossa área se viravam.
Cada vez que havia uma disputa do que quer que fosse era atrás dele que as pessoas iam. Ele tinha alguma coisa que era profundamente genuína e verdadeira na maneira que ele propunha caminhos e era atrás dele que as pessoas iam.
Podia haver discussões muito grandes, podia haver cisões e houve, ele não recusava as cisões mas as discussões. Mas cada vez que era preciso resolver atrás de quem o partido ia era atrás de Francisco Sá Carneiro.
De facto, tinha a confiança, a liderança e as qualidades que o partido queria encontrar no seu líder.
Depois, houve também a determinado momento a constituição da Aliança Democrática, a aliança que como sabem era entre o CDS e o Partido Popular Monárquico na altura. A certa altura, Francisco Sá Carneiro compreendeu que era preciso uma força política que pudesse conquistar o governo, dirigir o nosso país com força, determinação e para mudar as coisas, e que essa força tinha de ter maioria.
Imagino que talvez não seja fácil hoje compreendermos o ambiente de instabilidade política em que se viveram aqueles primeiros anos a seguir ao 25 de Abril. Durante um tempo houve governos provisórios, a partir do primeiro momento em que houve eleições para a Assembleia da República em 1976, passou a haver aquilo que se chama de governos constitucionais.
Alguém disse que eu estive no X e no XI, mas também estive em pelo menos dois para trás. Confesso que já não consigo distinguir bem os governos pelos números, porque a partir de certa altura os números nunca mais acabavam.
A ideia que as pessoas tinham neste fim dos anos 70 era que o país não era governado por governos estáveis que pudessem fazer as reformas que o país não conseguia seguir as regras democráticas normais. Isto é, o poder civil a fazer as escolhas e o poder militar submetido ao poder civil, que não havia força na Assembleia da República para impor as reformas e fazê-las andar para a frente.
Foi Francisco Sá Carneiro que concebeu num esquema de aliança, de propostas de reformas ao país, em que o país pudesse acreditar para que houvesse um governo que fosse diferente daquilo que tinha acontecido até aí, um governo que efetivamente pudesse fazer as reformas.
Ele foi um político que eu apreciei e aprecio particularmente por múltiplas razões. Desde logo porque ele era um homem com uma vida profissional muito forte e cheia de sucesso. Escolheu em vários momentos que queria fazer política porque o país precisava disso.
O idealismo, a forma como se faz política na escolha que se faz da política, é uma coisa extremamente importante. Ele fez política porque entendeu que o país precisava que isso efetivamente acontecesse.
Mas não deixou ser o homem com muitas outras coisas importantes na sua vida. Desde logo a sua vida privada, que ele preservou cuidadosamente, fosse o que fosse que os outros pensassem sobre esse assunto. A sua vida e os seus interesses múltiplos.
Era um político que mesmo na sua fase mais visível da sua vida mantinha a sua vida como homem, como pessoa com uma vida privada, com interesses de outro tipo e não se converteu de repente numa vida completamente dedicada a uma coisa diferente.
Foi um homem que suportou durante toda a sua vida uma situação de saúde extremamente pesada e difícil, e funcionou apesar de tudo suportando todas as dificuldades com enorme coragem.
Eram sobretudo estas características do seu caráter, que eu gostava de falar. Aquela que me parece importante referir em primeiro lugar era a enorme coragem, como político e na sua vida. Fazia escolhas e não tinha medo das discussões políticas; que os companheiros políticos quando não estavam de acordo se fossem embora, o abandonassem e dissessem que queriam fazer as coisas de outra maneira.
Não tinha medo que os militares, porventura, complicassem as coisas. Enfrentava com uma enorme coragem todos os desafios que lhe apareciam à frente. Acho que esta qualidade é uma qualidade fabulosa.
É uma qualidade fabulosa num político dizer que vem porque quer isto, sendo a sua ideia esta e que se não quiserem ir com ele não vão. Na verdade as pessoas foram com ele, os portugueses foram com ele e ele demonstrou que em Portugal era possível que houvesse um governo de maioria que fizesse reformas e que fosse respeitado e votado uma segunda vez. Porque, como sabem, ele ganhou as eleições em 1979 voltou a ganhá-las em 1980, sugerindo um programa que era um programa que podia ser posto em prática.
Ele não tinha medo de nada nem de ninguém. Acho que foi das pessoas mais corajosas que eu alguma vez vi atuar na nossa cena política.
Mesmo quando na sua vida pessoal fez a escolha que quis fazer, não foi relevante para ele quais forem as resistências ou os entendimentos, ou o que quer que fosse, que eventualmente dificultassem. Ele disse que a vida dele era assim e que se quisessem ir com ele muito bem, senão que ele não era a pessoa que podia estar naquelas condições.
Aquilo que ele disse sobre a escolha do povo e a relevância da escolha do povo, que era isso que era relevante, ele praticou minuciosamente. Não foi uma coisa teórica, ele não era um teórico que vendia coisas. Eles propôs que o caminho fosse um determinado, que fôssemos por aquele caminho e as pessoas foram atrás, votaram. Votaram duas vezes aquilo que ele queria.
Depois, era um político que se movia por princípios. Não era um taticista, a politiquice repugnava-o profundamente. Movia-se em nome de princípios que ele considerava que eram extraordinariamente importantes.
O primeiro princípio de todos esses e que acho importante salientar - e hoje estamos todos a falar muito disso - era a liberdade. Era aquilo que se opunha ao regime que tinha estado para trás.
Mas era também aquilo que se opunha aos esforços que eram feitos depois do 25 de Abril para que perdêssemos a liberdade e passássemos para outro tipo de ditadura.
Entre esses dois lados, Francisco Sá Carneiro propunha um caminho de liberdade efetiva, de escolha pelo povo, o qual punha em causa as duas ideologias, a que estava para trás e a que alguns naquela altura nos propunham.
Depois, para ele, a política baseava-se num princípio de ética. Gostaria que não ouvissem isto como falando de uma palavra que obviamente nos é importante, mas para ele era uma regra de vida e ele funcionava de acordo com esse tipo de princípios.
Ele não aceitava contemporizar com aquilo em que não acreditava e a certa altura, como todos sabemos, essa escolha muito claro de um caminho, uma proposição de um caminho e quem quiser que fosse atrás, foi feita em tempos muito duros e muito decisivos.
Há outro aspeto que também é importante, do meu ponto de vista, lembrar e aqui hoje, que é que o PSD através de Sá Carneiro nasceu como um partido de justiça social. É importante lembrar isso.
Nós somos um partido de liberdade e somos um partido de justiça social. Sá Carneiro tinha toda a formação pessoal e o entendimento das coisas para que a justiça social ocupasse na sua noção do mundo e da realidade um lugar absolutamente proeminente.
O PSD nasceu com esta cultura de liberdade, escolha pelo povo, direitos humanos, justiça social e isso no conjunto de princípios e valores que foi capaz de ir buscar gente provinda de meios muito diferentes.
Sá Carneiro era profundamente admirado em vida e continua a ser, por pessoas dos meios sociais, culturais, mais variados que é possível.
Gostamos de dizer que o nosso partido é interclassista. Isto foi ele que, em certa maneira, conseguiu conquistar. A admiração das pessoas que porventura tinham mais acesso à cultura e à educação, mas a admiração também das pessoas que eram menos sofisticadas desse ponto de vista e que aderiam a quem ia à frente propondo um determinado caminho e sugerindo um caminho que produzia resultados.
Outra coisa que foi particularmente importante na política dele é que a eficácia era um ponto essencial. Quando ele propôs a Aliança Democrática é preciso compreender que naquela altura a Aliança Democrática naqueles termos era uma proposta desassombrada, era um caminho diferente daqueles que tínhamos percorrido. Era um caminho que podia ser alicerçado em cima de um entendimento forte entre partidos com o objetivo de constituir na Assembleia da República uma maioria política que permita a um governo efetivamente governar.
Ele não só propôs isso como fez. Portanto, criou as condições para fazer e liderou uma aliança política de partidos diferentes, em termos que acho que nunca mais até hoje ninguém conseguiu.
Isto é particularmente importante numa pessoa que nós sabemos que nem sempre tinha um relacionamento fácil. Era muito acusado disso. Cortava muitas vezes com aqueles que não estavam de acordo com ele e naquela altura em que escolheu o caminho da Aliança Democrática e escolheu fazer uma aliança com outros partidos políticos, foi um líder que soube encontrar maneiras de fazer com que todos os que estavam na aliança dele se sentissem confortáveis com as escolhas e com a governação.
Durante o tempo daquele primeiro governo entre 1979 e o ano 1980, vimos Portugal governado por aquilo que nos era difícil, porventura antes, compreender que podia acontecer: um governo forte, que toma decisões, que tem princípios, que executa uma política que foi proposta e que põe em prática aquilo que os portugueses escolheram.
É muito esta pessoa que conseguiu fazer isto, que fica na memória de todos nós, porque ele morreu esse processo estava em curso. Também sabemos que ele morreu quando estava a propor uma coisa que era muito difícil e nenhum de nós pode sequer pensar o que teria acontecido se não tivesse havido aquela trágica noite do dia quatro de Dezembro de 1980.
Foi um homem em plena força de vida, convicto, cheio de força, com um governo que funcionava, mas é bom que nos lembremos também que foi fazendo uma proposta política em relação à presidência da república que dificilmente viria a ter sucesso. Esta foi uma coisa que ele também já tinha compreendido naquele momento.
Acho que há inúmeras coisas na vida dele que o tornam excecionalmente, como homem, como político, como pessoa que soube fazer a política com muita força, muita convicção, muita transparência, muita coragem, mas fazer política para executar, e não para fazer discursos.
Ele disse-me uma vez, no princípio do PPD de então, quando foi o primeiro comício que aconteceu no Pavilhão dos Desportos em 1974, que ele queria que eu falasse sobre as mulheres e que tínhamos de fazer o comício mas que não era exatamente aquilo que ele gostava mais de fazer, fazer discursos.
Mas também temos de fazer isto, também é preciso e que grande orador de comícios ele foi ao longo da sua vida, como também já tinha sido quando orador no parlamento, com uma enorme capacidade de mostrar aquilo que queria e de dividir águas. "Querem vir comigo é assim, se não querem aquilo que eu quero então não venham comigo, escolham uma alternativa”, tinha um respeito pela escolha das pessoas, pela vontade do povo, pois era também um homem desprendido. "Se não for assim e se eu me for embora, há muitas coisas na vida que eu sei e gosto de fazer e as pessoas escolherão aquilo que é de melhor”, esta herança de coragem e de transparência, de dividir águas e de dizer que é assim e não é de outra maneira, é muito precioso em política.
Se me permitem pôr as coisas nestes termos, como é precioso o respeito profundo pela liberdade e pela necessidade de promover a justiça social. Pergunto, muitas vezes, se nós não devíamos no interior do nosso partido em que temos posições que não são necessariamente coincidentes entre todos aqueles que nos acompanham, discutir estas coisas de uma maneira mais aberta em vez de andarmos muitas vezes com a boca cheia de palavras e deslogans.
Em vez de discutirmos mesmos quais é que são as opções, sobretudo no mundo atual, pessoas que olhem para Sá Carneiro, quem ele era e o que queria, como é que era difícil naquela altura impor algo e que aprendam hoje o que é que ele pode significar nas nossas vidas.
Para nós, que somos o partido que ele criou, ele tem de facto um lugar que eu acho que é um lugar único e excecional. O país deve-lhe esta realidade magnífica que certamente todos achamos que é o PSD, mas o país deve-lhe sobretudo mais do que isso, o exemplo de uma forma de fazer política de que nós nos podemos orgulhar e em relação à qual nós devemos tentar seguir o exemplo.
Obrigada.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado, Dr. Leonor Beleza. Passamos agora à fase das perguntas dos Grupos. O primeiro conjunto é constituído pelos Grupos Rosa e Amarelo. Aproveito para agradecer o convívio simpático e o facto de nos terem recebido na vossa mesa.
Darei a palavra ao Miguel Maia e ao João Camarneiro.
Miguel Maia
Muito boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Queria, em primeiro lugar, agradecer-lhe pelo discurso com que nos brindou hoje. Um discurso sobre o homem que - e com todo o devido respeito à organização - é o principal responsável por estarmos aqui hoje.
Queria perguntar-lhe: tendo em conta que Sá Carneiro, na altura quando foi eleito Primeiro-Ministro, renunciou ao cargo de Presidente do Partido. Gostaria de saber se isso seria benéfico continuar a repetir-se na política portuguesa, uma vez que isso não se deu e gostaria de saber, ainda, se Sá Carneiro teria orgulho no partido da maneira como ele está hoje.
Muito obrigado.
João Camarneiro
Muito boa noite a todos. Desta vez vou agradecer e pela primeira vez ao nosso reitor, porque tal como confessava há pouco na mesa enquanto falávamos dos critérios de seleção para esta universidade e calhou em conversa quando me apercebi que um deles seria o retrato falado, quando me perguntaram das características que eu aprecio numa mulher, respondi com clareza que é a elegância e o saber estar.
Portanto, penso que nós temos na nossa presença a que seria a mulher número um se existisse umranking.
[APLAUSOS]
Reconheço que é uma beleza 365 dias por ano e que de quatro em quatro anos são 366 dias.
[RISOS, APLAUSOS]
Portanto, esta senhora trabalhou de perto com três governos, salvo erro, ou com três primeiros-ministros e a minha pergunta é sobre um deles. Penso que a Dr.ª se safará desta pergunta, dos espinhos desta rosa, com alguma elegância.
A pergunta será a seguinte: o Dr. Mário Soares já tinha um feitio que nós os mais jovens o conhecemos, na altura, ou foi uma coisa que lhe deu com o tempo?
[RISOS, APLAUSOS]
Leonor Beleza
Em relação à primeira pergunta, se o Primeiro-Ministro se deve manter como presidente do partido ou não, o Dr. Francisco Sá Carneiro escolheu naquela primeira fase fazer um bocadinho diferente e depois mudou no fim do primeiro governo.
Mas acho que isso não é uma regra que todos tenham de seguir de uma maneira ou de outra. Já agora, deixe-me que lhe lembre que ele deixou de ser formalmente presidente do partido.
Temos muita tentação de perguntar o que é que ele pensava ou pensaria, mas eu não sei, honestamente. Posso dizer aquilo que eu acho mas não sou capaz de dizer aquilo que o Dr. Francisco Sá Carneiro pensaria.
Acho, sobretudo, que os tempos mudaram muito e que as qualidades dele são qualidades que apreciamos em qualquer altura. Mas sou absolutamente incapaz de saber como é que ele faria ou pensaria em circunstâncias diferentes.
Em relação ao Dr. Mário Soares, fui membro do governo do bloco central, sim. Se calhar vou dizer uma coisa inconveniente, mas vou dizer que gostei muito mais de ser Secretária de Estado da Segurança Social do que Ministra da Saúde.
Não fica muito bem dizer. Mas não teve que ver com o governo ou com a composição do mesmo. Do ponto de vista político foi muito mais interessante o que se passou durante os governos de Cavaco Silva. Não tem comparação nenhuma, foi muito mais estimulante.
Do ponto de vista do governo, o governo do bloco central era muito pouco estimulante. Atrapalhava porque havia muitas coisas que interferiam, por isso gostei mais da Segurança Social. Acho que consegui fazer mais aquilo que queria, porventura.
Agora, em relação ao Dr. Mário Soares, ele é adversário político, está numa outra área política que não é a minha. Acho que o país lhe deve muito e eu devo dizer outra coisa que tenho de dizer sempre que falo dele: eu, pessoalmente, devo-lhe muito. Estou a falar em termos estritamente pessoais, não estou a falar em termos de política nem de coisíssima nenhuma.
Mas numa altura em que precisei de ser ajudada e mais apoiada, ele esteve na primeira linha dessa ajuda e desse apoio e, portanto, isso para mim vale uma coisa absolutamente extraordinária.
Agora, se me perguntar se estou de acordo com o tipo de coisas que ele diz, ou com a maneira com que ele agora atua, não estou.
Devo dizer que há uns meses atrás ele telefonou-me e disse: "Sr.ª Dr.ª, agora vou estar calado.” [RISOS]
Ele não tinha que me dar contas de coisíssima nenhuma, mas quis dizer-me isso. Aprecio-o infinitamente. Acho que o Dr. Mário Soares tem o direito de dizer tudo o que quer dizer. Não aprecio muito o estilo com que hoje o diz, mas não é só é verdade que o país lhe deve muito e eu lhe devo muito.
É verdade também e há coisas que é bom que nós lembremos, que o Dr. Mário Soares era Primeiro-Ministro quando foi a segunda intervenção do FMI entre nós, foi a tal altura em que eu era Secretária de Estado da Segurança Social e portanto acompanhei as dificuldades brutais que o país conheceu naquela altura e que as pessoas hoje tendem a não lembrar que aconteceu no passado.
Foram medidas ao nível da dificuldade do que acontece agora. Talvez seja bom lembrar que o Dr. Mário Soares como Primeiro-Ministro apoiou sem titubear todas as medidas difíceis que o governo teve de tomar para esse efeito. Hoje, apetece-me lembrar que isso aconteceu e eu assisti a essa tomada de medidas em que nalguns casos foram extremamente duras, tendemos a esquecer mas foram também extremamente duras.
[APLAUSOS]
Ricardo Carlos
Antes de mais, boa noite a todos, quero agradecer em meu nome e em nome do Grupo Cinzento a presença da Dr.ª aqui, é um grande privilégio para nós.
A Dr.ª entrou na vida política quando esta era manifestamente dominada por homens. Como mulher teve alguma dificuldade em que a sua voz e as suas ideias fossem ouvidas?
Muito obrigado.
Marisa Rito
Boa noite a todos. Antes de mais, deixem-me cumprimentar a Dr.ª. Tenho uma grande admiração por si e quando me candidatei à Universidade de Verão na expectativa de ser selecionada, tinha o desejo de estar aqui esta noite e de fazer uma pergunta - peço imensa desculpa -, ao Prof. Marcelo.
[RISOS, APLAUSOS]
Peço imensa desculpa, nem sei como dizer isto. Ao longo desta semana temos conversado porque tinha comentado com ele que ia estar na Universidade de Verão e ele confessou-me que quer ser candidato a Presidente da República.
A questão é que estamos num impasse e precisamos de saber: a Dr.ª Leonor Beleza vai candidatar-se a Presidente da República?
Obrigada.
Leonor Beleza
Essa história dos homens e das mulheres, como muitas pessoas daqui dentro sabem, far-me-ia falar infinitamente se tivesse oportunidade de o fazer.
Aprendi com a minha mãe que vivíamos num país em que havia discriminação. A minha mãe era jurista como eu sou e nos tempos em que eu estudei a lei não permitia que as mulheres fizessem uma série de coisas, nomeadamente em relação às juristas não permitia que elas fossem diplomatas ou juízes.
Sabem que isto era assim. Quando eu me formei em Direito, não podia ser nem uma coisa nem outra. Mas isso ainda era talvez o menos, havia muitas coisas piores na lei. Aprendi isso - repito - com a minha mãe e passei uma grande parte, inclusive da minha vida profissional, a colaborar em modificações a esse nível e ainda tentar doutrinar.
É difícil que algum gesto meu, ou alguma presença minha, não tenha também essa preocupação por trás. Se me pergunta se eu alguma vez senti alguma vez discriminação, é um bocadinho difícil pormos as coisas em termos muito pessoais. Deixem-me que vos diga que quando eu era aluna da Faculdade de Direito de Lisboa, onde me formei tal como o Dr. Francisco Sá Carneiro, sendo do Porto tal como ele, nas aulas, na Faculdade de Direito havia muitíssimo mais rapazes do que raparigas. Enfim, tinha mudado muito em relação aos tempos da minha mãe, que a diferença era muitíssimo maior, mas em todo o caso havia muitos mais rapazes do que raparigas.
As meninas sentavam-se à frente e os meninos atrás. Ainda hoje estou para perceber porque é que a faculdade sentia que tinha de fazer essa distinção. Nós éramos tratadas de uma maneira um pouco peculiar. O Prof. Marcelo Caetano que foi meu professor de Direito Administrativo, a primeira vez que ele perguntou aos alunos de onde vinham, o que faziam, que notas tinham tido, fez um comentário sobre que aquela turma estava a ficar cheia de senhoras.
O "cheia”, na altura, não era propriamente agradável e havia uma coisa que ainda era mais desagradável. Se nós entrávamos quando os rapazes já estavam todos lá dentro, atiravam aviõezinhos contra nós e diziam imensas coisas. Não era agradável.
Não me estou a queixar de discriminação, porque eu estava lá dentro como eles e tinha notas melhores do que muitos deles.
[APLAUSOS]
Era um ambiente desagradável.
Fui obrigada a ver autópsias sendo jurista. Para um aluno de Medicina era normal, mas para um de Direito não tinha graça nenhuma. A única razão pela qual os juristas viam autópsias era porque podiam ir para a carreira da magistratura para onde eu não podia ir. Portanto, eu podia ver as autópsias mas depois não podia ser magistrada se quisesse.
Sabem que o Dr. Francisco Sá Carneiro, uma das coisas que propôs entre muitas coisas que propôs na Assembleia Nacional foi que acabasse essa discriminação.
Portanto, a minha admiração por ele existia por muitas coisas mas também pela atenção que percebi que desde muito cedo ele tinha em relação ao estatuto das mulheres.
Numa altura em que o estatuto das mulheres era juridicamente - e não estou a falar do resto - profundamente diferente do estatuto dos homens.
A primeira discussão política que eu me lembro de ter tido na vida, ainda era eu uma miúda não formada em Direito e fazia parte de um grupo liderado pelo Marcelo Rebelo de Sousa que tinha alguns contactos com os deputados da ala liberal.
Tinha acontecido que o sistema político, a câmara corporativa, na altura tinha viabilizado projetos do Dr. Sá Carneiro sobre assuntos muito importantes, um dos quais tinha a ver com o estatuto das mulheres.
Eu tive um desastre de automóvel com os meus irmãos, estávamos magoados e fomos visitados por um amigo dos meus pais que tinha responsabilidade nessa tal manobra que foi feita para que as leis do Dr. Sá Carneiro não passassem.
Eu que era uma miúda, aluna na Faculdade de Direito, e que estava toda magoada porque tinha tido o desastre de automóvel, estava mesmo em mau estado, e aproveitei a visita dos amigos do meu pai para, segundo dizem os presentes, de uma maneira razoavelmente inconveniente dizer: "Que diabo é que acontece para a Assembleia não poder aceitar que leis absolutamente justas, leis que põem em vigor princípios completamente razoáveis, de civilização, de democracia, os direitos das mulheres? Acha que as mulheres não podem ser magistradas?”
Repito os relatos que dizem que eu me excedi um bocadinho nessas coisas. A minha mãe devia estar muito aflita por eu ter feito esse disparate com o senhor que nos vinha visitar.
Mas sim, a minha primeira discussão política feroz foi para dizer que era o que faltava não deixarem passar os projetos do Dr. Francisco Sá Carneiro estava a tentar impor na Assembleia Nacional ou sequer que fossem discutidos.
Nem deixar discutir. Hoje nem percebemos o que isso é, porque os partidos podem discutir o que quiserem, têm o direito de o fazer. Naquela altura, não havia isso de partidos sequer.
Portanto, isto para dizer que sim, conheci situações de discriminação. Formei-me com leis que acho que violentavam as minhas convicções mais elementares.
Depois, não posso dizer exatamente que quando fui nomeada para isto ou aquilo tenha sentido discriminação. Nesses tempos as pessoas estavam disponíveis para aceitar e verem coisas novas.
A revolução de que eu naturalmente me orgulho, pois trouxe a democracia para Portugal, permitiu que uma série de mudanças não fossem feitas em passe de caracol como foram feitas em muitos países.
Não tenho muito tempo para explicar isso, mas o nosso Direito mudou de um dia para o outro e com a minha humilde participação, que eu ainda era miúda nessa altura. Mudou porque as circunstâncias em que as coisas aconteceram em Portugal permitiram que isso acontecesse.
Portanto, também beneficiei. De certa maneira foi uma geração de privilégio porque pude assistir àquelas mudanças.
Depois, há muita coisa que ainda não mudou e que está para mudar.
Nós transformámo-nos num país em que aceitamos que as mulheres façam tudo e mais alguma coisa, mas não achamos essencial que façam. Estão a ver?
Há uma distinção entre as duas coisas e uma coisa é dizer que as mulheres podem ser ministras das finanças. De facto, felizmente em Portugal somos dos poucos países que existem duas mulheres, que uma foi e outra é, ministras das finanças. Isso pode acontecer. Mas não andamos a ver quantas é que efetivamente são e que se calhar nos faz falta aproveitar os talentos de muitas mulheres que não estão em sítios em que talvez podiam estar, se a sociedade facilitasse isso e se elas aceitassem e quisessem que fosse assim.
Há muito mais coisas que estão nas nossas mãos do que aquilo que nós pensamos. Muitas vezes somos levados a pensar de acordo com regras, com comportamentos e com hábitos, com os quais nos conformamos sem pensarmos que se calhar podia ser de uma maneira completamente diferente.
Sobre a segunda pergunta, eu não estou aí. Está bem? Obrigada.
[APLAUSOS]
Tomás Roque da Cunha
Gostava de dizer boa noite a todos os presentes e também de agradecer à Dr.ª Leonor Beleza por estar presente entre nós.
"Primeiro, Portugal, depois o partido e por fim a circunstância pessoal de cada um de nós”, esta é uma das frases de Francisco Sá Carneiro que é mais citada nos nossos dias.
A minha pergunta é, se partindo do exemplo da democracia interna dos partidos, da demissão irrevogável de Paulo Portas e do combate interno entre António Costa e António José Seguro, se esta frase é uma frase que é apenas citada em demasia, ou é uma frase que os políticos tentam respeitar em Portugal.
Obrigado.
[APLAUSOS]
António Afonso
Boa noite. Queria cumprimentar a mesa na pessoa da Dr.ª Leonor Beleza e gostava de perguntar o seguinte: qual o seu maior desafio enquanto presidente da Fundação Champalimaud?
Leonor Beleza
Se as pessoas repetem ainda essa frase, ele sabia que tinha impacto pôr o país em primeiro, mesmo antes da democracia, como pôs nesses termos. Ele sabia que isso tinha conteúdo, não é dizer uma frase despida de conteúdo.
Na verdade tinha conteúdo no sentido em que ia contra muita coisa.
Não costumo fazer comentários nenhuns a atuações concretas, onde quer que seja, mas acho que vale a pena repetir que ele disse isso e mais do que dizer praticou isso. Para nós isso era muito importante.
Quando às vezes nos perdemos em quezílias - estou usar esta palavra, parece que estou a desprezar, mas não - de toda a ordem, quer internas, quer sobretudo externas.
Aquelas que têm um impacto muito grande no país, acho que valia a pena em muitos momentos pensarmos nessa priorização das coisas e pensar que o país vale o suficiente para que nós façamos um certo número de sacrifícios. Incluindo, às vezes, na força que queremos com que as coisas sejam de determinada maneira, ou na importância que atribuímos a nós próprios.
Portanto, a minha resposta é: essa frase tinha e tem um impacto brutal hoje, porque noutros tempos e nestes é muitas vezes pura e simplesmente esquecida.
Em relação à Fundação Champalimaud, o maior desafio, a maneira como desde o princípio se colocou e fui ensinada a fazê-lo por muitos daqueles que me ajudaram a perceber qual é que devia ser o caminho e o que devíamos fazer, é ter a Fundação Champalimaud no mapa das melhores instituição ao nível mundial.
Obrigada.
[APLAUSOS]
David Gonçalves Pereira
Boa noite, Dr.ª Leonor Beleza. Em nome do Grupo Azul, gostaria de cumprimentá-la e mais uma vez agradecer a sua presença aqui hoje. A questão que me cabe a mim colocar está relacionada com a fundação que dirige, nomeadamente sobre o protocolo assinado em 2011 com o Ministério da Saúde, para permitir tratar utentes do Serviço Nacional de Saúde.
Uma vez que são conhecidas as dificuldades para colocar este protocolo em prática, gostaria de saber qual é o ponto de situação e como vê o futuro deste acordo num contexto de alta contenção de despesa na área da saúde pública.
Já agora, permita-me a graça: teme que a localização da fundação e a vista deslumbrante que os seus investigadores têm sobre o Tejo os distraia do seu trabalho diário?
Obrigado.
Mafalda Oliveira Gomes
Boa noite, Sr.ª Dr.ª Leonor Beleza. O Grupo Castanho gostaria de colocar uma questão que, em bom rigor, nada tem que ver com o central de hoje mas achamos naturalmente na nossa humilde opinião que não poderíamos deixar passar esta oportunidade.
Portanto, o direito da família, sobre o qual com certeza a sr.ª Dr.ª estará muito mais ciente que nós, tem sofrido profundas alterações a cada dia que passa. Gostaríamos de colocar uma pergunta que é bastante polémica, aliás em nada é pacífica, e é a seguinte: qual a sua posição perante a possibilidade da co-adoção por parte de casais homossexuais, ou ainda a adoção por parte de casais homossexuais?
Muito obrigada.
Leonor Beleza
Em relação ao protocolo com o Ministério da Saúde tenho de explicar um bocadinho o que isso é. Na verdade foi em 2010 que foi celebrado o protocolo entre o Ministério da Saúde e a Fundação Champalimaud que permitia em determinadas condições que entidades do SNS cooperassem com a Fundação, quer em aspetos relacionados com a Fundação, quer em aspetos relacionados com o tratamento de doentes.
Esta não é uma questão propriamente relacionada com questões de caráter financeiro. Não a olho muito nesses termos.
Em relação ao que se passa nesse domínio, é que nós estamos abertos se os hospitais quiserem essa cooperação, nos termos em que ele se processa em relação à investigação, nomeadamente há um certo número de ensaios clínicos - poucos porque ainda estamos no princípios - multicêntricos, que são feitos com cooperação com equipas que estão no SNS e na Fundação Champalimaud.
Quanto ao resto entendo que é uma questão de definição de política de saúde por parte do Ministério da Saúde, que nós estamos disponíveis para conversar nos termos em que o Ministério da Saúde porventura queira conversar.
Não temos nenhuma espécie de pressa nem de problemas em relação a isso.
É a quem detém a responsabilidade no Ministério da Saúde que cabe saber em que condições é que entende que deve haver cooperação com entidades que estão formalmente fora do SNS.
Em relação ao direito da família, não sei se a Mafalda sabe que houve uns tempos em que eu sabia umas coisas sobre esse assunto e que me dedicava profissionalmente a esse assunto. Ainda hoje, antes da Fundação Champalimaud, gostava de dizer que do ponto de vista profissional, aquilo que foi para mim mais interessante e aliciante, foi trabalhar a seguir do 25 de Abril nas alterações profundas no direito civil português e nomeadamente as alterações do direito da família. Nessa altura, eu era especialista nessas coisas.
Tenho saudades dessa altura por termos trabalhado para ter modificações profundas que conduziam - achava eu - a uma sociedade igualitária com que eu sonhava e ajudaram um bocadinho, mas não muito. Lembro que continuam dezenas de mulheres a serem mortas pelos maridos em atos de violência doméstica.
Não é uma referência simpática, nem coisa nenhuma, mas às vezes precisamos de olhar para a realidade que é tão dura, tão bruta e insuportável, que os princípios todos que achávamos que devem iluminar o mundo cedem perante realidades horrendas.
Quanto à adopção, quando a reforma do Código Civil teve lugar houve também uma reforma muito profunda no direito à adoção.
Sou uma defensora acérrima da existência da adoção como uma solução que dota de família uma criança que não a tem. Isso é a adoção. A adoção existe, não é para satisfazer interesses de ninguém senão de uma criança que não tem família.
É para isso que existe a adoção. Só pode haver adoção em função dos interesses da criança, não há interesses de outros. Não há direitos de outros relevantes.
Evidentemente, só há uma adoção se alguém quiser adotar e por isso de alguma maneira isso também tem de responder aos interesses das pessoas que querem adotar. Mas a adoção tem de ser sempre discutida no âmbito de qual é o interesse daquele menino, ou daquela menina.
Muitas vezes na prática resulta muito bem e outras não, porque uma criança em vez de crescer numa instituição ou crescer entregue a pessoas que tenham pouco a ver com ela, podem crescer com pessoas que constituem a sua família, ter a sua família e a sua proximidade.
A mim custa-me muito esta contaminação de uma história que na sua simplicidade e na sua grandeza é isso, pela discussão de outras coisas. Por isso, a minha resposta a essa pergunta é assim: o que é relevante é o interesse daquela criança. Não aceito, na situação atual, que possa em virtude de qualquer princípio de não discriminação ser posto em causa aquilo que para uma criança é mais importante numa situação concreta. Eu, a essa pergunta, respondo assim: eu não tenho dúvidas que se uma criança puder ter um pai e uma mãe é melhor para a criança e que é preciso evitar que em escolhas concretas para o destino de uma criança se insiram julgamentos de outros tipos que possam prejudicar a criança.
Se eu vir resolvida esta questão e se eu tiver a certeza que depois não vêm dizer que inúmeras situações são iguais entre si, se for possível em casos concretos dizer que a situação daquela criança fica melhor, não fico ofendida ou atrapalhada, ou o que quer que seja.
O que tenho muito medo nesta história é que julgamentos relacionados com questões em si muito nobres de não-discriminação, possam interferir em escolhas relacionadas com crianças e possam passar à frente de julgamentos sobre se para este menino ou menina é melhor que sejam as coisas de uma maneira ou de outra.
Também em relação à co-adoção que é o que anda aí com mais persistência e que está relacionada obviamente com a outra. Quando for demonstrado que numa história concreta o bem-estar daquela criança depende daquela solução, quero que aquela solução seja possível. Portanto, quero que o nosso sistema judicial e de apoio às crianças esteja montado para reconhecer imediatamente se esta solução é boa para esta criança.
Mas não misturem nesta coisa julgamentos que podem ser muito razoáveis e ter muita importância mas que não colocam à frente de tudo o que é que para aquele menino ou menina é melhor.
Portanto, apesar de isto ser muito antipático às vezes, é preciso olhar para a sociedade onde estamos e percebermos muito bem como é que aquele menino ou menina podem ser mais felizes. Não tenho a mais pequena dúvida que há muitos meninos que podiam ser mais felizes se vivessem com um saudável casal homossexual do que vivendo nas situações em que vivem. Não tenho dúvidas. Mas não quero que os direitos, sejam de quem forem, se sobreponham aos direitos dos meninos.
Não sei se me fiz entender. Isto é relativamente complicado, mas é uma história de filosofia. A primeira história sobre decisões em relação a uma criança é um sistema ágil e eficaz que seja capaz de dizer que esta menina, ou este menino, está muito bem assim.
Podem ser duas mulheres, ou podem ser dois homens, ou pode ser um homem ou uma mulher. Acho que na maior parte dos casos, para a criança será mais fácil e mais compreensível que seja um homem e uma mulher.
Portanto, gostaria que esse julgamento pudesse existir e não tivesse esta virtualidade de ofender quem quer que fosse. As coisas mudam ao longo do tempo. Provavelmente não estaria a falar-vos nos termos em que estou a falar-vos hoje. Sei que a maneira como o nosso olhar se dirige para as coisas também é relevante e os meninos vivem na sociedade com olhares concretos de pessoas concretas sobre como as coisas se passam.
Por isso, há um trabalho de educação de nós todos, que certamente precisa de ser realizado porque acredito na não-discriminação, revolta-me qualquer espécie de discriminação e não quero que isso aconteça. Mas também não quero que isso se sobreponha àquilo que é em cada caso concreto a decisão que precisa de ser tomada.
No processo da adoção só há uma entidade cheia de direitos e essa entidade é a criança.
[APLAUSOS]
Dep.Carlos Coelho
Sr. Dr.ª Leonor Beleza, conhece as regras da casa, sabe que nós damos por cortesia a última palavra à nossa convidada. Esta é, portanto, a oportunidade de lhe agradecer ter vindo mais uma vez à Universidade de Verão e de a ter enriquecido com os seus comentários e com as suas reflexões.
Agradeço-lhe as respostas que deu até agora e as duas últimas que vai dar na última ronda de perguntas. Como é a última vez que eu tenho acesso ao microfone, recordo-vos que às 23h na sala lá em baixo iniciar-se-á a famosa gala do boneco.
Para a última ronda, os Grupos Encarnado e Roxo, o Alexandre Filipe dos Santos e o José Ramos Andrade.
Alexandre Filipe dos Santos
Boa noite. Antes de mais, cumprimento a Dr.ª Leonor Beleza pela sua presença aqui. A Dr.ª é Presidente da Fundação Champalimaud, uma Fundação que faz investigação biomédica importantíssima.
Como tal, gostaria de lhe perguntar se considera que a investigação deverá continuar a ser um investimento importante e fundamental do Estado, ou se deveria passar a ser no futuro um investimento privado.
Muito obrigado.
José Ramos Andrade
Muito boa noite a todos. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à Dr.ª Leonor Beleza esta grande conferência que nos fazer ver que eram este grande homem, Francisco Sá Carneiro.
"Portugal não é isto, nem tem de ser isto”, são palavras de Francisco Sá Carneiro. Pensa que estas palavras têm hoje atualidade?
Leonor Beleza
Em primeiro lugar, em relação à investigação científica, ela tem do meu ponto de vista de ser uma prioridade do Estado e há todas as razões para que o Estado invista fortemente em investigação científica.
O facto de eu estar à frente de uma instituição privada que utiliza dinheiro de outra proveniência também, temos alguns dos nossos investigadores que concorrem em termos competitivos a dinheiro nacional, ou europeu, que utilizam dinheiro de outras proveniências.
Acredito que um Estado moderno não pode deixar de investir fortemente em investigação científica porque disso depende vitalmente o futuro de todos nós. Acho que o Estado deve investir.
Hoje, tem havido uma discussão muito acesa sobre investimento em investigação e aquilo que o Estado põe nela. Como em muitos domínios em que a discussão é acesa e com uma fortíssima participação dos intervenientes diretos nas coisas, a discussão não é feita sempre sobre a existência de muita informação objetiva e porque é que as coisas estão a correr de uma maneira ou da outra.
Na verdade, investe-se mais agora em investigação científica do que para trás, entre nós, o Estado.
Era bom que as pessoas às vezes olhassem mais para os números objetivos e não para muito ruído que ocorre em torno disso. Há um problema de priorização daquilo que deve ser objeto de investigação científica e dos termos em que os investigadores devem ter acesso a financiamento para fazerem a investigação.
Há uma questão de ouro - no meu ponto de vista - para que isso aconteça, que é a competitividade nas candidaturas a financiamento. Isso existe entre nós para muitos financiamentos e existe fortemente em termos europeus. Acredito que uma forte competitividade no acesso ao dinheiro para a investigação é importante para que esta tenha um grande sucesso.
Deixem-me que vos diga só uma coisa de que algumas vezes não temos muita consciência. Tem que ver com a dificuldade que, porventura, possamos conhecer entre estas regras pois a competição é ao nível mundial. Não é aqui entre nós, uns com os outros, nem com os europeus, nem entre nós e os Estados Unidos, mas sim entre nós, os Estados Unidos, a Coreia, o Japão, a Índia e mais todos os outros.
Os atores são múltiplos na cena mundial.
Agora estava a olhar para uma pergunta que me foi feita e eu não respondi, que tinha a ver com a localização e a vista da Fundação Champalimaud. Agora que estava a falar da competição, lembrei-me que era oportuno dizer-vos que a localização e a vista como também a arquitetura, tem muito a ver com a nossa capacidade competitiva, por é a primeira maneira de atrair os investigadores que queremos que venham trabalhar connosco.
Uma das razões que na Europa dificulta uma enorme capacidade de inovação em investigação é que a competição é inferior por exemplo à que existe nos Estados Unidos.
Deixem-me só que vos diga uma coisa, que também o nosso Deputado deve estar muito consciente dela: nos Estados Unidos, por exemplo na área da saúde, na ordem dos 30 mil milhões de dólares por ano é dada por uma instituição chamada National Institute of Health e a competição abrange todos os Estados Unidos naturalmente. É a maior parte do financiamento que existe, embora haja outras entidades que financiem e a competição existe entre todos os Estados Unidos.
Na Europa é por menos 5% que é destinado à competição europeia e isto limita a própria competição e a qualidade daquilo que se faz.
Onde está o valor de mais de 95% é nos dinheiros nacionais atribuídos, nacionalmente por cada um dos países.
Devo dizer que sou cada vez mais europeísta e de cada vez que tropeçamos num BES qualquer aumenta o meu sentimento de fundamentos europeus. Acredito que, em particular, na distribuição de dinheiros para a investigação científica, algum do dinheiro que é distribuído pela Europa é feito de uma maneira extremamente competitiva a sério. É competição a sério, só os melhores é que conseguem lá chegar.
Gostava que isso fosse alargado e que houvesse mais dinheiro que fosse distribuído dessa maneira, e que não fosse diferente ser um bom investigador na Alemanha, ou um em Portugal, ou na Grécia, ou na Irlanda, ou noutro sítio qualquer.
Mas reparem que nos Estados Unidos é um pacote louco que é distribuído em termos nacionais para investigadores que estão naquelas instituições pública e privadas. Eles nem sabem bem fazer essas distinções, por isso a competição é total.
Na Europa, essa competição é por menos de 5% que é distribuído para investigação científica e isso diminui a nossa capacidade de competição.
Às vezes é bom que se pense nestas coisas e não apenas em nós e nós, e nos outros não porque os outros são todos uns aborrecidos, a começar pela senhora Merkel e outros quaisquer.
[RISOS]
A propósito, quero falar da senhora Merkel por causa do ramo de flores. Lembrei-me disso.
[RISOS]
Portanto, é preciso muito dinheiro e depois se houver pessoas como António Champalimaud que põem o seu dinheiro para fazerem investigação científica, abençoado país onde isso pode acontecer. Por isso é muito bom que também haja pessoas que queiram fazer isso, mas isso não diminui o alcance da obrigação do estado. Isso põe mais meios para haver investigação científica.
De facto, deixem-me que saliente, a nobreza, o alcance e a visão do gesto de quem entregou 500 milhões de euros daquilo que tinha amealhado para que uma instituição fizesse investigação científica em Portugal ao nível das melhores instituições do mundo, porque é isso que pode ser feito.
"Portugal não é isto, não tem de ser”, significava uma revolta e inseria-se naquele espírito da mudança das coisas que Francisco Sá Carneiro encarnou naquela altura com tanto sucesso. Contra todas as previsões e analistas e tudo mais, a maioria da Assembleia da República eleita pelo povo português apoiou a proposta que ele fazia e escolhia ser um país que ele tentava mostrar e que dizia que não era isto.
Acho que há uma coisa que Francisco Sá Carneiro também nos ensinou através dessa frase e de tudo o resto, que foi a achar que é sempre possível mudar, reformar e fazer melhor.
Hoje, estamos a passar por dias particularmente difíceis e complicados. Se me perguntarem assim a seco se acho que Portugal não é isto que estamos a ser agora e que podemos ser outra coisa, eu digo que acho. Eu vivo triste e deprimida ao olhar para muitas coisas que se passam entre nós.
Portugal foi submetido a uma intervenção externa violenta. Quem conhece os termos dessa intervenção externa compreende que ela foi feita em termos profundamente humilhantes para nós, sentimos isso no dia-a-dia. Mas se olharmos para os papéis que estiveram na base dessa intervenção e consagraram-na e àquilo que fomos obrigados a fazer, eu não quero isto para o meu país.
Eu não quero um país onde seja preciso que venham uns senhores seja de onde for dizer para reformarmos os hospitais, em vez de ter 300 municípios passa a ter 200 e em vez de ter não sei quantos hospitais a fazer operações ao coração passa a ter cinco ou dez, e deixa de poder gastar o dinheiro naquilo e vai passar a gastar naquilo. Como também inúmeras outras regras que estavam naquele memorando de entendimento que foi sendo refeito ao longo dos tempos e que nos explicavam aquilo que nós não tínhamos sido capazes de entender sozinhos.
Não quero isto, se é isto que me estão a perguntar se eu gosto. Não, não é isto que eu quero. Eu quero um país em que tenhamos parceiros lá fora, que connosco ajudem a fazer um caminho.
Dizia, há bocadinho, que sou cada vez mais europeísta. Muito bem, quero parceiros lá fora que me ajudem a fazer um caminho, mas quero um país onde nós aqui dentro tenhamos a certeza sobre quais são as regras e que sejamos capazes de funcionar de acordo com elas.
É profundamente deprimente muita coisa que aconteceu e acho que nos sentimos deprimidos com estas coisas todas que andam para aí e que todos sabemos. Nós precisamos de sair disto com outra coisa.
Portanto, sim, acho que essa frase de que não somos isto, este país intervencionado, tristonho e olhando para si próprio como se não fosse capaz de fazer as coisas. Quando pensamos que as coisas estão a correr bem vem aí uma história como estas do BES e ficamos ainda mais machucados e aborrecidos.
Não é isso que eu quero. Mas acho que os portugueses são capazes de fazer outras coisas e já fizeram muitas vezes.
Portanto, acho que existe entre nós capacidade, força, engenho, talento, que nos pode ajudar a sair desta situação atual. Sabemos que as coisas estão melhores do que aquilo que estiveram. Sabemos que fomos obrigados a aceitar uma série de regras e a ir para uma série de caminhos que fizeram sofrer muitos dos nossos compatriotas e que nos fizeram optar por coisas muito difíceis.
Também era bom, se calhar, sentirmo-nos orgulhosos por sermos capazes de fazer isso, que não olhássemos só para o lado da depressão e das coisas que nos correram mal e que percebêssemos que nós fomos capazes de fazer isso.
Escusam de dizer que somos bons alunos. Não, nós fomos capazes de fazer coisas muito difíceis e de as fazer melhor do que outros que estão a percorrer caminhos parecidos e estão a percorrê-los com mais dificuldades do que nós.
Portanto, também há um lado positivo nesta história e há números que começam. Por isso, precisamos de força para sair disto. Logo, o "Portugal não é isto” também tinha implícito que é capaz de fazer outra coisa e eu acho que estamos a ser capazes de fazer outra coisa e vamos ser capazes de o fazer.
Mas, atenção, os tempos são muito difíceis e o que vem aí nunca mais é o país que foi no passado, é um país que vai depender muito mais da nossa capacidade competitiva, de criação e inovação.
Por isso é que investir em investigação científica é assim tão importante.
Para terminar queria dizer-vos que tenho vindo aqui com gosto, agora repetidamente, que gosto muito deste convívio partidário que hoje em dia para mim é um pouco raro. Gosto muito de conversar os assuntos do nosso país com os mais novos e gosto de perceber para onde é que os mais novos acham que devemos ir.
Sobretudo, Carlos Coelho, quero dizer-lhe que para mim constitui uma enorme honra que o tema que me foi sugerido fosse a pessoa do Dr. Francisco Sá Carneiro.
Obrigada.
[APLAUSOS]
Obrigada. Desculpem, deixem-me só dizer uma coisa por causa do ramo de flores. É só um comentário. Às vezes gostamos de contar umas estórias pequeninas. Não faz sentido com o que eu acabei de dizer.
Não sei se viram no outro dia o Poroshenko dar um ramo de flores à senhora Merkel. Ela fez uma visita à Ucrânia por estes dias e ela gosta de ter aquele ar, anda sempre vestida daquela maneira, sem nada na mão. Não estou a criticar a senhora Merkel. Ele veste-se de uma maneira que não é igual a todas as outras mas também não tem nenhuma razão especial.
Reparem que eu tenho um enorme orgulho que haja mulheres que têm e exercem democraticamente o poder como ela exerce. Não é? Não sou daquelas que diz que não gosta daquela, não, não é assim. Mas a única coisa que eu estou a dizer é que ela tem aquele ar, sempre de fato, calças, e chega lá o Poroshenko e dá-lhe um ramo de flores. Isto tem uma narrativa.
Ela ficou a olhar para o ramo de flores como se fossem umas couves e foi por ali fora com o ramo de flores e eu pensei cá para comigo: Poroshenkozinho, dar um ramo de flores à senhora Merkel é uma coisa que não se faz.